CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Carta de arrematação – Imóvel gravado com registro de hipoteca, penhora em favor do credor em execução hipotecária, penhora em execução fiscal da fazenda nacional, e averbação de indisponibilidade determinada em ação de falência – Recusa do registro sob o fundamento de necessidade de prévio cancelamento dos ônus que gravam o imóvel – Alienação forçada – Registro viável de acordo com os precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso parcialmente provido – Dúvida improcedente.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3001116-49.2013.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é apelante JOSÉ MÁRCIO DO VALLE GARCIA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DO GUARUJÁ.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO DA CARTA DE ARREMATAÇÃO. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DES. JOSÉ RENATO NALINI. VENCIDOS OS DESEMBARGADORES GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO E RICARDO MAIR ANAFE, QUE DECLARARÁ VOTO DIVERGENTE.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de novembro de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 3001116-49.2013.8.26.0223
Apelante: José Marcio do Valle Garcia
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá
VOTO N° 34.106
Registro de imóveis – Dúvida – Carta de arrematação – Imóvel gravado com registro de hipoteca, penhora em favor do credor em execução hipotecária, penhora em execução fiscal da fazenda nacional, e averbação de indisponibilidade determinada em ação de falência – Recusa do registro sob o fundamento de necessidade de prévio cancelamento dos ônus que gravam o imóvel – Alienação forçada – Registro viável de acordo com os precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso parcialmente provido – Dúvida improcedente.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarujá, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa do registro da carta de arrematação expedida pela 1ª Vara Cível da mesma Comarca e extraída da ação de cobrança de condomínio, fundada no fato de ser necessário o prévio cancelamento, mediante ordem judicial, da hipoteca e das penhoras registradas sob os números 5, 6 e 7 respectivamente, na matrícula n° 56.854 do imóvel arrematado, a primeira em favor do Banco Sudameris do Brasil, e as demais decorrentes de ação de execução hipotecária promovida pelo credor hipotecário e de ação de execução fiscal promovida pelo INSS, respectivamente, e, ainda, em razão da averbação número 9, registrada sob n° 2021 no Livro de Comunicação de Indisponibilidade de Bens, decorrente de ação de falência promovida pela empresa Alborne Massas Alimentícias Ltda.
O apelante afirma que a exigência do Oficial está fundada em antiga orientação do Conselho Superior da Magistratura, hoje superada diante da nova orientação adotada em 10/5/12, quando do julgamento da Apelação Cível n° 0007969-54.2010.8.26.0604, da relatoria do então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, que passou a entender que a arrematação é forma originária de aquisição da propriedade, e que não há vínculo com o antigo titular do domínio, de modo que eventuais ônus ou restrições anteriormente registradas não prevalecem contra o atual arrematante, e devem ser canceladas. Diz que o juízo da execução em que ocorreu a arrematação decidiu que a indisponibilidade ora em execução não impede a alienação do imóvel, além de ter expedido ofício ao juízo que decretou a indisponibilidade da parte pertencente à Maria Cecília Gomes Prudente de Mello, comunicando-lhe a designação das praças para ciência às partes, e que não houve oposição de quem que seja.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou por reconhecer prejudicada a dúvida, ou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
A questão referente ao título não apresentado, observada pela digna Procuradora de Justiça oficiante, foi superada pela conversão do julgamento em diligência para a sua apresentação, o que foi providenciado com a juntada de fls. 142/170. Cumpre observar que a providência de instruir a dúvida suscitada com o referido documento era de incumbência do registrador, de modo que a falta verificada não podia prejudicar o suscitado apelante, nem tampouco considerada como indevida prorrogação do prazo da prenotação.
Circa meritum.
Estava sedimentado o entendimento do Conselho Superior da Magistratura no sentido de que, em razão do que dispõe o artigo 53, §1°, da Lei n° 8.212/91, não era possível ingressar no registro título que importasse em disposição ou oneração, quer decorrente de alienação voluntária, quer decorrente de alienação forçada, sob o fundamento de que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade de bens, e que o referido dispositivo legal tinha caráter genérico, sem possibilidade de ser interpretado restritivamente pelo registrador. Neste sentido, dentre inúmeros outros julgados, foi decidido em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral da Justiça:
“Registro de Imóveis Procedimento de dúvida Negativa de acesso de carta de arrematação Imóvel penhorado, em parte ideal, em execução fiscal Indisponibilidade determinada pelo artigo 53, par. 1º, da Lei 8.212/91 Dúvida procedente Recurso Desprovido.
(…)
Já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que ‘enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional, impossível o acesso de carta de arrematação’ (Apelação n. 029.886-0/4, São Paulo, j. 04/06/1996, rel. Des. Márcio Bonilha). Isso porquanto, como está no mesmo aresto, ‘a indisponibilidade de bens decorrente da Lei 8.212/1991 (art. 53, parág. 1º) envolve a expropriação forçada e conseqüente venda judicial para pagamento das obrigações do devedor’. Sendo assim, decidiu-se que ‘a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade’.
De outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação. Ou seja, se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada, oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo, ‘a posteriori’. (Ap. Cív. n. 100.023-0/4 – j. 29.05.2003).
Também nesse sentido aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005:
“O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível.
Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível Nº 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível nº 79.730-0/4, Capital.
A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.
O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).
Esse entendimento, consolidado no Conselho, sofreu alteração, no julgamento, entre outras, da Apelação nº 0007969- 54.2010.8.26.0604, relator o Desembargador Renato Nalini, sob o fundamento de que a indisponibilidade decorrente do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212/91, incide na hipótese de alienação voluntária mas não na forçada, como é o caso da arrematação judicial aqui tratada. Fundou-se, esse novo entendimento, em decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº 512.398, em que o voto do relator Ministro Felix Fischer traz a seguinte consideração:
“Tenho contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao § °, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.”.
Neste mesmo sentido, inclusive julgados por mim relatados:
“REGISTRO DE IMÓVEIS –Dúvida –Carta de arrematação –Imóveis indisponíveis –Penhora em execução fiscal a favor da Fazenda Nacional –Recusa de registro com base no artigo 53, §1º, Lei 8.212/91 –Alienação forçada –Recurso provido.” (Apelação Cível nº 3000029-33.2013.8.26.0296 –Relator Desembargador Elliot Akel).
“REGISTRO DE IMÓVEIS Dúvida Escritura Pública de Confissão de Dívida com Pacto Adjeto de Constituição de Propriedade Fiduciária e Outras Avenças Imóvel indisponível Penhora em execução fiscal a favor da Fazenda Nacional e da União Recusa do registro com base no artigo 53, §1º, Lei 8.212/91 Alienação voluntária Irrelevância da aquisição anterior por alienação forçada Registro inviável Recurso não provido.” (Apelação Cível nº 3003761-77.2013.8.26.0019 –Relator Desembargador Elliot Akel).
Estes precedentes atuais, que tratam dos casos de alienação forçada estão em consonância com o artigo 22 do Provimento CG nº 13/2012, pelo qual “As indisponibilidades averbadas nos termos deste Provimento e as decorrentes do § 1º, do art. 53, da Lei 8.212, de 24 de junho de 1991, não impedem a alienação, oneração e contrições judiciais do imóvel”.
Inobstante a possibilidade do registro do título pelas razões expostas, e mesmo considerando os precedentes mencionados pelo apelante, pelos quais a alienação forçada é modo originário de aquisição da propriedade e que não há vínculo com o antigo titular do domínio, não é caso de determinar o cancelamento das restrições nesta esfera administrativa, pois, para tanto, é indispensável ordem do juízo que determinou tais atos, que, no caso vertente consiste no registro da hipoteca, de duas penhoras e na averbação da indisponibilidade.
Com efeito, o Conselho Superior da Magistratura, ao julgar casos que se aplicam ao ora examinado por analogia, negou a pretensão de ingresso de título decorrente de alienação voluntária, justamente por ter sido precedido de registro de título decorrente de alienação forçada, onde foram mantidos os ônus e restrições existentes, e que geraram a indisponibilidade do bem, a exemplo da Apelação Cível n° 0003288-37.2009.8.26.0358, julgada em 19/7/12 e relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, e da Apelação Cível nº 0054473-65.2012.8.26.0114, julgada em 10/12/13, também relatada pelo Desembargador José Renato Nalini, cujas ementas assim dispõem, respectivamente:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Registro de Carta de Arrematação expedida pela Justiça do Trabalho – Permanência da inscrição de penhoras oriundas de Justiça Federal e Comum, bem como de hipoteca – Alienação voluntária do bem arrematado a terceiro – permanência das restrições – necessidade de levantamento das penhoras e anuência do credor hipotecário, pelo fato da garantia real decorrer de cédula comercial hipotecária – Recurso não provido.”
“REGISTRO DE IMÓVEIS escritura de compra e venda – hipoteca cedular registrada – ausência de anuência do credor hipotecário – penhora em favor da Fazenda Nacional indisponibilidade que obsta as alienações voluntárias Recurso não provido.
O primeiro julgado tratou de hipótese em que o título judicial decorrente de execução forçada – carta de arrematação expedida pela Justiça do Trabalho –, embora tenha ingressado no fólio real, não teve o condão de cancelar a inscrição da hipoteca cedular existente em favor do Banco do Brasil, da penhora do imóvel ao mesmo credor hipotecário, e da penhora em favor do INSS, situação que impediu o registro posterior do título de compra e venda celebrado entre o titular do domínio e terceira pessoa, por se tratar de hipótese de alienação voluntária. Este julgado é expresso quanto à inviabilidade do cancelamento destes ônus no âmbito registrário, ao consignar que “O registro da transmissão da propriedade ao vendedor por força de arrematação em hasta pública havida na Justiça do Trabalho por si só não tem o condão de cancelar a penhora existente em favor do INSS, é necessário ordem judicial da Justiça Federal para o levantamento da penhora. Igualmente, as inscrições existentes na matrícula não permitem conclusão da extinção da hipoteca em razão da arrematação do imóvel, pois o título registrado (carta de arrematação) não permite tal ilação. Ressalte-se a inexistência de qualquer indicação na carta de arrematação acerca da extinção das penhoras e hipotecas”.
