CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Irresignação parcial – Complementação no curso do procedimento – Inaplicabilidade do item 41.1.2 do capítulo XX das NSCGJ – Objeto da dissensão que era claro – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000007-97.2013.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que é apelante MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DESEMBARGADOR ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a) , que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 2 7 de janeiro de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 9000007-97.2013.8.26.0577
Apelante: MRV Engenharia e Participações S/A.
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos.
VOTO N° 34.130
Registro de imóveis – Dúvida – Irresignação parcial – Complementação no curso do procedimento – Inaplicabilidade do item 41.1.2 do capítulo XX das NSCGJ – Objeto da dissensão que era claro – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.
Cuida-se de apelação interposta contra a decisão de fls. 137 que julgou prejudicada a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos, pois o inconformismo da parte foi apenas parcial.
Alega a recorrente, em suma, que em sua impugnação à dúvida atacou todas as exigências formuladas, o que seria permitido pelo item 30.1.2 do Capítulo XX das NSCGJ (atualmente item 41.1.2). Reitera, no mais, os argumentos afastando cada uma das exigências feitas pelo Oficial (fls. 153/161).
A Procuradoria Geral de Justiça opina pela nulidade da sentença por falta de fundamentação e, subsidiariamente, pelo não provimento do recurso (fls. 172/176).
É o relatório.
Não é caso de nulidade da sentença, pois embora sucinta, dela se extrai de forma suficiente o entendimento utilizado para julgar prejudicada a dúvida.
A nota de devolução listou as seguintes exigências a serem cumpridas pela parte interessada no registro, a MRV: necessidade de escritura pública para a formalização da permuta, em obediência ao art. 108 do Código Civil; inexistência de registro da incorporação/especificação do condomínio cujas unidades autônomas estão sendo permutadas; necessidade de correta descrição do imóvel, por conta do princípio da especialidade objetiva; necessidade de reconhecimento das firmas dos subscritores do título; apresentação das guias de recolhimento do ITBI e do laudêmio (fls. 33/36).
A MRV, então, requereu ao Oficial a suscitação de dúvida, alegando que seria possível o registro do instrumento particular de promessa de permuta, independentemente de escritura, e que a incorporação imobiliária referente às unidades autônomas permutadas poderia ser registrada posteriormente. Além disso, afirmou expressamente que providenciaria as demais exigências (fls. 38/42).
Após a suscitação da dúvida pelo Oficial, na qual se mencionou que a irresignação foi apenas parcial, a MRV ofertou impugnação invocando o item 30.1.2 do Capítulo XX das NSCGJ (atual 41.1.2), mostrando inconformismo com todas as exigências da nota (fls. 95/100).
O referido item das Normas de Serviço assim estabelece:
No caso de irresignação parcial contra as exigências, o procedimento deverá ser convertido em diligência, ouvindo-se, no prazo igual e sucessivo de 10 (dez) dias, o Oficial do Registro de Imóveis e o suscitante, para que seja definido o objeto da dissensão, vedado o cumprimento de exigências durante o procedimento. Não havendo manifestação do requerente, o procedimento será arquivado, cancelada a prenotação do título, se houver (negritei).
A intenção do dispositivo é a de possibilitar a definição do objeto da dissensão, caso não tenha ficado claro. Não é a de permitir que a parte que indubitavelmente se irresignou apenas parcialmente, e concordou expressamente com as outras exigências, reconsidere sua posição apenas para que o conhecimento da dúvida não fique prejudicado.
Note-se, nesse aspecto, que o item 41.1.2 é subitem do 41.1, o qual trata da dúvida inversa, que é suscitada diretamente pela parte. Nesse caso, portanto, permite-se que antes da eventual extinção em razão da irresignação não se referir à totalidade da nota de devolução, o Oficial seja ouvido. Ele poderá reconsiderar, por exemplo, alguma exigência não impugnada ou mesmo informar o cumprimento dela antes da interposição da dúvida inversa pela parte.
No caso dos autos, a MRV expressamente afirmou, ao pedir a suscitação da dúvida pelo Oficial, que providenciaria o cumprimento das demais exigências (fls. 41/42). Logo, o objeto da dissensão era claro. O dispositivo não se presta a permitir que a parte impugne exigências com as quais ela expressamente concordou ao pedir a suscitação da dúvida.
A dúvida, portanto, está prejudicada.
Contudo, ainda que não estivesse, no mérito o recurso seria improcedente.
