CSM|SP: Registro de imóvel – Dúvida inversa – Recusa de abertura de matrícula e de registro de escritura pública – Exigência de prévia retificação do registro imobiliário – Transcrição que, embora descreva a área de maneira precária, possibilita a identificação do imóvel – Título que apresenta a mesma descrição do registro anterior – Observância do disposto nos artigos 196 e 228 da lei n° 6.015/73 – Inocorrência de violação ao princípio da especialidade objetiva – Recusa indevida – Dúvida improcedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 3025524-04.2013.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante LEPE INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE GUARULHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR A ABERTURA DA MATRÍCULA E REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE DESINCORPORAÇÃO DE BEM E REDUÇÃO DO VALOR DE QUOTAS SOCIAIS APRESENTADA, V.U. DECLARARÁ VOTO VENCEDOR O DES. ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 7 de outubro de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
VOTO N° 34.055
Registro de imóvel – Dúvida inversa – Recusa de abertura de matrícula e de registro de escritura pública – Exigência de prévia retificação do registro imobiliário – Transcrição que, embora descreva a área de maneira precária, possibilita a identificação do imóvel – Título que apresenta a mesma descrição do registro anterior – Observância do disposto nos artigos 196 e 228 da lei n° 6.015/73 – Inocorrência de violação ao princípio da especialidade objetiva – Recusa indevida – Dúvida improcedente – Recurso provido.
Cuida-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 67/68, do MM. Juiz Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, que em procedimento de dúvida inversa suscitada acolheu a negativa de abertura de matrícula do imóvel objeto da transcrição n° 36.633 e o registro da escritura pública de desincorporação de bem e redução do valor de quotas sociais, mantendo a exigência de que seja observado prévio procedimento de retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva.
A apelante invoca o artigo 228 da Lei de Registros Públicos e afirma que, tendo havido transição de um para outro sistema, não se pode exigir o mesmo rigor em relação aos títulos velhos como exige para os novos, e por tal razão se admitiu o uso dos elementos do título velho no primeiro registro. Diz que não pode perder os poderes inerentes à propriedade, adquirida legitimamente e, portanto, constituindo ato jurídico perfeito, em virtude de lei posterior. Aduz que apesar de não indicar com precisão os imóveis confrontantes, pelos elementos informativos da transcrição é possível identificar a localização do imóvel e suas características. Menciona precedente.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 140/142).
É o relatório.
A recusa do Oficial ao atendimento da pretensão da apelante, de abrir nova matrícula e registrar a escritura pública de desincorporação de bem e redução do valor de quotas sociais, na qual se baseou a sentença que julgou procedente a dúvida, está fundada na necessidade da prévia retificação do registro anterior para suprimir deficiências referentes à especialidade objetiva, em observância aos requisitos da matrícula previstos na Lei de Registros Públicos e nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
A descrição que a transcrição n° 36.633 apresenta, e com base na qual a apelante pretende a abertura da matrícula e registro da escritura, é a seguinte: “UMA PARTE CERTA E DETERMINADA, situada no local denominado PORTO DA IGREJA – Gleba “B” – Rua Luiz Rodrigues de Freitas, antiga Estrada, com 24.000,00 m² e que assim se descreve: suas divisas começam junto a cerca que divide a área objetivada com terras de Benedito Rodrigues de Freitas ou sucessores num ponto situado a mais ou menos 101,10m do marco 3, cravado na margem direita do Rio Tietê, à esquerda de um valo e cava de areia, daí segue pelo alinhamento da Rua Rodrigues de Freitas, antiga estrada mencionada na transcrição aquisitiva, na extensão de 103,80m do fim dessa linha, deflete à direita e segue por 228,00m até o Rio Tietê Velho, confrontando com o remanescente da área objeto da transcrição n. 20.783, até o Rio Tietê Velho, daí deflete à direita e segue por 160,35m até encontrar as divisas com terras de Benedito Rodrigues de Freitas ou sucessores; daí deflete à direita e segue por 163,00m confrontando com terras do mesmo Benedito Rodrigues de Freitas ou sucessores, até o ponto de partida, junto ao alinhamento da Rua Luiz Rodrigues de Freitas, antiga estrada.”