O segundo julgado mostra, do mesmo modo que o primeiro, que não obstante tenha sido registrado o título judicial decorrente de execução forçada –adjudicação do imóvel em ação trabalhista –, a hipoteca cedular que o gravava foi mantida, e impediu o registro do título decorrente da alienação voluntária pelo titular do domínio à terceira pessoa.
Em suma, não há óbice ao registro do título judicial decorrente de execução forçada, porém, não é caso de cancelar os registros de hipoteca, de penhora e de averbação de indisponibilidade que gravam o imóvel, porque o cancelamento reclama ordem dos juízos que determinaram as restrições, e, ainda que assim não fosse, a questão que comporta decisão no procedimento de dúvida é restrita ao registro ou não do título.
À vista do exposto, dou provimento parcial ao recurso, para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da carta de arrematação.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
DECLARAÇÃO DE VOTO
VOTO N.° 21.587
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
APELAÇÃO CÍVEL N.° 3001116-49.2013.8.26.0223
Apelante: JOSÉ MÁRCIO DO VALLE GARCIA
Réu: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARUJÁ
Vistos etc.
Ouso divergir em parte da posição esposada pela d. maioria, sem porém alterar o resultado do julgamento, porque concluo pela improcedência da dúvida e, assim, pelo parcial provimento do recurso.
A discordância se restringe à fundamentação e, particularmente, à falta de reconhecimento do cancelamento indireto das penhoras (r. 6 e 7 [1]) e da indisponibilidade que oneram (av. 9 [2]) o bem imóvel identificado na mat. n.º 56.854 do RI do Guarujá [3], objeto do título judicial recusado.
A carta de arrematação foi desqualificada para fins de registro em atenção à indisponibilidade dos bens da executada/expropriada Maria Cecília Gomes Prudente de Mello, porém não da proveniente da penhora realizada na execução fiscal promovida pelo INSS, mas sim da oriunda da ordem do Juízo da 4.ª Vara da Comarca de São Caetano do Sul, na falência da Alborne Massas Alimentícias Ltda. [4]
Em relação à hipoteca (r. 55) e às penhoras inscritas na matrícula, o Oficial de Registro, malgrado tenha admitido, em especial ao suscitar a dúvida, que –incluída a penhora consumada no executivo fiscal –não impedem o acesso do título ao fólio real, condicionou o cancelamento desses ônus à prévia ordem judicial. [6]
A r. sentença impugnada acolheu as exigências do Oficial e, ao julgar a dúvida procedente, deixou expressa a impossibilidade do registro da carta de arrematação sem anterior cancelamento das penhoras, hipoteca e da averbação de indisponibilidade. [7]
Por meio da apelação, o recorrente/interessado, arrematante do imóvel descrito na mat. n.º 56.854 do RI do Guarujá, pretende o registro do título, com cancelamento de todos os ônus que recaem sobre o bem. [8]
Com inegável acerto, o r. voto preponderante, da lavra do Corregedor Geral da Justiça, descartou, em primeiro lugar, o não conhecimento da dúvida, que estaria prejudicada conforme o parecer da Procuradoria Geral da Justiça, porque ausente o título original [9].
O e. Relator, Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, forte na instrumentalidade das formas e na justa ideia de que o interessado não pode ser prejudicado pela omissão do Oficial, supriu a falta de apresentação do título judicial, ao converter o julgamento em diligência e determinar o encaminhamento e, depois, a juntada aos autos da carta de arrematação. [10]
Quanto ao mérito, em estreita harmonia com a contemporânea posição da jurisprudência administrativa do C. Conselho Superior da Magistratura, o e. Corregedor Geral da Justiça pontuou, com agudeza, em conclusão a qual se acede, que a indisponibilidade, embora obste a alienação voluntária, não tolhe a alienação judicial.
Tal como a indisponibilidade derivada de penhora em execução fiscal [11], a ordenada pelo Juízo da falência, com amparo no § 2.º do art. 82 da Lei n.º 11.101/2005, também não é estorvo à alienação forçada. As situações se equiparam e, assim, exigem idêntica solução, orientada por interpretação extratextual, escorada no argumento a simili ou a pari ratione.
Em síntese, não há restrição alguma ao registro da carta de arrematação. Aliás, a propósito da hipoteca e das penhoras, apresentadas inicialmente como obstáculos ao registro [12], o próprio Oficial, ao suscitar dúvida, reconsiderou sua posição [13].
