CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de permuta de imóveis – Transmitente qualificado no título como divorciado e, nas matrículas, como casado no regime da comunhão parcial de bens – Necessidade de apresentação da partilha dos bens, nos termos da qual a integralidade da parte ideal dos imóveis de titularidade do casal passou a pertencer exclusivamente ao cônjuge varão – Observância dos princípios da legalidade, especialidade subjetiva e continuidade – Exigência do oficial mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000004-16.2012.8.26.0210, da Comarca de Guaíra, em que são apelantes EDUARDO JUNQUEIRA DA MOTTA LUIZ e OTÁVIO JUNQUEIRA MOTTA LUIZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUAÍRA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 3 de março de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 9000004-16.2012.8.26.0210
Apelantes: Eduardo Junqueira da Motta Luiz e Otávio Junqueira Motta Luiz
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guaíra
VOTO N° 34.174
Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de permuta de imóveis – Transmitente qualificado no título como divorciado e, nas matrículas, como casado no regime da comunhão parcial de bens – Necessidade de apresentação da partilha dos bens, nos termos da qual a integralidade da parte ideal dos imóveis de titularidade do casal passou a pertencer exclusivamente ao cônjuge varão – Observância dos princípios da legalidade, especialidade subjetiva e continuidade – Exigência do oficial mantida – Recurso não provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guaíra, que julgou procedente a dúvida por este suscitada e manteve o óbice descrito na nota devolutiva decorrente do exame da escritura pública de permuta de bens imóveis, consistente na necessidade de apresentação de carta de sentença do divórcio do segundo contratante, Otávio Junqueira Motta Luiz, porque da matrícula número 15.497 consta que ele é separado judicialmente e das demais matrículas consta que é casado pelo regime da comunhão parcial de bens previsto na Lei 6.515/77, tudo em observância ao item I do artigo 1.660 do Código Civil.
Embargos de declaração (fls. 135/138) foram rejeitados pela decisão de fls. 139.
Os apelantes afirmam que, pelo teor da nota devolutiva, o Oficial está exigindo a assinatura da ex-cônjuge porque até o momento não houve desfecho da partilha de bens, e que não concordam com a exigência mantida pela sentença, uma vez que os imóveis permutados foram adquiridos nos anos de 2006, 2007 e 2008, posteriormente à audiência datada de 29 de abril de 2002, na qual foi concedida liminar de separação de corpos na ação cautelar ajuizada para tal fim, baseada na prova da separação de fato existente, e expedido o respectivo alvará, além de estar divorciado desde 30/09/2009.
Dizem que os efeitos do divórcio retroagem à data da ação cautelar anterior e sustentam a incomunicabilidade de bens adquiridos após a separação de corpos, o que dispensa a participação da ex-mulher.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
Inobstante o histórico trazido pelos apelantes acerca da separação de corpos deferida em ação cautelar, baseada em separação de fato existente, e da decretação do divórcio e seus efeitos retroativos, tais considerações não têm relevância alguma para o deslinde deste procedimento de dúvida.
Com efeito, a qualificação pelo registrador reclama o confronto do título com o teor dos registros existentes. Portanto, se do título consta que o contratante Otávio Junqueira Motta é divorciado, e nas matrículas dos imóveis permutados consta que na época da aquisição o adquirente Otavio era casado com Cássia Gaion Motta Luiz pelo regime da comunhão parcial de bens na vigência da Lei 6.515/77, a cônjuge é meeira, por força do item I do artigo 1.660 do Código Civil, não sendo atribuição do registrador concluir se à época da aquisição dos imóveis a mulher tinha ou não direito à meação em tais bens. Tal questão é de natureza jurisdicional e deve ser decidida pelo juízo da família.
Da análise dos documentos instruídos com o título, apesar de decretado o divórcio, antecedido de separação de corpos, não há decisão alguma acerca da partilha dos bens, ou mesmo escritura pública de partilha de bens, nem participação da ex-cônjuge na permuta objeto do título apresentado, anuindo com seus termos, além do que os próprios apelantes informaram que essa questão não foi resolvida.
Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.
Consoante lição de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder ao exame da legalidade do título e apreciar as formalidades extrínsecas da ordem, assim como a conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, Forense, 4ª edição).
O registro perseguido comprometeria, também, o exato encadeamento subjetivo das sucessivas transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários, em afronta ao princípio da continuidade, previsto no artigo 225, § 2°, da Lei de Registros Públicos, que consagra o princípio da continuidade, que é corolário do princípio da especialidade.
Afrânio de Carvalho, ao tratar do tema, assim se manifesta:
“…importa lembrar que o título atual só é admissível no registro quando aí encontre outro pretérito a que possa ligar-se: o encadeamento há de ser ininterrupto. Essa afirmação não é senão um corolário de preceito latente do sistema, por mim realçado no anteprojeto atrás aludido, segundo o qual a pré-inscrição de titular antigo é indispensável à inscrição de novo titular.” (Revista dos Tribunais 643/20 – “Títulos Admissíveis no Registro”)
O mesmo doutrinador preleciona que “o princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente.”
E acrescenta que “Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídicos-reais.” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 254).
Em tais condições, é necessário que os apelantes comprovem que esses bens foram objeto de partilha, da qual resultou a transmissão da integralidade da parte ideal dos imóveis de propriedade do casal ao cônjuge varão, pois, do contrário, e nos estritos limites de qualificação formal e dos requisitos extrínsecos, o contratante Otávio Junqueira Motta Luiz está permutando parte ideal de imóvel que é de titularidade de sua ex-cônjuge.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 04.05.2015 – SP)