O título apresentado a registro foi um instrumento denominado “Contrato Particular de Permuta com Torna e Incorporação Imobiliária”. Não foi redigido como contrato preliminar, como promessa de permuta. Na cláusula 3.1, por exemplo, consta a transferência do domínio do imóvel para a MRV (“A PRIMEIRA PERMUTANTE, por força deste instrumento e na melhor forma de direitos, transfere para o domínio e posse da SEGUNDA PERMUTANTE o imóvel”). Na cláusula 3.2 consta a obrigação da MRV de entregar cem unidades para a KDB Fiação Ltda.
Como observado pela Douta Procuradora de Justiça, no instrumento levado a registro “a obrigação das partes contratantes não é um fazer, consistente em consentir a realização de contrato futuro, mas um dar, ou seja, a entrega das cem unidades habitacionais” (fl. 174).
Assim, a escritura era exigível, conforme art. 108 do Código Civil.
Não fosse isso, o art. 32 da Lei 4.591/64 estabelece que o incorporador somente poderá negociar sobre as unidades autônomas após ter arquivado no Registro de Imóveis competente os documentes referentes ao registro da incorporação.
Portanto, correta a exigência do Oficial também nesse sentido.
Com relação à violação ao princípio da especialidade, verifica-se que a descrição do imóvel constante da matrícula difere daquela constante do título cujo registro foi obstado. Na matrícula consta que, do ponto 16A do imóvel, ele “deflete à esquerda e passa a confrontar com a divisa da área 1 de propriedade da KDB Fiação Ltda.”. No título, consta que do mesmo ponto o imóvel “deflete à esquerda e passa a confrontar com a divisa da área 4 de propriedade da KDB Fiação Ltda.” (fls. 11 e 29 verso).
Além disso, há diferença também na descrição que o título faz a partir do ponto 48 do imóvel, que “passa a confrontar a linha divisória de parte do lote da Quadra 61″, enquanto que na matrícula consta que o imóvel “passa a confrontar a linha divisória do lote 1 da Quadra 61″ (negritei).
Ante o exposto, e com as observações supra, não conheço do recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 9000007-97.2013.8.26.0577
Apelante: MRV Engenharia e Participações S. A.
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de São José dos Campos
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE
VOTO N. 29.750
1. MRV Engenharia e Participações S. A. interpôs apelação contra a sentença que deu por prejudicada a dúvida suscitada pelo 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de São José dos Campos. Segundo essa decisão, o inconformismo da parte foi apenas parcial, de modo que a dúvida não pode ser conhecida.
2. Respeitável é o entendimento do eminente Desembargador Relator ao dar por prejudicada a dúvida. Isto porque, a apelante de fato só impugnara algumas das exigências feitas pelo ofício de registro de imóveis.
No entanto, diverge-se quanto à apresentação de solução que, em tese, deveria dar-se ao caso, na hipótese de conhecimento do recurso.
Em primeiro lugar, este Conselho só há de conhecer do mérito, se antes não conhecer de preliminar que com ele seja incompatível (CPC/1973, art. 560, caput). Disso se conclui que, se houver (como in casu houve) preliminar que impeça o exame do mérito, sobre ele não cabe pronunciamento. Há de ser entregue a prestação jurisdicional, e não mais que isso. Como diz Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1975, tomo VIII, p. 266):
Se a decisão na preliminar processual ou na questão prejudicial elimina o julgamento do mérito, claro que não mais se prossegue; julgado está o feito; a decisão, por si só, é terminativa.
Como se sabe, as decisões deste Conselho gozam de inegável prestígio e (como salienta o Desembargador Relator), servem de orientação para registradores, tabeliães, juízes e partes. Justamente por isso é que os acórdãos devem contar o que a lei efetivamente permite que seja objeto do julgamento de todos os integrantes do Conselho. No caso de dúvida prejudicada, esse objeto, como se disse, restringe-se à matéria preliminar; logo, a nenhum integrante do colegiado é permitido valer-se da ocasião para inserir e fazer prevalecer a sua opinião sobre a matéria de fundo, sem que esta, contudo, pudesse ter sido legalmente examinada, discutida e votada por todos os integrantes do Conselho. Ademais, a propositura de medidas convenientes ao aprimoramento dos serviços das delegações notariais e de registro e estabelecer a respectiva orientação superior é tarefa do Corregedor Geral da Justiça (Regimento Interno, art. 28, XVIII e XXXI), mas não do Conselho Superior da Magistratura, que, em matéria notarial e registral é chamado a decidir processos (Regimento Interno, art. 16, IV).