Por sua vez, e de acordo com o voto prevalecente, é certo que o registro da carta de arrematação não determina o cancelamento (direto) de assentos de ônus, constrições e arrolamentos estranhos ao processo onde concretizada a alienação judicial.
Nada obstante, e nesse ponto reside a divergência a respeito da fundamentação contida no voto do e. Corregedor Geral da Justiça, o ingresso da carta de arrematação na tábua registral desencadeia o cancelamento indireto das penhoras e da indisponibilidade inscritas, em função dos efeitos de seu registro sobre as inscrições anteriores.
A jurisprudência administrativa desse C. Conselho Superior da Magistratura, ancorada na doutrina de Afrânio de Carvalho, sedimentou posição no sentido de que duas são as espécies de cancelamento dos registros (em sentido lato): a direta, dependente de averbação correspondente, enfim, de assento negativo, e a indireta, decorrente da repercussão de inscrições subsequentes (como as da carta de arrematação e de adjudicação) sobre as anteriores. [14]
Oportuno, sob esse prisma, transcrever trechos do paradigmático acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n.º 13.838-0/4, rel. Des. DÍNIO DE SANTIS GARCIA, Julgado em 24.2.1992:
o registro de arrematação não reclama o cancelamento direto e autônomo de registro das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova. Isso se dá porque a arrematação tem força extintiva das onerações pessoais e até mesmo das reais (cfr. Artigo 251 II, Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973; Afrânio de Carvalho, op. cit, pág. 83), e de extinção do direito é que deriva a admissão de cancelamento do registro que lhe corresponda (RIFA SOLER, “La anotaction preventiva de embargo, 1983, págs. 510 ss.). O vínculo da penhora traslada-se para o preço da aquisição, sobre o qual concorrem os credores (LOPES DA COSTA, com apoio em DIDIMODA VEIGA e CARVALHO SANTOS, “Direito Processual Civil Brasileiro, 1947, IV, pág. 169).
Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo, salvo quanto à hipoteca, em vista da necessidade de qualificar-se pelo registrador a ocorrência que não ê automática da causa extintiva segundo prescreve o artigo 251 II, Lei n.º 6.015, citada, (grifei e sublinhei)
Subsidiada pelos precedentes do C. CSM, a E. CGJ firmou entendimento de ser indireto o cancelamento de penhoras, arrestos e sequestros em consequência do registro de arrematação ou adjudicação, reafirmando, no mais, que o cancelamento direto não é automático. [15]
A resposta à consulta formulada nos autos do Protocolado CG n.º 11.394/2006, documentada no parecer n.º 238/06-E, de autoria dos MM. Juízes Auxiliares da Corregedoria Álvaro Luiz Valery Mirra e Vicente de Abreu Amadei, aprovado em 26.6.2006 pelo e. Des. GILBERTO PASSOS DE FREITAS, é esclarecedora:
no tocante ao registro da arrematação ou adjudicação o que se verifica é a sua ‘Ressonância’ sobre o registro das constrições anteriores (penhoras, arrestos ou sequestros), para a retirada da eficácia destas em relação ao credor que arremata ou adjudica o imóvel, configurador do aludido ‘cancelamento indireto’. Não há, nesses termos, ‘cancelamento direto’ das constrições anteriores, dependente de assento negativo, razão pela qual inviável se mostra falar em automático cancelamento do registro daquelas com base tão-só no registro da arrematação ou adjudicação, a partir de requerimento do interessado.
É certo, porém, que tal cancelamento direto das penhoras antecedentes, embora despiciendo, como visto, pode, efetivamente, ser obtido pelo interessado, afim de evitar dificuldade na leitura e no entendimento, por parte de leigos, da informação gerada pela matrícula, como mencionado pelo Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente (fls. 77). Mas para tanto, dever-se-á obter ordem judicial, expedida pelo juízo da execução que determinou a penhora.
Anote-se que a ordem judicial em questão se mostra imprescindível para o cancelamento direto das penhoras, já que estas foram determinadas pelo juiz da execução, no exercício regular da jurisdição, não cabendo sequer ao Juiz Corregedor Permanente ou a esta Corregedoria Geral da Justiça, no exercício de atividade meramente administrativa, deliberar a respeito. Como se sabe, no sistema jurídico-constitucional brasileiro, admite-se que os atos dos demais Poderes do Estado – legislativos e administrativos – sejam revistos pelos juízes no exercício da jurisdição, mas o contrário, ou seja, a revisão dos atos jurisdicionais dos juízes pelas autoridades legislativas ou administrativas, é absolutamente inadmissível (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, vo. I, p. 310).
