CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Compromisso de Compra e Venda – Preço do negócio e valor das parcelas fixados em moeda estrangeira – Pagamento em moeda nacional – Irrelevância – Exame formal e extrínseco do título pelo oficial registrador – Afronta à Lei nº 10.192/01, art. 1º, parágrafo único, I, e art. 318 do Código Civil – Recusa do registro – Observância ao princípio da legalidade – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1108833-04.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESPÓLIO DE ALCIDES AMODEO PACHECO, é apelado10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 19 de agosto de 2015.

ELLIOT AKEL

RELATOR

Apelação Cível nº 1108833-04.2014.8.26.0100

Apelante: Espólio de Alcides Amodeo Pacheco

Apelado: 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Voto nº 34.249

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – PREÇO DO NEGÓCIO E VALOR DAS PARCELAS FIXADOS EM MOEDA ESTRANGEIRA – PAGAMENTO EM MOEDA NACIONAL – IRRELEVÂNCIA – EXAME FORMAL E EXTRÍNSECO DO TÍTULO PELO OFICIAL REGISTRADOR – AFRONTA À LEI Nº 10.192/01, ART. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, I, E ART. 318 DO CÓDIGO CIVIL – RECUSA DO REGISTRO – OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do 10º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve o óbice descrito na nota devolutiva decorrente do exame do compromisso de compra e venda do imóvel matriculado sob número 79.441, em razão da fixação do preço do negócio e condições de pagamento em moeda estrangeira, sob o fundamento de violação ao artigo 318 do Código Civil, ao Decreto-lei nº 857/69 e Lei nº 10.192/2001.

O apelante afirma que o propósito dos contratantes e que está explicitamente manifestado no documento, foi apenas de atualizar o valor das prestações avençadas com base na variação da cotação do dólar americano, efetivando-se o pagamento em moeda corrente nacional.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

O título apresentado assim estabelece quanto ao pagamento a ser feito pelo compromissário comprador aos vendedores: “preço certo e ajustado, equivalente a US$ 23.000,00 (vinte e três mil dolares), e que deverá ser pago da seguinte forma: Em data de 1º de fevereiro p.f., o compromissário comprador pagará aos compromitentes vendedores a importância equivalente a US$ 5.250,00 (cinco mil, duzentos e cinquenta dolares), importância essa que deverá ser convertida para cruzeiros reais, ao câmbio do dia, cotação oficial para o dolar turismo, quando então receberá a respectiva quitação; Em data de 17 de fevereiro de 1.994, o compromissário comprador pagará aos compromitentes vendedores o equivalente a US$ 17.250,00 (dezessete mil, duzentos e cinquenta dolares), e que também deverão ser convertidos para a moeda circulante do País, ao câmbio do dia, adotada a cotação para o dolar turismo; O saldo restante, equivalente a US$ 500,00 (quinhentos dolares) deverão ser pagos ser pago em 45 (quarenta e cinco dias), a contar da segunda parcela e também convertida para a moeda corrente, ao preço do dolar turismo“.

Não há dúvida que, apesar do efetivo pagamento em moeda nacional, o preço do negócio e o valor das respectivas parcelas foram fixados em moeda estrangeira (dólar norte-americano) o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico, quer se considere a legislação vigente ao tempo da celebração do negócio (1994) quer se considere a legislação atual.

Com efeito, ao tempo do negócio, vigoravam o Código Civil de 1916 e o Decreto-lei nº 857/69, os quais, a exemplo da legislação atualmente em vigor – art. 1º, parágrafo único e inciso I, da Lei 10.192/01, e art. 318 do Código Civil, vedam, ainda que o pagamento venha a ser feito em moeda nacional, a fixação do preço em moeda estrangeira, pois, assim dispõem, respectivamente:

Art.1º. As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exeqüíveis no território nacional deverão ser feitas em Real, pelo seu valor nominal.

Parágrafo único: São vedadas, sob pena de nulidade quaisquer estipulações de:

I – pagamento expressas em, ou vinculadas a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2º e 3º do Decreto-lei nº 857, de 11 de setembro de 1969, e na parte final do art. 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

Art.381. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial“.

Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.

Conforme lição de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder ao exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).

Neste sentido foi decidido por este Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível nº 677-6/0, da Comarca de Barueri, julgado em de abril de 2007, relatada pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor Geral da Justiça, cuja ementa e trecho de interesse assim dispõem:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida procedente. Registro de penhor industrial. Valor do crédito fixado em moeda estrangeira. Contrato não excepcionado em lei especial. Incidência do artigo 318 do Código Civil, que inibe o registro. Falta de CDN do INSS e da Receita Federal que obsta, igualmente, a inscrição. Inadmissibilidade, em sede de instrumento particular, de se valer, para o registro, de certidões de prazo de validade vencido ao tempo da prenotação atual e eficaz. Recurso conhecido e não provido”.

“Em relação ao óbice referente à não conversão do valor do crédito para a moeda nacional, ele decorre da inteligência do artigo 318 do Código Civil, que impõe não só a proibição de pagamento na moeda nacional (o que já estava em sintonia com as normas antecedentes ao novo Código Civil que estabeleciam o curso forçado da moeda nacional: Decreto nº 23.501/33, Decreto-lei nº 857/69 e Lei nº 10.192/2001), mas também a de convenção destinada ao uso da moeda estrangeira como critério de correção monetária, excetuadas as hipóteses previstas em lei especial.

Observe-se, ademais, que o presente contrato de fornecimento com penhor industrial e valor do crédito fixado em seiscentos mil dólares americanos (cláusula 5ª, § 1º, I, do contrato: fls. 33) – firmado no Brasil, por pessoas jurídicas nacionais aqui domiciliadas, para cumprimento de obrigação neste território -, não se enquadra em nenhum dos casos excepcionados na legislação especial.

Destaque-se, ainda, que a sanção legal prevista é a nulidade da convenção (art. 318 do Novo Código Civil)“.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça e Relator

DJe de 27/08/2015 – SP