CSM|SP: Registro de Imóvel – Dúvida – Carta de sentença extraída dos autos de ação de extinção de condomínio – Exame do título que desbordou dos limites da qualificação registrária – Inexistência de ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade – Recurso provido – Dúvida improcedente – Registro do título determinado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0015448-29.2014.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que são apelantes MOACIR MARCOS GON e CÉLIA CRISTINA DA SILVA GON, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARAÇATUBA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO E JULGARAM IMPROCEDENTE A DÚVIDA SUSCITADA, PARA QUE O TÍTULO APRESENTADO (CARTA DE SENTENÇA) SEJA REGISTRADO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de março de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n° 0015448-29.2014.8.26.0032

Apelantes: Moacir Marcos Gon e Célia Cristina da Silva Gon

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araçatuba

VOTO N° 29.186

Registro de Imóvel – Dúvida – Carta de sentença extraída dos autos de ação de extinção de condomínio – Exame do título que desbordou dos limites da qualificação registrária – Inexistência de ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade – Recurso provido – Dúvida improcedente – Registro do título determinado.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araçatuba, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de sentença extraída dos autos da ação de extinção de condomínio, referente ao imóvel matriculado sob número 28.743, em razão da não citação de todos os titulares do domínio do imóvel, o que ofende os princípios da continuidade e da disponibilidade.

Os apelantes afirmam que estão impedidos de atender as exigências apresentadas, e que as irregularidades se fazem presentes nos registros números 3 e 5 da matrícula do imóvel, cuja solução reclama ação judicial própria. Descrevem a titularidade do domínio de acordo com os referidos registros, baseados em sentenças transitadas em julgado, que convalidaram juridicamente todos os atos praticados pelas herdeiras legítimas. Dizem que não têm qualquer responsabilidade quanto ao desrespeito aos princípios da disponibilidade e da continuidade.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

De acordo com a matrícula do imóvel e que é de número 28.743, e com o último registro realizado, que é o de número 5 (fls. 6 e 7), a titularidade do domínio pertence à Emília De Oliveira Silva, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Manoel José Da Silva; Iolanda De Oliveira Degrossi, separada judicialmente; Eronilde De Oliveira Gon, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Moacir Gon; Maria De Lourdes De Oliveira Dall’Oca, viúva; Maria Evanir De Oliveira Roledo, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Anastásio Florêncio Roledo; Nadir De Oliveira Gavilha, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Egidio Gavilha; Eva Oliveira Da Cruz, viúva; Adão Silvio De Oliveira, casado sob o regime da comunhão universal de bens com Nececia Morais De Oliveira, e Odair Antônio De Oliveira, separado judicialmente.

O Oficial negou o registro da carta de sentença sob o fundamento de que Valdomiro Francisco Da Cruz e Elcio Dall’Oca, ambos falecidos, e Luiz Degrossi, ex-cônjuge da titular do domínio Iolanda De Oliveira Degrossi, na condição de titulares do domínio, deveriam ter integrado a ação de extinção de condomínio, o que não ocorreu, motivo pelo qual o registro pretendido ofende os princípios da disponibilidade e da continuidade.

Ocorre que, de acordo com o referido registro número 5, as pessoas mencionadas não são titulares do domínio do imóvel, e, a seguir o raciocínio do Oficial, corroborado na r. sentença de procedência da dúvida suscitada, a ex-cônjuge do titular do domínio Odair Antônio De Oliveira, ou seja, Zulma Faria Rosa De Oliveira, também deveria ter participado da ação de extinção de condomínio, mas nada foi mencionado a respeito.

De qualquer modo, o que importa é que os referidos ex-cônjuges dos titulares do domínio e que constavam como coproprietários no registro número 3 da matrícula, perderam tal condição em razão do registro do formal de partilha objeto do registro número 5, e, ao contrário do que se sustenta, não houve erro no registro deste formal de partilha, porque não é da atribuição do registrador analisar os aspectos intrínsecos e questionar se o bem foi ou não e se deveria ou não ter sido partilhado com os herdeiros dos ex-cônjuges falecidos ou com os separados judicialmente, pois, se constou daquele formal de partilha que as viúvas e os separados judicialmente passaram a ser exclusivamente os titulares do domínio dos respectivos quinhões, o mínimo que se deve presumir é que, se o juiz assim decidiu, não cabia ao registrador ingressar no mérito e no acerto da sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.

Afrânio de Carvalho ensina:

Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed., pág. 300).

No mesmo sentido, decisão da 1ª Vara de Registros Públicos, de lavra do MM. Juiz Narciso Orlandi Neto, quando se anotou:

Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (art. 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionado no art. 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo n° 973/81)

Precedente antigo deste Conselho Superior da Magistratura já apontava neste sentido:

O estado de indivisão aberto com a morte de um dos cônjuges somente será solucionado com a decisão do juízo competente relativa à partilha, na qual se possa verificar quais os bens que a integraram e quais aqueles dela excluídos, questões de ordem fática e jurídica que somente podem ser resolvidas na via judicial vedada qualquer análise probatória no campo administrativo. Essa decisão deverá, por fim, ingressar regularmente no fólio real, para que então sejam disponibilizados os imóveis, cabendo ao registrador apenas a regular qualificação do título para verificação do atendimento aos princípios registrários, sob o estrito ângulo da regularidade formal. Isso significa, em face da inviabilidade de que se venha a questionar, na via administrativa, matéria que envolve questão de mérito da decisão judicial precedente, que nos casos em que o bem objeto do ato de registro tenha sido excluído da partilha ou partilhado como próprio do autor da herança, deverá o registrador, quanto a este aspecto, apenas verificar se houve expressa referência ao imóvel e se no processo judicial houve a ciência ou participação do outro cônjuge ou de seus herdeiros, eventuais interessados no reconhecimento da comunhão de aquestos. (Ap. Civ. n° 51.124.0/4-00, rel. Des. Nigro Conceição, j. 29.11.99).

Mais recentemente o Conselho Superior da Magistratura, ratificou a impossibilidade de o registrador examinar o mérito da decisão judicial:

No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).

A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar o título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título.

Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional (Ap. Cível n° 0001717- 77.2013.8.26.0071, Rel. José Renato Nalini).

Portanto, foi correto o ingresso do formal de partilha registrado sob número 5 na matrícula do imóvel, e, ainda que assim não fosse, o registro atribuiu a titularidade do domínio às pessoas nele mencionadas, de maneira que não era caso de incluir na ação de extinção de condomínio as pessoas mencionadas, porque estas não são titulares do domínio, e, consequentemente, não há que se falar em comprometimento do exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários em ofensa aos princípios da continuidade e da disponibilidade.

À vista do exposto, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida suscitada, para que o título apresentado (carta de sentença) seja registrado.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 30.05.2016 – SP)