Assim, sem expressa ordem judicial oriunda do juízo que determinou a constrição, não se pode admitir o cancelamento de penhoras, arrestos e sequestros antecedentes, como decorrência automática do registro da arrematação ou adjudicação dos bens constritos havida em execução judicial. (grifei)
Mais recentemente, a E. CGJ, quando aprovei, nos autos do processo CG n.° 133.552/2013, em 6.12.2013, o parecer n.° 529/2013-E do i. Juiz Assessor da Corregedoria Luciano Gonçalves Paes Leme, manteve a mesma orientação.
Em outras palavras, o cancelamento direto das penhoras e da indisponibilidade, no caso, é prescindível, embora possível e dependentemente de ordem expressa do Juízo que as determinou. De todo modo, não atalham o acesso futuro de títulos derivados de alienação voluntária, porquanto cancelamento, indireto, ocorreu.
Nesse ponto, no tocante à penhora ocorrida em execução fiscal, revejo posicionamento que exteriorizei, e prevaleceu, na Apelação Cível n.° 0003288-37.2009.8.26.0358 e na Apelação Cível n.° 0054473-65.2012.8.26.0114, porque, reconhecido o cancelamento indireto da constrição judicial em virtude de arrematação judicial, impõe, melhor refletindo sobre o tema, admitir o levantamento da indisponibilidade que dela dimana, que lhe é acessória, que não é autônoma. Mesmo sem o correspondente cancelamento direto, não terá a penhora mais aptidão para embaraçar alienações, ainda que voluntárias.
A respeito da indisponibilidade inscrita, então procedente de processo falimentar, também não é lógico reconhecer a subsistência de sua eficácia após o registro da carta de arrematação e, com isso, limitar, em relação ao arrematante, a plenitude do gozo dos predicados do direito real de propriedade.
A restrição à livre disponibilidade da coisa, ao vincular somente a executada, a quem imposta, e porque insuficiente para tolher a alienação judicial, não pode afetar a situação jurídica do arrematante.
Inclusive, a idéia subjacente à permissibilidade da alienação judicial e da subsequente inscrição do título, a envolver a noção de sub-rogação real da garantia no produto da arrematação, reforça o desacerto da preservação do ônus da indisponibilidade, desprovido do atributo da sequela.
Por fim, no tocante à hipoteca, não há que se falar, no contexto dos autos, em cancelamento indireto. Não há prova da supressão da hipoteca. É juridicamente possível que a arrematação não tenha dado causa a sua extinção. [16] Pode ocorrer de ser ineficaz quanto ao credor hipotecário, se não cientificado judicialmente da execução da qual não era parte.
De qualquer forma, por força da sequela que a caracteriza, não representa óbice à alienação futura, forçada ou voluntária. Na verdade, seria entrave à voluntária apenas se, não extinta pela arrematação, fosse decorrente de cédula de crédito rural, cédula de crédito industrial, cédula de crédito à exportação ou de cédula de crédito comercial. Nesse caso, porque estaria preservada a eficácia da hipoteca cedular, a indisponibilidade dela consequente inibiria a alienação sponte própria [17].
Por estes fundamentos, dou parcial provimento ao recurso, julgando a dúvida improcedente e determinando o registro da carta de arrematação, divergindo parcialmente do ilustrado voto exarado pelo Relator, e. Des. HAMILTON ELLIOT AKEL, apenas quanto à fundamentação, porque entendo ocorrente o cancelamento indireto das penhoras e da averbação de indisponibilidade.
JOSÉ RENATO NALINI
Presidente do Tribunal de Justiça
Apelação Cível n. 3001116-49.2013.8.26.0223
Apelante: José Marcio Do Valle Garcia
Apelado: Oficial do Registro de Imóveis Títulos e Documentos, Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Guarujá
TJSP –Voto n° 20.643
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
Registro de Imóveis.
Carta de arrematação expedida em processo de execução em trâmite perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá Impossibilidade de Registro sem o prévio cancelamento da indisponibilidade determinada por força do disposto no artigo 53, § 1°, da Lei 8.212/91 Princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/1976) Indisponibilidade, outrossim, determinada por juízo universal da falência, onde deverão ser decididas questões relativas à ordem de classificação dos créditos Dúvida procedente.
Recurso desprovido.

  1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarujá, que julgou procedente a dúvida suscitada.

A dúvida, em apertada síntese, consiste na possibilidade ou não de se registrar carta de arrematação expedida em processo de execução de verbas condominiais em trâmite na 1ª Vara Cível da Comarca de Guarujá, à vista das restrições constantes da matrícula.
É o relatório.

