CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Recusa de ingresso de formal de partilha no fólio real – Precária descrição do imóvel – Impossibilidade de identificação como corpo certo – Inaplicabilidade do subitem 12.1.1. do Capítulo XX das NSCGJ – Necessidade de prévia retificação da área – Dúvida julgada procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 3004605-35.2013.8.26.0372, da Comarca de Monte Mor, em que são apelantes MÁRIO PINTO DUARTE, ODETE SCHULTZ GAZAFI, MÁRCIA SIMONE GAZAFI DUARTE, CINTIA GAZAFI PRESTA e PEDRO HENRIQUE GAZAFI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE MONTE MOR.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 30 de julho de 2015.

ELLIOT AKEL, RELATOR

Apelação Cível nº 3004605-35.2013.8.26.0372

Apelantes: Mário Pinto Duarte e Outros

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Monte Mor

Voto nº 34.243

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – RECUSA DE INGRESSO DE FORMAL DE PARTILHA NO FÓLIO REAL – PRECÁRIA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL – IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO COMO CORPO CERTO – INAPLICABILIDADE DO SUBITEM 12.1.1. DO CAPÍTULO XX DAS NSCGJ – NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO DA ÁREA – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Monte Mor, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a exigência decorrente do exame do formal de partilha apresentado para registro, sob o fundamento de que a descrição dos limites é imprecisa e sem delimitação da exata dimensão, o que impossibilita identificá-lo como um corpo certo, e reclama a prévia retificação do registro imobiliário.

Embargos de declaração opostos a fls.215/216 e rejeitados pela decisão de fls.218.

Os apelantes afirmam que a descrição do imóvel existente no formal de partilha corresponde à descrição existente no registro imobiliário, o que demonstra a inexistência de irregularidade que impeça o ingresso do título, porque foi observado o disposto no §2º do artigo 225 da Lei de Registros Públicos. Acrescentam que a decisão do Juízo Corregedor Permanente negou vigência ao Provimento CG número 37/2013.

Alegam que a descrição do imóvel não é absolutamente vaga, e que permite a compreensão acerca da localização e individualização do bem, em atendimento ao princípio da especialidade objetiva, e que outros atos ingressaram no registro.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Inicialmente observo que a matrícula número 5.724 do Registro de Imóveis da Comarca de Monte Mor, objeto deste procedimento de dúvida, não foi juntada aos autos, pois, deles consta apenas a de número 4.113 do Registro de Imóveis da Comarca de Capivari. Em consulta ao sítio eletrônico da ARISP (Associação dos Registradores de Imóvel de São Paulo) foi possível extrair a imagem da referida matrícula, a qual segue anexada ao voto ao final.

O imóvel da matrícula número 5.724 do Registro de Imóveis da Comarca de Monte Mor, cujos dados decorreram do transporte da matrícula número 4.113 do Registro de Imóveis da Comarca de Capivari, apresenta descrição precária: IMÓVEL. UM SÍTIO, denominado “São José”, localizado no bairro São José da Serra, Município de Elias Fausto, da Comarca de Monte Mor, antiga Comarca de Capivari, com área de 49,1808ha (quarenta e nove hectares, dezoito ares e oito centiares) de terras, contendo as seguintes benfeitorias: uma casa sede, construída de tijolos e coberta de telhas; uma casa, construída de blocos e coberta de telhas; um barracão industrial, construído de tijolos e coberto de telhas; rede elétrica e fechos de arame, confrontando-se por seus diversos lados com Henrique Thove, Augusto Batagin ou quem de direito, Ângelo Brugnerotto e Avelino Brugnerotto, Geraldo Masquietto, o proprietário Henrique Gustavo Schultz e Ernesto Quitzau ou quem de direito, por cerca, e com Minol Okubo e Oswaldo Frederico Quitzau, por água.”

Na sistemática da Lei de Registros Públicos em vigor, a matrícula é o núcleo do assentamento imobiliário e reclama observância ao princípio da especialidade objetiva. Este princípio não foi respeitado quando foi aberta a matrícula número 4.113, pois a descrição da área, como mencionou a Oficial, é imprecisa, não apresenta sequer um ponto de amarração, o que inviabiliza sua localização, e assim seguiram-se inscrições de atos que com ela conflitam.

