CSM/SP: Alienação de imóvel entre cônjuges. Bem particular. Presunção de que o dinheiro utilizado pertencia integralmente ao comprador. Afastada a presunção de comunicabilidade da súmula 377.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.191-6/0, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante o ESPÓLIO DE ALCÍDIA GRAGEL e apelado o 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ROBERTO VALLIM BELLOCCHI, Presidente do Tribunal de Justiça, MUNHOZ SOARES, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, BARRETO FONSECA, Decano em exercício, VIANA SANTOS, RODRIGUES DA SILVA e EDUARDO PEREIRA, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Direito Privado e da Seção Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 15 de dezembro de 2009.

(a) REIS KUNTZ, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de doação – Donatário que adquiriu a propriedade do imóvel mediante compra feita de sua ex-mulher, durante a vigência do casamento celebrado pelo regime da separação legal de bens – Não incidência, no caso concreto, da presunção de comunhão decorrente da Súmula nº 377 do E. Supremo Tribunal Federal, em razão da natureza onerosa da compra e venda que teve como elemento a entrega de todo o preço da coisa à vendedora – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo Sr. 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital e manteve a negativa do registro de doação do imóvel objeto da matrícula nº 36.337, porque o doador o adquiriu, a título oneroso, na constância de casamento celebrado pelo regime da separação legal de bens e não o levou para partilha no inventário decorrente do falecimento de sua ex-cônjuge.

A apelante alega, em suma, que o imóvel foi adquirido por Apparecida Marchetti Guzzo em 25 de junho de 1967, quando era solteira. Diz que Apparecida se casou com Orlando Guzzo em 25 de novembro de 1978 e que em 19 de fevereiro de 1982 Apparecida vendeu o imóvel para seu marido que, por sua vez, pagou o preço da compra e venda e recebeu quitação. Afirma que Apparecida faleceu logo depois, deixando sua mãe como única herdeira, e que em razão da prévia alienação o imóvel não foi levado ao inventário de seus bens. Esclarece que Orlando Guzzo, posteriormente, doou o imóvel para Alcídia Gragel, o que fez na qualidade de único proprietário. Assevera que a presunção de comunhão decorrente da Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal não incide na compra do imóvel por Orlando Guzzo porque sua mulher, que foi a vendedora, recebeu o total do preço da coisa, sem nada reservar para si. Requer a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro da doação.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso.

É o relatório.

A certidão de fls. 06 demonstra que Apparecida Marchetti Guzzo adquiriu a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 36.337 do 5º Registro de Imóveis da Comarca da Capital quando era solteira e depois, por meio de escritura pública registrada em 04 de março de 1982, o vendeu para Orlando Guzzo, com quem estava casada pelo regime da separação legal de bens, pelo valor de Cr$ 700.000,00 (setecentos mil cruzeiros).

Posteriormente, em 26 de fevereiro de 1997, Orlando Guzzo, já viúvo, doou a nua propriedade do imóvel para Alcídia Gragel, mantendo em seu favor o usufruto vitalício, o que fez através de escritura pública lavrada à fls. 181-v. do Livro nº 647do 2º Tabelião de Notas da Comarca de Jundiaí.

O registro dessa doação, porém, foi negado em razão da presunção da comunhão do imóvel entre Orlando Guzzo e Apparecida Marchetti Guzzo, decorrente da Súmula nº 377 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, uma vez que foi adquirido pelo marido, a título oneroso, na constância do casamento celebrado pelo regime da separação legal de bens.

Ocorre que, in casu, Orlando Guzzo adquiriu o domínio do imóvel mediante compra feita de sua própria mulher, ou seja, Apparecida Marchetti Guzzo, com pagamento do preço e recebimento da correspondente quitação conforme ficou consignado na escritura de compra e venda lavrada às fls. 058 do Livro nº 1.684 do 4º Tabelião de Notas da Comarca da Capital (fls. 06 e 36/37).

Tendo Orlando Guzzo pago para sua cônjuge, Apparecida Marchetti Guzzo, o preço pactuado pela compra e venda de todo o imóvel, incide a presunção de que o dinheiro utilizado no pagamento pertencia integralmente a Orlando.

Assim porque não se concebe na compra e venda celebrada, que consistiu em contrato comutativo e oneroso, situação em que o dinheiro utilizado para o pagamento do preço proveio da própria vendedora, fato a configurar verdadeira doação.

E como doação não houve na alienação do imóvel feita por Apparecida Marchetti Guzzo a Orlando Guzzo, pois de simulação não se cogitou no presente caso, a única conclusão possível é no sentido de que Apparecida não contribuiu, de qualquer forma, para a obtenção dos recursos utilizados por Orlando no pagamento do preço estipulado pela compra e venda, razão pela qual não incide a presunção de comunhão decorrente da Súmula nº 377 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

A adoção de entendimento contrário, diante do estado da vendedora e do comprador, que eram casados entre si, poderia, ademais, configurar enriquecimento sem causa, uma vez que a vendedora teria a disposição integral do produto da venda de bem reservado e, ao mesmo tempo, conservaria a meação do bem sem ter contribuído na sua aquisição por terceiro.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente e autorizar o registro da escritura de doação da nua propriedade e constituição de usufruto.

(a) REIS KUNTZ, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 08.04.2010)