  1. Respeitado entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, o recurso não merece provimento.

Em primeiro lugar, observo os seguintes ônus sobre o imóvel em questão (matrícula 56.854, fl. 12/14): (i) R. 05 – hipoteca em favor do BANCO SUDAMERIS BRASIL S/A; (ii) R. 06 – execução hipotecária em curso perante a 1ª Vara de Guarujá; (iii) R. 07, de 28 de novembro de 2003 – penhora em favor do INSS nos autos do processo de execução fiscal em curso perante a 5ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo (e, por conseguinte, a respectiva indisponibilidade, nos termos do disposto no artigo 53, § 1°, da Lei 8.212/91); (iv) Av. 08 – penhora em favor do CONDOMÍNIO EDIFÍCIO GUARUJÁ nos autos da ação de execução de verbas condominiais, datada de 24 de agosto de 2009; (v) Av. 09 – indisponibilidade determinada pelo Juízo da 4ª Vara de São Caetano do Sul, nos autos da falência da empresa Alborne Massas Alimentícias Ltda., no qual se desconsiderou a personalidade jurídica da empresa falida determinando a extensão dos efeitos da falência à pessoa dos sócios (registro de indisponibilidade n° 2.021, 08 de agosto de 2007 – fl. 15).
A recusa do Digno Oficial do Registro de Imóveis se deu exclusivamente com base na Av. 09 (fl. 09), relativamente à indisponibilidade decretada nos autos da ação de falência suso mencionada.
Contudo, não poderia passar despercebida a indisponibilidade anteriormente decretada por força da execução fiscal promovida pelo INSS.
Neste passo, como bem salientou o Excelentíssimo Senhor Relator, por vários biênios o Conselho Superior da Magistratura sedimentou entendimento segundo o qual, por força do disposto no artigo 53, § 1°, da Lei n° 8.212/91, não é possível registro de título que importa em disposição do imóvel, quer decorrente de alienação voluntária, quer decorrente de alienação forçada, sob o fundamento de que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade, e que o referido dispositivo legal tem caráter genérico.
Com efeito, ubi lex non distinguit nec nostrum est distinguere.
A propósito, vide Apelação Cível n° 29.886-0/4 – São Paulo, 16/02/1996, Relator Márcio Martins Bonilha; Apelação Cível n° 07-6/4 – Rio Claro, 04/09/2003, Relator Luiz Tâmbara; Apelação Cível n° 558-6 – Marília, 03/08/2006, Relator Gilberto Passos de Freitas; Apelação Cível n° 950-6/7 – São José do Rio Preto, 02 de dezembro de 2008, Relator Ruy Camilo; Apelação Cível n° 990.10.034.303-3 – Americana, 30/06/2010, Relator Munhoz Soares.
Transcrevemos, a guisa de exemplo, trecho do v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n° 557-6/3 – Marília, relatado pelo eminente Desembargador Gilberto Passos de Freitas, com julgamento em 09/11/2006:
“A hipótese em questão versa sobre pleito do Apelante de registro de carta de arrematação expedida nos autos de execução fiscal movida pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo em face de Melhoramentos Materiais para Construções Ltda., relativamente aos imóveis das matrículas n°s 32.726, 32.727, 32.728 e 32.729. O registro da carta de arrematação em questão foi recusado pelo Primeiro Oficial de Registro de Imóveis de Marília, devido à indisponibilidade dos bens resultante de penhoras levadas a efeito em benefício da Fazenda Nacional e do INSS, recusa essa confirmada pela decisão de primeira instância, proferida pelo Meritíssimo Juiz Corregedor da Serventia.
Em que pesem os argumentos expendidos pelo Apelante, o recurso não comporta provimento.
Com efeito, nos termos do art. 53, § 1º, da Lei n. 8.212/1991, os bens penhorados em execução judicial de dívida ativa da União, das autarquias federais e das fundações públicas federais ficam, a partir da constrição judicial, indisponíveis.
Foi, precisamente, o que se deu no presente caso, em que os imóveis objeto da arrematação efetuada pelo Apelante foram penhorados em processos de execução instaurados pela Fazenda Nacional e pelo INSS. Observe-se que o fato de a arrematação ter se dado em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual não afasta a indisponibilidade decorrente da penhora havida em processo executivo instaurado a requerimento da União e suas autarquias ou fundações, já que o disposto no § 1º do art. 53 da Lei n. 8.212/1991 não excepciona tal hipótese.
Por outro lado, mostra-se irrelevante saber se a penhora e a arrematação levadas a efeito no processo em que expedida a carta que se pretende registrar foram anteriores à penhora que ensejou a indisponibilidade. O que efetivamente importa, em tais casos, é o momento em que apresentada a registro a carta de arrematação, pois, se posterior à indisponibilidade resultante da penhora realizada em favor da União ou de autarquia federal, obstado estará o ingresso do titulo no fólio real.
De fato, sendo a indisponibilidade forma especial de inalienabilidade de bens, vedado estará o acesso de todo e qualquer título de disposição ou oneração, ainda que formalizado anteriormente àquela primeira.
Como já decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Luiz Tâmbara, então Corregedor Geral da Justiça: “Registro de Imóveis Procedimento de dúvida Negativa de acesso de carta de arrematação Imóvel penhorado, em parte ideal, em execução fiscal Indisponibilidade determinada pelo artigo 53, par. 1º, da Lei 8.212/91 Dúvida procedente Recurso Desprovido.
