CSM|SP: Registro de imóveis – Carta de arrematação – Título judicial que também se submete à qualificação registral – Loteamento irregular – Inobservância à legislação vigente – Necessidade de regularização – Precedentes – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0002891-63.2013.8.26.0543, da Comarca de Santa Isabel, em que é apelante LIMA E SILVA CONSULTORIA FINANCEIRA E INVESTIMENTO LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA ISABEL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores, PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E SALLES ABREU (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível: 0002891-63.2013.8.26.0543

Apelante: Lima e Silva Consultoria Financeira e Investimentos Ltda.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Isabel

VOTO N° 29.100

Registro de imóveis – Carta de arrematação – Título judicial que também se submete à qualificação registral – Loteamento irregular – Inobservância à legislação vigente – Necessidade de regularização – Precedentes – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Lima e Silva Consultoria Financeira e Investimentos Ltda, que busca a reforma da r. decisão de fls. 98/100 que, ao julgar procedente a dúvida inversa, manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Isabel referente ao registro da carta de arrematação extraída dos autos do processo n.° 583.00.2008.208883-3, da 32ª Vara Cível Central da Capital, no imóvel matrícula sob o n.° 22.120, daquela Serventia de Imóveis.

Alega a recorrente que é o credor hipotecário e que a hipoteca extingue-se com a arrematação. Ainda, inexistência de ônus quando arrematou o imóvel, e que o precedente apontado pelo registrador (apelação cível n.° 482-0 do CSM) não foi anotado na matrícula. Por fim, aduz que o registro pretendido encontra amparo na Medida Provisória n.° 656/2014.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento de recurso.

É o relatório.

A recorrente arrematou o lote n.° 12 (matrícula n.° 22.120), do empreendimento denominado “Chácaras Alvorada”, nos autos do processo n.° 583.00.2008.208883-3 da 32ª Vara Cível Central da Capital.

O registro foi recusado com base na Apelação Cível n.° 482-0 do Conselho Superior da Magistratura, e na pendência de duas hipotecas e uma penhora inscritas na matrícula do imóvel.

Sabe-se que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais [1], conforme o disposto no item 119 do Cap. XX das NSCGJ [2].

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial [3].

No mais, a questão não é nova e foi recentemente enfrentada por este C. Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível n.° 0004331-36.2009.8.26.0543:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Loteamento irregular – Inobservância à legislação vigente – Registro indevido de outros títulos no passado que não autorizam ratificar o erro – Necessidade de regularização – Dúvida procedente – Recurso não provido.

Constou do voto que:

O Oficial recusou o registro da escritura de compra e venda do imóvel integrante do condomínio “Chácaras Alvorada”, baseado no julgamento deste Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 482-6/0, Relator e Corregedor Geral da Justiça Gilberto Passos de Freitas. Este julgado menciona outros no mesmo sentido, qual seja, de que o loteamento foi inscrito como se condomínio especial fosse, porém, lotes de terrenos singularizados e sem construção, na realidade é loteamento disfarçado, porque para esse tipo de condomínio é indispensável vincular o terreno às construções, e, se construções não há, a inscrição ocorreu em desconformidade com o Decreto-lei 58/37, aplicável ao caso. Ressalva o julgado que nem mesmo o artigo 3º do Decreto-lei 271/67, que determinava aplicar ao loteamento as regras da Lei n° 4.591/64, poderia ser invocado, porque não era auto-aplicável e inexistia regulamentação, e posteriormente entrou em vigor a Lei n° 6.766/79.

Assim sendo e considerando que a situação irregular e ilegal verificada persiste, porque não há nenhuma notícia de regularização, não há razão para autorizar o registro da escritura de compra e venda do lote adquirido pelos apelantes.

Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.

Consoante lições da Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).

O fato de outros títulos referentes a outros lotes terem indevidamente ingressado no registro imobiliário no passado, na época da instituição do “condomínio”, não justifica nem autoriza o registro de outros títulos posteriormente apresentados e que afrontaram a lei, a exemplo do título ora examinado. Erros devem ser retificados e não ratificados.

