CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião – Recusa de registro com fundamento na ausência de descrição suficiente do imóvel e existência de parcelamento irregular – Princípio da especialidade objetiva não observado – Recusa mantida em relação à descrição do imóvel – Parcelamento irregular que, todavia, constituía matéria sujeita à analise na ação de usucapião – Inexistência de norma que imponha regularização do parcelamento antes do registro da sentença – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3020850-22.2013.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes ANTÔNIO EDUARDO CARDOSO DE MORAIS e VANDA DOMINGUES DA SILVA MORAIS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DES. RICARDO MAIR ANAFE.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de novembro de 2014
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 3020850-22.2013.8.26.0114
Apelante: ANTÔNIO EDUARDO CARDOSO DE MORAIS E OUTRO
Apelado: 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS
VOTO N° 34.114
Registro de imóveis – Dúvida – Usucapião – Recusa de registro com fundamento na ausência de descrição suficiente do imóvel e existência de parcelamento irregular – Princípio da especialidade objetiva não observado – Recusa mantida em relação à descrição do imóvel – Parcelamento irregular que, todavia, constituía matéria sujeita à analise na ação de usucapião – Inexistência de norma que imponha regularização do parcelamento antes do registro da sentença – Recurso desprovido.
Antônio Eduardo Cardoso de Morais e Vanda Domingues da Silva Morais interpuseram apelação contra a sentença das fls. 297/302, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, mantendo a recusa de registro do título (sentença de usucapião), até que se proceda à regularização do parcelamento do solo, além de reconhecer a deficiente descrição do imóvel prescribendo.
Os apelantes sustentam que o óbice não deve prevalecer, pois não há qualquer reparo a fazer no título aquisitivo, foram preenchidas todas as condições da ação até seu julgamento, com o efetivo trânsito em julgado. Sustentam que, além disso, a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, que teria o condão de “purificar e escoimar” a propriedade de qualquer vício ou irregularidade existentes, mesmo porque a qualificação feita pelo Oficial deve se operar apenas em relação aos aspectos registrários e não ao mérito da demanda, o que afrontaria o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Nesses termos, pedem a reforma da sentença para afastar os óbices apontados (fls. 307/313).
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 336/344).
É o relatório.
Assinale-se que, cientificados da possibilidade de julgamento virtual do recurso, os apelantes manifestaram-se contrários ao meio, assinalando que se opõem “pelo fato de cuidar-se de questão complexa e que deverão ser analisados todos os pontos combatidos através da análise dos autos, sob pena de trazer prejuízos aos apelantes se analisadas apenas a sentença monocrática que sempre louva-se nos pareceres dos titulares do Registro de Imóveis e do Ministério Público” (fl. 351).
Inicialmente, verifico que persiste a dúvida relacionada à matrícula da qual área usucapienda teria sido destacada, ainda que o Oficial refira que “parece preponderar a noção de que o imóvel estaria compreendido dentro dos limites da matrícula 27.387 do 2º Registro de Imóveis de Campinas, uma vez que a denominação do imóvel, Gleba b da Fazenda São Pedro, constitui o elemento de maior segurança dentre os disponíveis, notadamente porque os diversos contratos acostados referem-se a imóvel com esta denominação (fls. 11, 14, 16, 22 e 25)” – fl. 05.
A sentença prolatada na ação de usucapião, por certo, deveria ter melhor indicado o imóvel usucapiendo, mesmo fazendo remissão ao laudo pericial, memorial descritivo e/ou planta, o que evitaria qualquer dúvida sobre a correta descrição do imóvel, sobretudo por se tratar de área de parcelamento irregular.
Nesse sentido, destaca-se a seguinte afirmação do Oficial de Registro de Imóveis:
“Considerando, portanto, que ambas as matrículas (27.387 e 86.674) não tem descrição tabular, resulta ser impossível saber, com segurança, se o imóvel objeto do título está em uma, em outra, parte em cada uma ou até mesmo fora de ambas”.
A situação é ainda mais grave quando observo que tanto a matrícula 29.227 quanto a 27.387 sofreram diversos destaques, a ponto de a descrição da última ter se perdido, sem a devida apuração do remanescente, o que torna realmente impossível a correta localização e descrição do imóvel objeto da ação de usucapião.
A deficiente descrição do imóvel impede o registro da sentença de usucapião, por afronta ao princípio da especialidade objetiva.
Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2ª edição, Rio de Janeiro, 1977, p. 219).
Quanto ao óbice relacionado à necessidade de prévia regularização do parcelamento do solo, não há qualquer norma que imponha a regularização do parcelamento antes do registro da sentença de usucapião, mesmo porque, trata-se de modo originário de aquisição da propriedade, do qual se inaugura nova matrícula, distinta da original.
Compreendem-se as suspeitas do Oficial de Registro de Imóveis, sobretudo quando afirma que a matrícula 27.387 que, inicialmente, possuía área de 76,98 hectares, já sofreu onze desfalques, todos de áreas de aproximadamente 20.000,00 m2, que corresponde exatamente à fração mínima de parcelamento, tudo a indicar parcelamentos sucessivos, típica modalidade de loteamento irregular. De qualquer modo, a questão deveria ter sido ventilada nos autos da ação de usucapião e poderia ser coibida a partir de uma diligente instrução probatória, com a realização de perícia, imprescindível no caso em questão, o que permitiria a adequada descrição do imóvel e a constatação da possível intenção de efetivar e chancelar por medida judicial a constituição de parcelamento irregular.
O certo, contudo, é que persiste o óbice relacionado à insuficiente descrição do imóvel, a impedir o registro do título.
Posto isso, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n. 3020850-22.2013.8.26.0114
Apelante: Antônio Eduardo Cardoso de Morais e outro
Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas
TJSP-Voto nº 20.705
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR
Registro de Imóveis.
Usucapião Insuficiente descrição do imóvel na sentença Ausência de ponto de amarração do imóvel na matrícula em questão Ofensa ao princípio da especialidade objetiva Dúvida procedente.
Recurso desprovido.

  1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que negou registro de sentença de usucapião.

É o relatório.

  1. Com razão o Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça ao desprover o recurso de apelação.

Ao respeitável voto do Ilustríssimo Relator acrescento apenas um argumento, a meu ver, o mais importante.
In casu, o registro do título ofenderia o princípio da especialidade objetiva por ausência de ponto de amarração do imóvel objeto da usucapião na matrícula em questão.
Com efeito, o processo de usucapião considerou o imóvel como destaque da matrícula n° 29.227 do 2º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas (vide fl. 39, 86, 88, 89/90, 94/109, 116/118, 131, 133, 136/138).
Todavia, ao que parece, o imóvel seria parte de outro imóvel, matrícula n° 27.387 (vide fl. 175).
Evidentemente, não há ponto de amarração do imóvel em matrícula que não lhe é própria, em destaque originário.
A propósito da especialidade objetiva, bem leciona Afrânio de Carvalho:
“De fato, na atualidade, não basta, para a individualização do imóvel, a menção das linhas geométricas, uma vez que estas determinam a figura do imóvel, mas não marcam a sua posição no espaço, se não tiverem uma amarração geográfica.
(…)
Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as raias definidoras da entidade territorial.” [1]

  1. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, nega-se provimento ao recurso.

Ricardo Mair Anafe
Presidente da Seção de Direito Público
Nota:
[1] CARVALHO, Afranio de, Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1.982, p. 247.
(DJe de 09.02.2015 – SP)