(…)
Já de há muito sedimentado, diga-se em primeiro lugar, o entendimento de que “enquanto não liberadas as constrições impostas em decorrência de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional, impossível o acesso de carta de arrematação’ (Apelação n. 029.886-0/4, São Paulo, j. 04/06/1996, rel. Des. Márcio Bonilha). Isso porquanto, como está no mesmo aresto, a indisponibilidade de bens decorrente da Lei 8.212/1991 (art. 53, parág. 1º) envolve a expropriação forçada e consequente venda judicial para pagamento das obrigações do devedor’. Sendo assim, decidiu-se que a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade’.
De outra parte, ante o sistema constitutivo que caracteriza o registro de imóveis, além disso marcado pelo princípio do encadeamento subjetivo e objetivo dos atos lá assentados, importa, para verificação da disponibilidade e continuidade, que se apure a data do registro da penhora em relação ao ingresso da arrematação.
Ou seja, se antes registrada a constrição, mesmo que depois da efetivação da data da alienação judicial, mas não levada, oportunamente ao fólio, não poderá mais sê-lo, a posteriori’. (Ap. Cív. n. 100.023-0/4 – j. 29.05.2003).
Registre-se, de outra banda, que o entendimento ora adotado não se contrapõe à orientação atual deste Colendo Conselho, segundo a qual se mostra viável o registro de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União ou suas autarquias, já que ressalvada, de maneira expressa, nessa orientação, a impossibilidade do registro da carta de arrematação ou adjudicação eventualmente expedida.
Pertinente, no ponto, transcrever trecho de aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005: “O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível.
Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível N° 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível n° 79.730-0/4, Capital.
A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.
O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).
Convém ressaltar, neste ponto, que a presente decisão não destoa do entendimento recente firmado por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura, externado nos autos da Apelação Cível n° 362-6/3, que considerou viável o registro de mandado de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União, porquanto naquela oportunidade ressalvou-se, expressamente, que o imóvel objeto da matrícula poderia ser alienado, mas que o registro de eventual carta de arrematação ou adjudicação não teria ingresso no fólio real sem que baixada a restrição.”
Como se pode perceber, em conformidade com o acima analisado, correta se evidencia a postura do oficial registrador, na espécie, ratificada de forma acertada pela respeitável decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente da Serventia.
Portanto, em conclusão, não há, efetivamente, como admitir o registro do título em questão, tal como pretendido pelo Apelante.” (grifos nossos)
Data venia,não se pode concordar com a alteração desse entendimento a partir do v. Acórdão do Colendo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398 – SP, cuja ementa transcrevemos:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. INDISPONIBILIDADE. IMÓVEL PENHORADO EM EXECUTIVO FISCAL. ART. 53, § 1º, LEI 8.212/91. ALIENAÇÃO FORÇADA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 711 DO CPC.
I – A indisponibilidade a que se refere o art. 53, § 1º, da Lei n° 8.212/91, traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial.
II – É possível a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.
III – Ainda que o executivo fiscal tenha sido suspenso em razão de parcelamento, é possível tal solução, porquanto retirar-se-ia do produto da alienação o valor referente ao crédito tributário, colocando-o em depósito judicial até o adimplemento do acordo, não havendo qualquer prejuízo à garantia do crédito fazendário.
Recurso provido, (grifamos – STJ – Rel. Min. Felix Fischer, j. 17/02/2004, v.u.)
Não se discorda do teor da decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça. O que não se pode admitir, data venia, é que seja ele utilizado para embasar a mudança do entendimento supra aludido por três simples razões.
Em primeiro lugar (i), porque a decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça foi proferida em Agravo de Instrumento tirado em processo de execução. Não se tratando de processo de dúvida registrária, a equivalência pura e simples de entendimentos pode dar azo a uma premissa equivocada, como de fato ocorreu. Alienação forçada não é sinônimo de registro da carta de arrematação.
Em segundo lugar (ii), porque em processos de dúvidas registrárias não há como ser atendida a ressalva feita no v. Acórdão, “desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto”.
Com efeito, diante da peculiaridade do procedimento de dúvidas registrárias (judicialiforme: em parte administrativo, em parte judicial), como poderá o Oficial de Registro de Imóveis, e por conseguinte, o Juízo Corregedor Permanente, ter certeza de que estarão resguardados, dentro do montante auferido com a alienação judicial do bem, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao gravame imposto?
O fato de ser possível a alienação do bem imóvel em processo de execução diverso ao da execução fiscal não implica no registro da respectiva carta de arrematação sem o cancelamento da indisponibilidade do bem. Vide, a esse respeito, o v. acórdão suso transcrito, relatado pelo eminente Desembargador Gilberto Passos de Freitas.
É que somente o juízo competente (executivo fiscal federal – embora, in casu, seria o juízo falimentar) poderá concluir que os valores apurados com a venda do bem garantirão a execução fiscal. A tal juízo caberá determinar, à vista da garantia em dinheiro, o cancelamento da indisponibilidade.
