CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Formal de partilha oriundo de separação consensual – Imóvel hipotecado ao SFH – Hipótese não contemplada na Lei Federal 8.004/1990, a qual trata somente de venda, promessa de venda, cessão, ou promessa de cessão – É devido o imposto de transmissão na torna ou reposição quando houve desigualdade de valores – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 20.897-0/9, da Comarca de CUBATÃO, em que é apelante EDMUNDO BARBOSA DE SOUZA e apelado o OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso.
Cuida-se de apelação, interposta contra a respeitável sentença que julgou procedente a dúvida inversamente suscitada pelo recorrente, por não se conformar com o fato de ter sido reconhecida a existência dos óbices ao registro do instrumento de formal de partilha, extraído dos autos do processo de sua separação consensual, isto é, o fato de ter sido entendido necessária a intervenção da credora hipotecária, na forma do artigo primeiro e parágrafo único da Lei Federal 8.004/90, e o pagamento do imposto de transmissão municipal intervivos, na forma da lei de Cubatão que mencionou.
A irresignação está fundada no argumento de que os motivos acolhidos na respeitável sentença recorrida para a manutenção da recusa não podem persistir, uma vez que, em se tratando de partilha de bens em separação, inaplicável a disposição legal aludida, que exigiria a intervenção da credora hipotecária; enquanto, de outro lado, considerado o caso dos autos, o imposto de transmissão seria devido ao Estado e não ao Município, já que a parte excedente da meação, que coube à virago na separação, foi transmitida a título de doação.
O Ministério Público, em primeiro grau, insiste na manutenção da sentença apelada. Nesta instância, contrariamente, opinou pelo provimento do recurso, sustentado que não se aplica o artigo primeiro da Lei 8.004/90, por se tratar de partilha de bens em separação judicial, bem como porque gratuita a transmissão, sendo, portanto, devido imposto ao Estado, e não ao Município, como pretendido pelo recorrido.
Determinou-se o processamento como dúvida inversa.
É o relatório.
Antes cumpre examinar o cabimento desta, de modo seja recebida e processada como dúvida inversamente suscitada.
Indiscutível, a pretensão do recorrente é a de registro da partilha levada a efeito nos autos do processo de sua separação judicial, conforme consta do formal que fez acompanhar seu requerimento de fls. 2/3.
Está, pois, configurado, que o objeto da pretensão é o registro de título que instrumentaliza a partilha realizada acerca dos bens do casal que se separara, o que é próprio do procedimento de dúvida, merecendo assim seja processado o feito para conhecimento do recurso tempestivamente interposto.
Passando ao exame da questão de mérito, verifica-se que improcedentes os motivos do recorrido para a recusa oposta ao registro do formal de partilha.
Não se tratando de venda, promessa de venda, cessão, ou promessa de cessão de imóvel gravado com hipoteca em favor de instituição financeira integrante do Sistema Financeiro da Habitação, inaplicável o artigo primeiro, e parágrafo único, da Lei Federal 8.004, de 14 de março de 1990, que modificou a norma contida no artigo 292 da Lei de Registros Públicos.
No caso, cuida-se de partilha em separação judicial, hipótese não contemplada no referido dispositivo, hipótese não contemplada no referido dispositivo de lei.
Em princípio a partilha é de caráter meramente declarativo, ou atributivo, não transmitindo bens, mas apenas extinguindo a comunhão, decorrente do regime de bens do casamento.
Possível afirmar, no entanto, que haveria transmissão quando na partilha se atribua, a qualquer dos cônjuges, parte superior àquela que do seu direito decorreria, ou quando ficar avençado que todos os bens caibam a apenas uma das partes.
Nesse caso, sobre a parte transmitida incidirá o imposto de transmissão, como suscitado.
Aliás, há muito o Pretório Excelso já firmou proteção nessa direção, isso quando da edição da Súmula 116, segundo a qual: “Em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do chamado de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.”
Resta então enfrentar a matéria derradeira, que diz com a competência tributária, considerado o regime constitucional em vigor a partir de 1988.
Antes da atual Constituição Federal era a matéria irrelevante. Todavia, com o seu advento, deferiu-se aos Estados e ao Distrito Federal o poder de tributar a “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”. (art. 155, I, C.F.).
De outro lado aos Municípios assinou-se competência para instituir impostos sobre “a transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos e sua aquisição”. (art. 156, II, da C.F.).
Cinge-se a competência municipal, portanto, à tributação dos atos onerosos, enquanto, por seu turno, a estadual aos gratuitos, causa mortis ou intervivos, estes quando cuidarem de doação, de quaisquer bens ou direitos.
Esta a essência da questão.
No caso dos autos, o exame do título permite asseverar que a parte excedente da meação, transmitida à virago, o foi a título gratuito. Não houve torna ou reposição em dinheiro de que se tenha notícia. Desse modo gratuita a transferência, ao Estado, e não ao Município, será devido o imposto de transmissão.
A lei municipal de Cubatão, que instituiu imposto de transmissão sobre o que exceder a respectiva meação só poderá ter aplicação quando esta se der a títulos oneroso. Do contrário, o Município teria exorbitado a sua competência constitucional para tributar as transmissões sobre bens imóveis, ou direitos a eles relativos.
Correto, pois, o recolhimento do imposto ao Estado, como sucedeu.
Nesse mesmo sentido está o entendimento assentado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 698/97, A.I., nº 183.711-1, relator Des. Leite Cintra; RT 689/164, A.I. nº 177.419-1, relator o eminente Magistrado Silveira Paulino; e RJTJESP 139/205, A.I. nº 171.545-1, relator Des. Renan Lotufo).
Ficam, assim, afastados ambos os óbices postos contra o pretendido registro.
Isto posto, dá-se provimento ao recurso. Oportunamente deverá ser cumprido, no primeiro grau, o artigo 203, II, da Lei de Registros Públicos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores JOSÉ ALBERTO WEISS DE ANDRADE, Presidente do Tribunal de Justiça, e YUSSEF SAID CAHALI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 9 de dezembro de 1.994.
(a) ANTÔNIO CARLOS ALVES BRAGA – Corregedor Geral da Justiça e Relator.
DJ: 19/04/1995