CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Imóvel arrematado em leilão público promovido pela credora fiduciária – Recusa de registro sob o fundamento de que não há prova da entrega do valor excedente apurado às devedoras fiduciantes, nos termos do §4° do art. 27 da lei 9.514/97 – Obrigação de natureza pessoal e estranha à qualificação do título apresentado – Exigência indevida – Recurso provido – Dúvida julgada improcedente – Registro do título determinado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 1010103-21.2015.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, é apelado 14° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, ” V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.

São Paulo, 9 de novembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 1010103-21.2015.8.26.0100

Apelante: Caixa Econômica Federal

Apelado: 14° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO N° 29.039

Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Imóvel arrematado em leilão público promovido pela credora fiduciária – Recusa de registro sob o fundamento de que não há prova da entrega do valor excedente apurado às devedoras fiduciantes, nos termos do §4° do art. 27 da lei 9.514/97 – Obrigação de natureza pessoal e estranha à qualificação do título apresentado – Exigência indevida – Recurso provido – Dúvida julgada improcedente – Registro do título determinado.

Trata-se de apelação interposta contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do 14° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e recusou o registro do contrato de compra e venda do imóvel matriculado sob n° 103.632 e dado em alienação fiduciária, sob o fundamento de que não houve comprovação pela credora fiduciária da entrega ao devedor fiduciante da quantia que sobejou em decorrência do leilão judicial realizado, pois não basta que a credora deixe à disposição do ex-devedor fiduciante o saldo excedente, porque é imprescindível a efetiva entrega do valor.

Foram opostos embargos de declaração pela Caixa Econômica Federal, conhecidos e rejeitados.

A apelante afirma que não realizou a devolução desde logo, nos termos previstos no §4° do artigo 27 da Lei 9.514/97, em razão do mandado de penhora dos direitos da devedora fiduciante Paula Simone Lorena, expedido nos autos da ação monitória que tramitou perante a 4ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara da Comarca da Capital e que, em cumprimento do mandado, depositou judicialmente o valor excedente decorrente da arrematação do imóvel em leilão público, de R$ 75.001,68. Diz que em razão do pagamento do débito naquela ação por parte da devedora Paula e do consequente levantamento da penhora, requereu e obteve o deferimento da expedição do mandado de levantamento do referido valor em favor da executada Paula (credora da apelante) o que comprova a entrega do valor excedente. Acrescenta que o cumprimento do dever de entrega desse valor excedente é matéria alheia às questões de registro do imóvel porque se refere a direito obrigacional, razão pela qual não incumbe ao registrador exigir a exibição do termo de quitação dessa dívida.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recuso.

É o relatório.

A propriedade do bem imóvel foi consolidada em nome da credora fiduciária, o leilão público foi realizado para alienação do imóvel, arrematado pelo valor de R$ 190.000,00 (cento e noventa mil reais). A credora fiduciária providenciou os termos de quitação e de prestação de contas (fls. 11 e 99) e este último indica a dívida no valor de R$ 114.998,32 (cento e quatorze mil, novecentos e noventa e oito reais e trinta e dois centavos) resultante da soma do saldo devedor do contrato, encargos em atraso, despesas de consolidação de propriedade em favor da instituição financeira, intimações, imposto de transmissão e laudêmio, o que resultou no valor excedente de R$ 75.001,68 (setenta e cinco mil e um reais e sessenta e oito centavos).

A controvérsia a ser dirimida relaciona-se ao cumprimento ou não, pela credora fiduciária, do dever de entregar às devedoras fiduciantes, que agora são credoras, a quantia que sobejou em decorrência da arrematação do imóvel em leilão público realizado, em cumprimento ao §4º do artigo 27 da Lei 9.514/97, e também ao dever do registrador fiscalizar tal cumprimento. Este dispositivo legal assim dispõe:

“Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejam, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§2° e 3°, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando a parte final do art. 516 do Código Civil.”

O título apresentado a registro foi uma escritura de compra e venda pela qual a Caixa Econômica Federal transferiu à arrematante Elza Maria Franjolli Teixeira a titularidade do domínio do imóvel. A obrigação da Caixa Econômica Federal, de dar quitação às devedoras fiduciantes, em razão da arrematação do bem imóvel no referido leilão e de prestar contas acerca do valor excedente apurado a ser devolvido, conforme previsto no §4° do artigo 27 da Lei 9.514/97, é de natureza pessoal e restrita às partes deste negócio (alienação fiduciária). Não guarda, pois, nenhuma relação com o dever da instituição financeira de transferir a titularidade do domínio à arrematante, o que se deu por meio da escritura de compra e venda apresentada para registro.

Assim sendo, não é atribuição do registrador de imóveis, ao qualificar a escritura de compra e venda apresentada, verificar o cumprimento do referido dispositivo legal, e, ainda que assim não fosse, está demonstrado que a Caixa Econômica Federal deu a quitação da dívida e prestou contas em relação ao valor excedente apurado, e não o disponibilizou às devedoras de imediato em cumprimento ao mandado de penhora expedido na ação monitória, na qual uma delas figurou como ré executada, depositando-o em juízo. Posteriormente, em razão da desconstituição da penhora, a guia de levantamento do valor depositado a título de penhora foi expedida em favor da devedora fiduciante (credora), que era executada na ação monitória.

Não há dúvida, em suma, de que o valor excedente foi entregue para uma das devedoras (credoras), que tem o dever de entregar à outra credora a parte que lhe cabe, e, no mais, eventual inobservância do dever de repasse da quantia recebida por uma das credoras à outra, ou mesmo discordância do valor excedente apurado, deve ser objeto de ação própria e adequada.

Isto posto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da escritura de compra e venda.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

(DJe de 04.02.2016 – SP)