Em outras palavras, o imóvel poderá ser alienado judicialmente, mas para que seja possível o registro da respectiva carta de arrematação, há de ser providenciada a baixa da indisponibilidade.
Em terceiro lugar (iii), essa cautela indispensável, sob pena de afronta ao dispositivo legal em comento (artigo 53, §1°, da Lei 8.212/91), visa a assegurar o princípio de continuidade.
O que se busca com os Registros Públicos desde os seus primórdios é a maior fidelidade possível à realidade existente no mundo jurídico. Isso para evitar que alguém possa dispor de algo que não é seu, sempre como norte as máximas romanas do suum cuique tribuere e neminem laedere.
Consoante ensinamento de Afrânio de Carvalho:
“o princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transforma-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público. (…) A sua essência repousa na necessidade de fazer com que o registro reflita com a maior fidelidade possível a realidade jurídica. Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não titular dele disponha”. (grifamos. Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, p. 304-305)
Pois bem. Se a carta de arrematação for registrada sem que solucionada a questão da indisponibilidade do bem, plantar-se-á, indubitavelmente, uma lacuna no registro do imóvel em questão, ferindo o princípio de continuidade. Como se poderia registrar o imóvel em nome de um terceiro e manter a indisponibilidade?
Demais, esse terceiro nenhuma relação tem com o credor cuja hipoteca e penhora foram registrada/averbada. Do registro da carta de arrematação deverá constar a ressalva de que as restrições anteriores permanecem íntegras?
Nesse aspecto, data venia, embora não concorde com este posicionamento, teria razão o Apelante: o novo entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (biênio 2012/2013) partiu do princípio de que a arrematação seria modo originário de aquisição de propriedade (com o que, frise-se, discordo; a meu ver, é modo derivado). Seria contraditório, segundo aquele entendimento, registrar a carta de arrematação e manter as penhoras, hipoteca e indisponibilidades anteriores.
Nem se perca de vista, outrossim, que o imóvel em questão, ao que parece, fora arrecadado nos autos da falência (vide fl. 15).
Há diversas questões a serem analisadas, a meu ver, única e exclusivamente pelo juízo universal da falência, v.g., classificação dos créditos, ordem de prioridade nos pagamentos (as verbas condominiais precedem ao crédito hipotecário e aos débitos fiscais?). Somente ali se poderá decidir e autorizar eventual baixa na indisponibilidade com o consequente registro da carta de arrematação do imóvel. E se nos autos falimentares o imóvel tiver sido avaliado por valor muito superior ao praticado na arrematação? Não sabemos, demais, a data da quebra, embora o processo falimentar seja do ano 2002. Qual legislação seria aplicável? Por epítome, havendo ofensa a texto expresso de lei (artigo 53, §1°, da Lei 8.212/91), existindo prejuízo ao princípio da continuidade (artigos 195 e 237 da Lei 6.015/1976), e havendo inúmeras questões a serem decididas pelo juízo universal da falência, o título não comporta registro.
3. Ante o exposto, pelo animo esposado, nego provimento ao recurso.
Ricardo Mair Anafe
Presidente da Seção de Direito Público
Notas:
[1] Fls. 13.
[2] Fls. 13v-14.
[3] Fls. 12-15.
[4] Fls. 3-9 e 75
[5] Fls. 12v.
[6] Fls. 3-9.
[7] Fls. 112-114
[8] Fls. 116-120
[9] Fls. 129-134.
[10] Fls. 136, 138, 142 e 143-168.
[11] Cf. Art. 53, § 1.°, da Lei n.° 8.212/1991
[12] Fls. 75.
[13] Fls. 3-9.
[14] Apelação Cível n.° 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. em 24.2.1992; Apelação Cível n.° 15.296-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. em 3.8.1992.
[15] Parecer n° 238/06-E, de autoria dos Juízes Auxiliares da Corregedoria Álvaro Luiz Valery Mirra e Vicente de Abreu Amadei, aprovado pelo Des. Gilberto Passos de Freitas, em 26.6.2006; Parecer n° 173/07-E, do Juiz Auxiliar da Corregedoria Álvaro Luiz Valery Mirra, aprovado pelo Des. Gilberto Passos de Freitas, em 26.6.2007; Parecer n.° 74/2010-E, de autoria do Juiz Auxiliar da Corregedoria Álvaro Luiz Valery Mirra, aprovado pelo Des. Antônio Carlos Munhoz Soares, em 30.3.2010.
[16] Cf. Arts. 1499, VI, e 1.501 do CC/2002.
[17] Cf. Art. 59 do Decreto-lei n.° 167/1967, art. 51 do Decreto-lei n.° 413/1969, art. 3.° da Lei n.° 6.313/1975 e art. 5.° da Lei n.° 6.840/1980.
(DJe de 09.02.2015 – SP)