Neste sentido o Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou, ao consignar que “a existência de pretéritas anomalias no registro predial não pode servir de justificativa ou de pretexto para que outras e novas se pratiquem” (Apelação Cível n° 12.075-0/4, j. 22/01/91, Relator Desembargador Onei Raphael) e que “erro pretérito não justifica nem legitima outros” (Apelação Cível n° 19.492-0/8, j. 17.02.95, Relator Desembargador Antônio Carlos Alves Braga).

Trata-se de orientação antiga deste Conselho Superior da Magistratura, que, na Apelação Cível n.° 482-0, deste Conselho Superior da Magistratura, decidiu que:

Pretende-se o registro de duas escrituras de compra e venda, uma delas com cessão e re-ratificada, referentes ao lote de terreno n° 34 do loteamento denominado Chácaras Alvorada. Ocorre, no entanto, que o referido loteamento foi inscrito como condomínio no livro 8-B, fls. 566, sob número 02, do Registro Predial de Santa Isabel, em desconformidade com o Decreto-lei 58/37 (fls. 30, v). Condomínio de lotes de terreno singularizados, sem construção, não é condomínio especial – é loteamento disfarçado – uma vez que para esse tipo de condomínio é sempre indispensável vincular o terreno às construções (CSM, Apelações Cíveis 2.349-0, 2.966-0, 10.807-0, 20.439-0/0). Ademais, loteamento, ainda que anterior à Lei n° 6.766/79, com venda de lotes mediante pagamento do preço a prazo, urbano ou rural, exigia inscrição imobiliária adequada, com observância e na forma dos artigo 1°, 2° e 4° do Dec.-lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937. É certo que o Dec.-lei n° 271/67, em seu artigo 3º, determinava aplicar ao loteamento às regras da Lei n° 4.591/64, equiparando o loteador ao incorporador, bem como que havia previsão para regulamentação deste diploma legal quanto à aplicação da Lei n° 4.591/64 aos loteamentos, com as adaptações necessárias (§ 1º do referido artigo 3º), o que talvez poderia ter gerado a figura jurídica do condomínio especial apenas de lotes de terreno. No entanto, ineficaz o artigo 3º do Dec.- lei n° 271/67 (que não era auto-aplicável), por falta da regulamentação específica (e, agora, ainda, pelo advento da Lei n° 6.766/79), nele não se pode buscar suporte legal ao loteamento em questão, erroneamente inscrito como condomínio. Ilegal, pois, o loteamento, ainda que anterior à Lei n° 6.766/79, por falta do registro adequado e até por carência dos suportes jurídico-causais necessários, nos termos do Dec-lei n° 58/37, realmente não se pode afastar a exigência da prévia regularização do parcelamento do solo, cuja falta obsta os registros dos títulos em questão.

No que diz respeito às hipotecas e penhora inscritas, a certidão da matrícula demonstra que os credores são instituições bancárias, conforme R.04, R.05 e R.06 (fls. 60/61), e não a recorrente, de modo que o levantamento dos gravames deve se dar de acordo com as formalidades legais (art. 251 da LRP, para as hipotecas) e determinação de levantamento, para a penhora.

Por fim, a recorrente aduz que o registro pretendido tem amparo na Medida Provisória n.° 656/2014, que foi convertida na Lei n.° 13.097/15. Ocorre que a arrematação em 2010, bem antes da Medida Provisória e, por conseguinte da Lei n.° 13.097/15.

Mas, ainda que assim não fosse, a lei que trouxe a concentração na matrícula não tem o condão de regularizar empreendimentos imobiliários, de modo que o registro pretendido encontraria o mesmo óbice destacado pelo registrador.

O caminho, como bem destacou o registrador, é a regularização fundiária do empreendimento nos termos previstos pela Lei n.° 11.977/09. Antes disso, o título não pode ser registrado.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2010. p. 220.

[2] 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.

[3] Apelação Cível n.° 413-6/7.

(DJe de 31.05.2016 – SP)