Inobstante a precariedade da transcrição e os precedentes do Conselho Superior da Magistratura mencionados pelo Oficial, o posicionamento que atualmente prevalece, manifestado em julgados recentes, é no sentido de que não ofende ao princípio da especialidade a abertura de matrícula que abranja a totalidade do imóvel e que esteja de acordo com a descrição contida no registro anterior, desde que suficiente à sua identificação.
Assim foi decidido em caso análogo ao ora examinado, na Apelação Cível n° 9000002-16.2011.8.26.0296, julgada em 23/05/2013 e publicada em 10/07/2013, cujo relator foi o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, e que tem a seguinte ementa:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida prejudicada – Irresignação parcial configurada – Exibição tardia da certidão atualizada da matrícula do bem imóvel – Inadmissibilidade – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva inocorrente – Coincidência entre as descrições do título e da matrícula a informar a abertura de uma nova (artigo 229 da Lei n.° 6.015/1973) – Recurso não conhecido.”
Nesse julgado, a exemplo do que ocorre no caso vertente, houve recusa do registro do título sob a alegação de que era necessária a prévia retificação registral, em observância ao princípio de especialidade objetiva. A exigência foi afastada com base nos fundamentos que passo a transcrever:
“O princípio da especialidade objetiva não obsta o registro pretendido. Conforme Narciso Orlandi Neto, ‘as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta no registro anterior’: e não é essa a situação enfrentada.
Com efeito, e tal como se dá na hipótese versada nos autos, é suficiente, sob o prisma do princípio da especialidade objetiva, ‘que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro.’ [ii] A propósito, calha ainda a lição do Desembargador Ricardo Dip:
…os limites da qualificação registrária se mostram de maneira mais vistosa no plano interpretativo, enquanto seus supostos se restringem: 1 ao título levado a registro, 2 – ao registro existente e persistente e 3 – à relação entre o título exibido e o registro existente.” [ii] Retificação do registro de imóveis. São Paulo: Editora Oliveira Mendes,1997, p. 68.
Ainda, neste mesmo sentido, foi decidido na Apelação n° 0015003-54.2011.8.26.0278, por mim relatada.
A solução seria diversa na hipótese de desmembramento ou fusão, na qual a área total é descaracterizada e não apresenta conformidade com a área descrita no registro de origem, situação que viola o princípio da especialidade objetiva e reclama o cumprimento do artigo 176 da Lei n° 6.015/73. Não é o que se verifica no presente caso, em que o que se pretende é a abertura da matrícula e registro da escritura pública apresentada, em que a descrição do imóvel é a mesma existente no registro (transcrição) de origem, em cumprimento ao disposto nos artigos 196 e 228 da mesma Lei, os quais dispõem, respectivamente, que “A matrícula será feita à vista dos elementos constantes do título apresentado e do registro anterior que constar do próprio cartório”, e que “A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na vigência desta Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e do registro anterior nele mencionado.”.
Verifica-se que a descrição é suficiente para a identificação do imóvel, porque apesar das imprecisões existentes, menciona o nome da rua onde está localizado, qual seja, Luiz Rodrigues de Freitas, a área total, o número dos prédios construídos e que estão localizados na mesma rua, conforme averbações números “2”, “3” e “4”, nas quais constam também o número do cadastro municipal dessas áreas construídas na área maior descrita na transcrição.
