CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura de mandato em causa própria – Especialidade subjetiva – Segurança jurídica não atingida – Mitigação – Escritura antiga – Regra de transição prevista no art. 176, §2°, da Lei n.° 6.015/73 – Registro deferido – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0002419-40.2014.8.26.0248, da Comarca de Indaiatuba, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado CHRISTIANNE MOUFARREJ ABDALLA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. DECLAROU VOTO CONVERGENTE O DES. RICARDO HENRY MARQUES DIP.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 4 de março de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n.° 0002419-40.2014.8.26.0248

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis de Indaiatuba

VOTO N° 29.101

Registro de Imóveis – Escritura de mandato em causa própria – Especialidade subjetiva – Segurança jurídica não atingida – Mitigação – Escritura antiga – Regra de transição prevista no art. 176, §2°, da Lei n.° 6.015/73 – Registro deferido – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r. decisão de fls. 99/100, que determinou o registro da escritura pública de mandato em causa própria, lavrada em 7/6/63, por meio da qual Manoela dos Santos Pereira e sua mulher Lúcia de Jesus Bernardes Pereira, e Syllas de Barros e sua mulher Maria Joanna Nancy Barros constituíram o procurador Elias Halim Moufarrej, autorizando-lhe vender ou alienar 50% dos 79 lotes de terreno localizados no loteamento “Jardim Imperial”.

Aduz, em síntese, que a exigência feita pelo registrador decorre do fato de os dados da qualificação dos adquirentes do imóvel estarem incompletos, ferindo, assim, o princípio da especialidade subjetiva.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 133/137).

É o relatório.

A recusa do registrador funda-se no princípio da especialidade subjetiva, cuja finalidade é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

Contudo, referido princípio, assim como o registro em si, não pode ser considerado um fim em si mesmo, sob pena de negar o que pretende proteger, que é a segurança jurídica.

Por essas razões, o C. Conselho Superior da Magistratura tem admitido, em hipóteses excepcionais, a mitigação da especialidade subjetiva:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pela apresentante Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido. (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, rel. Des. José Renato Nalini, 20/09/2012).

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.° 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença a garantia registrária é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…) “.

Assim, embora as qualificações das partes no título não estejam perfeitas, há elementos suficientes a eliminar qualquer dúvida quanto às pessoas que figuram como outorgantes e outorgado.

Tanto assim é, que o registrador justifica a exigência para complementar as qualificações nos arquivos da Serventia, e não porque tem dúvidas em relação às partes do negócio (fl. 3).

É preciso observar, ainda, que a escritura foi lavrada em 1963, época em que não havia o rigor legal de hoje quanto à precisão da qualificação das partes, o que explica o motivo das omissões levantadas pelo registrador. Ciente desta circunstância, o legislador, ao editar a Lei n.° 6.015/73, previu a regra de transição disposta no § 2º do art. 176:

§ 2° Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto n° 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior.

Diante deste cenário, especialmente a ausência de dúvidas quanto à identidade das pessoas, o registro deve ser admitido, como bem decidiu o MM. Juiz Corregedor Permanente.

Nesse sentido, ainda, o bem lançado parecer da ilustrada Procuradoria Geral de Justiça.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação 0002419-40.2014.8.26.0248

Procedência: Indaiatuba

Apelante: Ministério Público

Apelado: Christianne Moufarrej Abdalla

VISTO (Voto n. 37.351):

1. Adoto o relatório lançado no voto do eminente Relator, o Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS.

2. O título cujo registro se pretende tem de ser apresentado por certidão ou traslado, o que a interessada há de suprir tanto que os autos voltem ao Ofício de registro de imóveis para a lavratura da inscrição que rogou (inc. II do art. 203 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973).

3. A escritura pública em exame, é verdade, não está perfeita quanto à qualificação dos figurantes, pois lá não constam nem o regime de casamento de nenhum deles, nem os números de suas inscrições no registro geral de segurança pública (RG) e no cadastro de contribuintes do Ministério da Fazenda (CPF).

In concreto, porém, a negativa de registro não se justifica. Malgrado o princípio consagrado na parêmia tempus regit actum – isto é: os requisitos para o registro têm de avaliar-se segundo a lei que vigorar ao tempo em que a inscrição foi rogada–, e não obstante a vigente regra da especialidade subjetiva (Lei n. 6.015/1973, art. 176, inc. II, 4, a e b, e inc. III, 2, a e b), há considerar que a escritura pública (fls. 6-20) e as numerosas transcrições que ela atinge (fls. 21-60) datam de 1963 ou antes, o que, somado à manifesta dificuldade de providenciar informações sobre outorgantes que não possuem parentesco com a ora apelada, justifica, excepcionalmente, dispensa das exigências levantadas na nota devolutiva, como permitem não só o caput do art. 198 da Lei de Registros Públicos, como ainda precedentes deste Conselho (AC 0039080-79.2011.8.26.0100-NALINI, j. 20.9.2012, e AC 0022011- 63.2013.8.26.0100-AKEL, j. 18.3.2014).

DO EXPOSTO, meu voto nega provimento à apelação do Ministério Público.

Des. RICARDO DlP

Presidente da Seção de Direito Público

(DJe de 30.05.2016 – SP)