CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de cédula de crédito bancário e instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado a outra cédula de crédito bancário – Existência de título prenotado anteriormente, em relação ao qual houve suscitação de dúvida – Necessidade de se aguardar o julgamento definitivo, em observância ao princípio da prioridade – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3006271-83.2013.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL (BRASIL) S.A., é apelado 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 08 de maio de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n.° 3006271-83.2013.8.26.0562
Apelante: BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL (BRASIL) S.A.
Apelado: 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO N° 34.196
Registro de imóveis – Dúvida – Pretensão de registro de cédula de crédito bancário e instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado a outra cédula de crédito bancário – Existência de título prenotado anteriormente, em relação ao qual houve suscitação de dúvida – Necessidade de se aguardar o julgamento definitivo, em observância ao princípio da prioridade – Recurso não provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos, que julgou procedente a dúvida suscitada e recusou o registro na matrícula n.° 45.666 da cédula de crédito bancário n.° 02.03.0205.12, emitida em 19/12/12, e instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado à cédula de crédito bancário n.° 04.03.0387.10, emitido em 26/07/10 por Estrasburgo Incorporação SPE Ltda, tendo como credor BANIF – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S.A., e como hipotecante garantidor Riviera Santos Empreendimentos Imobiliários Ltda., sob o fundamento de que independentemente da natureza dos títulos a registrar, é necessário aguardar o julgamento definitivo da dúvida anteriormente suscitada, porque os efeitos da prenotação permanecem, e, em consequência, nenhum título pode ter acesso à tábua registral enquanto não cessados os efeitos da prenotação anterior.
No curso do procedimento houve impugnação apresentada por Aline Perrone Sznifer, na condição de terceira interessada, sob o fundamento de que apresentou anteriormente a registro título, que é objeto de dúvida suscitada, sendo necessário aguardar o julgamento definitivo.
O apelante afirma (a) que o registro do título apresentado não ofende o princípio da continuidade, (b) que a dúvida suscitada anteriormente em razão do título apresentado pela senhora Aline foi julgada procedente, sob o fundamento de que há ofensa ao princípio da continuidade, e (3) que as prenotações anteriores, tanto do título apresentado e objeto da dúvida n.° 0049846-32.2012.8.26.0562, quanto dos demais títulos que apresentou, não têm relação entre si que impeça o registro de qualquer uma delas, pois, o registro de uma das prenotações não é condição sine qua non para o registro da outra, mesmo porque não indicam a continuidade de um mesmo negócio, e sim de registros distintos, com objetos diferentes, que não irão interferir um no outro.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O apelo não procede.
É cediço que a análise do título pelo Oficial deve estar norteada pelos princípios que regem os registros públicos. Consoante lições da Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição). O exame da legalidade consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.
O princípio da prioridade tem a principal finalidade de evitar conflitos de títulos contraditórios, que são aqueles incompatíveis entre si ou reciprocamente excludentes, referentes ao mesmo imóvel. A prioridade se apura no protocolo do Registro de Imóveis, de acordo com a ordem de seu ingresso. A Lei de Registros Públicos disciplina a matéria e estabelece regras que devem ser observadas pelos Oficiais.
Afrânio de Carvalho, na mesma obra mencionada ensina que “O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois.” (4ª ed., Editora Forense, 1998, p.181).
Os artigos 182, 183 e 174 da Lei de Registros Públicos dispõem, respectivamente, que “Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação”, que “Reproduzir-se-á, em cada título, o número de ordem respectivo e a data de sua prenotação”, e que “O Livro n. 1 – Protocolo – servirá para apontamento de todos os títulos apresentados diariamente, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 12 desta Lei.”.
Extrai-se da leitura e interpretação destes dispositivos legais a regra de que todos os títulos apresentados são obrigatoriamente lançados no Livro de Protocolo e que a ordem de apresentação mediante atribuição de um número deve ser rigorosamente respeitada. A finalidade é de dar publicidade à situação jurídica que possibilita a atribuição dos efeitos que o ordenamento jurídico lhes concede e que gera direitos que terão repercussões na transmissão ou na oneração dos imóveis. Diz, ainda, o citado doutrinador, na mesma obra, que “A sua caracterização é originariamente registral, pois se funda na ordem cronológica de apresentação e prenotação dos títulos no protocolo, sendo irrelevante a ordem cronológica de sua feitura ou instrumentalização, vale dizer, a sequência da data dos títulos. A ordem de apresentação, comprovada pela numeração sucessiva do protocolo, firma, pois, a posição registral do título relativamente a qualquer outro que já esteja ou venha a apresentar-se no registro. Se essa posição lhe assegurar prioridade, correlatamente lhe assegurará a inscrição, contanto que o resultado final do exame da legalidade lhe seja favorável.” (p. 182 e 183).
O artigo 188 da Lei de Registros Públicos estabelece que protocolizado o título, este deve ser registrado no prazo de trinta dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes. A prioridade persiste pelo prazo de trinta dias contados do lançamento no protocolo, conforme previsto no artigo 205 da Lei de Registros Públicos “Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos trinta dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.” Este dispositivo compreende também os atos de averbação.
A prenotação subsiste também, na hipótese de suscitação de dúvida, prevista no artigo 198 da Lei de Registros Públicos, pois, se julgada improcedente, a prioridade fará com que os efeitos da prenotação retroajam à data da protocolização do título. Na hipótese de ser julgada procedente, a prenotação será cancelada (artigo 203 da Lei de Registros Públicos).
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, do mesmo modo, traz regras acerca deste princípio, no Capítulo XX, nos seguintes termos:
“39. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação, poderá retornar à fila, mas após os outros, que nelas já se encontravam no momento da cessação”.
“39.1. O exame do segundo título subordina-se ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugurará novo procedimento registrário, ao cessarem os efeitos da prenotação do primeiro. Nesta hipótese, os prazos ficarão suspensos e se contarão a partir do dia em que o segundo título assumir sua posição de precedência na fila”.
“42. Transitada em julgado a decisão da dúvida, o oficial procederá do seguinte modo:
a) se for julgada procedente, assim que tomar ciência da decisão, consignará no Protocolo e cancelará a prenotação;
b) se for julgada improcedente, procederá ao registro quando o título for reapresentado e declarará o fato na coluna de anotações do Protocolo, arquivando o respectivo mandado ou certidão da sentença.”
Em suma, a prioridade favorece aquele que apresenta primeiro o título para registro, e não a preeminência do direito, e, em decorrência deste princípio, aquele que apresentou o título posteriormente deve obrigatoriamente aguardar o deslinde, pois, não é possível, como pretende o apelante, discutir acerca da existência ou não de contrariedade e direitos excludentes, nem tampouco presumir o resultado da dúvida suscitada em relação ao título apresentado e prenotado anteriormente, com o fim de obter o registro do título antes daquele apresentado em primeiro lugar. Todos os títulos ingressados no Serviço de Registro de Imóveis devem ser examinados de acordo com a precedência, em observância ao princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público.
Isto posto, nego provimento recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 21.07.2015 – SP)