Em tais condições, a prévia retificação do registro, por ser precária a descrição da área do imóvel, não é condição para a abertura da matrícula e registro da escritura pública apresentada, razão pela qual foi indevida a exigência formulada pelo registrador. À vista do exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar a abertura da matrícula e registro da escritura pública de desincorporação de bem e redução do valor de quotas sociais apresentada.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR
VOTO N. 27.399
1. Nestes autos de dúvida inversa, foi interposta apelação contra sentença dada pelo Juízo Corregedor Permanente do 1º Oficial de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos, e Civil de Pessoas Jurídicas de Guarulhos. Essa sentença manteve exigência de retificação para que se pudesse abrir matrícula e proceder a registro stricto sensu.

  1. O eminente Desembargador Relator prove à apelação para que, reformada a sentença, se afastem os óbices levantados e se proceda à abertura de matrícula e ao registro stricto sensu da dação em pagamento.

A descrição do imóvel, tal como posta na matrícula em exame, não tem o rigor que hoje se considera adequado para atender, de forma cabal, o princípio da especialidade. Entretanto, a imperfeição não chega ao extremo de impedir, por completo, a identificação do imóvel, pois traz elementos mínimos que permitam localizá-lo.
Por outro lado, o título causal sob análise (i.e., a dação em pagamento) diz respeito ao imóvel como um todo, ou seja, a descrição contida no título coincide com aquela que consta da matrícula.
Nessas condições – coincidência entre as descrições do imóvel postas na matrícula e no título causal, de um lado, e disposição sobre o todo do imóvel de outro – não há razão para exigir retificação antes de abrir a matrícula e proceder ao registro stricto sensu da dação em pagamento. Nestes específicos atos registrários, como no caso concreto, o imóvel está descrito de forma clara, inequívoca e inconfundível, e não há ofensa ao disposto na LRP/1973, arts. 176, § 1º, II, 3, a, 225, § 2º, e 229.
Esta, aliás, é a posição da doutrina:
“Descrição lacunosa, imprecisa ou deficiente, não obstante necessite de aperfeiçoamento a ser realizado por meio de retificação, desde que permitida sua compreensão acerca da localização e sua individualização perante outros, não obsta a abertura da matrícula, a fim de não prejudicar a eficácia do registro e da presunção, ainda que relativa, de sua veracidade estabelecida com o registro precedente. […] Do mesmo modo, não se pode dar entendimento diverso às matrículas de imóveis, com descrições precárias, abertas na vigência da atual Lei de Registros Públicos, alienados como um todo, com anteriores atos de registro que tiveram regular ingresso no assento predial. Há que se permitir o seu prosseguimento até que outros atos ou hipóteses, como os acima alinhados [transmissão de parte do imóvel, parcelamento do solo, instituição de condomínio edilício], venham exigir a devida retificação com esteio no art. 213 e ss. da Lei 6.015/1973.” (Fioranelli, Ademar. Matrícula no Registro de Imóveis – Questões Práticas. In: Yoshida, Consuelo et alii (coord.). Direito Notarial e Registral Avançado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 304).
A propósito, este Conselho Superior da Magistratura já decidiu que:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de compra e venda com descrição idêntica à contida na matrícula – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Recurso provido. (Apel. Cív. 0013406-84.2010.8.26.0278, j. 13.12.2012)
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Adjudicação – Necessidade de se inventariar a totalidade dos bens havidos em comunhão no casamento – Universalidade de direitos – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Recurso não provido. (Apel. Cív. 0002532-60.2011.8.26.0648, j. 7.2.2013)
REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida prejudicada – Irresignação parcial configurada – Exibição tardia da certidão atualizada da matrícula do bem imóvel – Inadmissibilidade – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva inocorrente – Coincidência entre as descrições do título e da matrícula a informar a abertura de uma nova (artigo 229 da Lei n.° 6.015/1973) – Recurso não conhecido. (Apel. Cív. 9000002-16.2011.8.26.0296, j. 23.5.2013)

  1. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para que se proceda à abertura da matrícula e ao registro stricto sensu da dação em pagamento.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
(D.J.E. de 03.12.2014 – SP)