Em segundo lugar, é entendimento consolidado que o Poder Judiciário – mesmo no exercício de função administrativa, como seja a corregedoria dos serviços extrajudiciais – não é órgão consultivo, e que as consultas só muito excepcionalmente se devem admitir, em hipóteses de extrema relevância:
Ora, por tudo isso se evidencia a completa carência de interesse e legitimação para o reclamo assim tão singularmente agitado, por quem, não dispondo, ainda, da titularidade do domínio (condomínio), não poderia alegar lesão ou ameaça de lesão, por parte da administração, a um direito seu, que sequer existe. O pedido, na verdade, traduziria inconcebível e descabida consulta dirigida ao Judiciário, ainda que na sua função atípica de agente administrativo, sobre interpretação e aplicação, em tese, das leis e regulamentos. Nesse sentido, é da melhor doutrina que a “reclamação administrativa é a oposição expressa a atos da Administração, que afetem direitos ou interesses legítimos dos administrados. O direito de reclamar é amplo, e se estende a toda pessoa física ou jurídica que se sentir lesada ou ameaçada de lesão pessoal ou patrimonial por atos ou fatos administrativos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 3ª ed., Revista dos Tribunais, p. 617 e Caio Tácito, Direito Administrativo, 1975, Saraiva, p. 29), pressupostos esses que, absolutamente ausentes na hipótese, inviabilizam, por completo, a postulação inicial. (Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Proc. 53/1982, parecer do juiz José Roberto Bedran, 22.7.1982, g. n.)
A E. Corregedoria Geral da Justiça, em regra, e conforme pacífica orientação, não conhece de consultas,cujo exame, portanto, excepcional, fica condicionado à peculiaridade do assunto, sua relevância e o interesse de âmbito geral da matéria questionada. (Corregedoria Geral da Justiça, Proc. CG 10.715/2012, Des. José Renato Nalini, j. 18.12.2013).
Como é sabido, não cabe a este Juízo responder a consultas formuladas pelo interessado, pois a sua função primordial é solucionar conflitos e não figurar como consultor jurídico. Alémdisso, como bem observou a Douta Promotora: “Conforme já decidiu a E.Corregedoria Geral da Justiça, em parecer exarado pelo então JuizAuxiliar da Corregedoria, Dr. Hélio Lobo Júnior, no procedimento n°27.435/88 (02/89): “…é inconcebível e descabida consulta dirigida aoJudiciário, ainda que na sua função atípica de agente administrativo,sobre interpretação e aplicação, em tese, das leis e regulamentos (cf.ementa 10.2, das Decisões Administrativas da Corregedoria Geral daJustiça – Ed. RT, 1981/1982, p. 24). Neste mesmo sentido, manifestou-seo Dr. Aroldo Mendes Viotti, D. Juiz Auxiliar da Corregedoria, em parecerproferido nos autos do procedimento n° 113/90 (567/90), onde consta: “Ocomando emergente do dispositivo da r. sentença não pode – por isso – prevalecer, porquanto não é dado ao Juízo Corregedor Permanenteemitir declaração positiva ou negativa de registro de título no OfícioPredial sem regular instauração de procedimento de dúvida, e sem que,consoante o devido procedimento de lei, se materialize o dissenso entreparticular e registrador acerca daquele ato de registro. A atuação doJuízo da dúvida dirige-se tão-somente à revisão da atividade doregistrador, devolvendo-se-lhe a tarefa de qualificação a este cabenteem primeiro momento: não pode o Juízo administrativo, porém,substituir-se ao Oficial nessa primeira atividade, isto é, apreciar aregistrabilidade de titulo sem que o responsável pelo Cartório Predial, emmomento anterior, o faça. Por incômodo ou intrincado que se revele oônus de qualificação dos títulos, dele deverá se desincumbir oServentuário, nada justificando busque transferi-lo a terceiros. Tambémse presume detenha o titular da Serventia Imobiliária capacitação técnicanão apenas para operacionalizar os comandos legais que disciplinam a questão da preferência a registro de títulos constitutivos de direitos reaisreciprocamente contraditórios, como, igualmente, para conhecer osefeitos jurídicos que possam advir das medidas previstas nos arts. 867 ess. (Seção X, Livro III) do CPC. Por isso, não cabia ao Juízo Corregedorfornecer resposta à consulta do Serventuário. Também não lhe era dadodeterminar registro de títulos à margem do procedimento legal, e semque o registrador se houvesse previamente desincumbido de seu ônusde emitir juízo conclusivo a respeito de sua registrabilidade”. (PrimeiraVara de Registros Públicos de São Paulo, autos 1023331-97.2014.8.26.0100, Juíza Tânia Mara Ahualli, j. 16.05.2014)
3. Ante o exposto, não conheço do recurso de apelação.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
(DJe de 17.03.2015 – SP)