Com efeito, averbação número 1 da matrícula 4.113, assim dispõe: “AV-1/4.113.- Conforme consta da inscrição nº 185, fls.118 do Livro 4, de Registros Diversos, deste Cartório, sobre uma parte correspondente a 35,82,95 ha. do imóvel constante da presente matrícula, pesa servidão convencional perpétua para implantação de torres ou postes para passagem de uma linha de transmissão de energia elétrica, a favor da COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ SA., servidão essa constituída através de escritura pública de 11 de outubro de 1948, lavrada nas notas do Tab. de Elias Fausto. Capivari, 06 de junho de 1978”, e, na matrícula 5.724, a averbação número 2 é do seguinte teor: “AV. Nº 02. Em 08/12/2011. CADASTRO. Por requerimento do interessado, procede-se a presente averbação para constar que, de acordo com os dados do Certificado de Imóvel Rural – CCIR 2006/2007/2008/2009 – nº 06443289092, o imóvel objeto desta matrícula está cadastrado no INCRA sob nº 624,080.000.221-7, sob a denominação São José, com área total de 47,1000ha, localizado no Município de Elias Fausto, com os seguintes dados…”.

A área total indicada no CCIR é inferior à área total indicada no registro imobiliário, e, mesmo que a área dominante estivesse devidamente descrita em memorial e planta, a averbação reclamava a perfeita identificação da área serviente, sem o que é impossível identificar onde esta se insere.

O fato destes outros títulos terem indevidamente ingressado no registro imobiliário no passado, não justifica nem autoriza o registro de outros títulos posteriormente apresentados e que afrontaram a lei, a exemplo do título ora examinado. Erros devem ser retificados e não ratificados.

Neste sentido o Conselho Superior da Magistratura já se pronunciou, ao consignar que “a existência de pretéritas anomalias no registro predial não pode servir de justificativa ou de pretexto para que outras e novas se pratiquem” (Apelação Cível nº 12.075-0/4, j. 22/01/91, Relator Desembargador Onei Raphael) eque “erro pretérito não justifica nem legitima outros” (Apelação Cível nº 19.492-0/8, j. 17.02.95, RelatorDesembargador Antônio Carlos Alves Braga).

É certo que o título apresentado para registro traz a mesma descrição da área do registro imobiliário, porém a situação constatada, independentemente de se tratar de imóvel urbano ou rural (o imóvel é rural) e de ser caso ou não de se exigir georreferenciamento, mostra violação ao princípio da especialidade objetiva, previsto no artigo 176 da Lei nº 6.015/73, que exige a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade, e com o fim de não prejudicar o controle da disponibilidade.

De acordo com ensinamento de Afrânio de Carvalho, “o princípio da especialidade significa que toda inscrição dever recair sobre um objeto precisamente individuado”, e assim prossegue o doutrinador aocuidar do mesmo tema: “O mandamento da individuação do imóvel, lançado no regulamento dos registros públicos, abrange tanto os atos contratuais como os judiciais, e é vazado em termos, ao mesmo tempo, peremptórios e claros, pois indicam o meio pelo qual deve fazer-se a individuação. Devido à sua objetividade, torna-se fácil cumprir o preceito, que requer o suficiente para identificar o imóvel, tanto rural, como urbano…”, e “Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, rurais e urbanos, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”.

“A sua descrição no título há de conduzir ao espírito do leitor essa imagem. Se a escritura de alteração falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do contrário, não obterá registro.”Maisadiante conclui: “Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam

ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Forense).

No caso vertente, apenas o princípio da continuidade foi observado, no que diz respeito à descrição do imóvel no título, que é a mesma que consta da matrícula, porém, é inviável estabelecer sua exata posição física, o que afasta a aplicação do subitem 12.1.1. do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Assim sendo, foi correta a recusa da Oficial, tanto na primeira ocasião em que o título foi apresentado para registro e devolvido com a exigência de prévia retificação, como nesta segunda apresentação, pois, tal exigência, permanece, porque o registro pretendido traz insegurança e incerteza, incompatíveis com os registros públicos.

À vista do exposto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

(Data Decisão 10.08.2015)