CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Carta de sentença extraída de ação de desapropriação – Imóvel localizado em área rural – Necessidade de apresentação de certidão do INCRA de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas – Exigência correta apresentada pelo oficial, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Sentença de procedência mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0001532-10.2014.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante AUTOVIAS S/A, é apelado 2° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE ARARAQUARA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 16 de outubro de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
VOTO N° 34.087
Registro de imóveis – Dúvida – Carta de sentença extraída de ação de desapropriação – Imóvel localizado em área rural – Necessidade de apresentação de certidão do INCRA de que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas – Exigência correta apresentada pelo oficial, em observância aos princípios da legalidade e da especialidade objetiva – Sentença de procedência mantida – Recurso não provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araraquara, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da carta de sentença extraída dos autos da ação de desapropriação por utilidade pública, sob o fundamento de que o § 3° do artigo 225 da Lei de Registros Públicos dispõe que em se tratando de título derivado de autos judiciais referente a imóveis rurais, deve ser providenciada a certificação com precisão posicional pelo INCRA, e de que o fato de se tratar de modo originário de aquisição da propriedade não dispensa o atendimento ao princípio da especialidade objetiva.
A apelante afirma que a desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, o que significa inexistir qualquer vínculo com o título anterior de propriedade, conforme precedentes e doutrina neste sentido. Diz que não se aplica ao caso em tela o artigo 2º do Decreto n° 5.570/2005, que alterou o Decreto nº 4.449/2002, porque a ação de desapropriação não tem por escopo e nem versa sobre a identificação de um imóvel rural, seus limites e confrontações, e sim sobre a incorporação do bem ao patrimônio público, e que a situação seria diversa se se tratasse, por exemplo, de ação de retificação de área. Acrescenta que não se aplica ao caso vertente os parágrafos 5º e 6º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos, porque a exigência de apresentação de parecer do INCRA certificando que a ‘poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas’, é prevista apenas para as hipóteses do parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal, cujo rol é taxativo e não inclui a desapropriação, e que o imóvel está perfeitamente identificado e individualizado, portanto, não há que se falar em violação do princípio da especialidade.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
Não se controverte que a desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade e que não há vínculo com o título anterior de propriedade, porém, tal situação não dispensa o Oficial do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, à luz dos princípios que regem os registros públicos.
Os dispositivos legais transcritos pelo Oficial para justificar a exigência, além do artigo 176 e §§ 5º e 6º, da Lei 6.015/73, indicado na nota de devolução, são o artigo 9º e §1°, do Decreto n° 4.449/2002, e o artigo 2º do Decreto n° 5.570/2005, que alterou o Decreto n° 4.449/2002, que assim dispõem, respectivamente:
“Art. 9º – A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art.176 e do § 3° do art. 225 da Lei n° 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitada e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive manual técnico, expedido pelo INCRA.”
“§ 1º – Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.”
“Art. 2° – A identificação do imóvel rural objeto de ação judicial, conforme previsto no § 3° do art. 225 da Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, será exigida nas seguintes situações e prazos:
I – imediatamente, qualquer que seja a dimensão da área, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto;
II – nas ações ajuizadas antes da publicação deste Decreto, em trâmite, serão observados os prazos fixados no art. 10 do Decreto n° 4.449, de 2002.”
Verifica-se pelos documentos apresentados que o imóvel desapropriado está localizado em área rural, e, o fato de se tratar de ação de desapropriação, não dispensa, a exemplo da ação de usucapião e outras que consistem em forma originária de aquisição da propriedade, a apresentação de memorial descritivo e planta, para a perfeita caracterização e individualização do imóvel, tanto que tal providência foi tomada pela apelante no curso da ação, em cumprimento às prescrições legais, portanto, não há que se falar em não aplicação dos dispositivos legais acima mencionados e na desnecessidade de observar o princípio da especialidade objetiva para permitir o ingresso do título no fólio real.
Este é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura e da doutrina, como consta da Apelação Cível n° 0001027-46.2011.8.26.0062, julgada em 17/1/13, e que teve como relator o então Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Renato Nalini, cuja cópia foi juntada pelo Oficial suscitante a fls. 59/60, na qual vários precedentes neste sentido são mencionados, além da menção ao magistério de Miguel Maria de Serpa Lopes, para quem é exigível ‘o requisito da individuação da coisa desapropriada’, nada obstante a aquisição originária da propriedade (Tratado de Registros Públicos”, 3ª ed. Rio de Janeiro, p. 174).
Afrânio de Carvalho, na clássica obra “Registro de Imóveis”, ao tratar do tema da especialidade objetiva, ensina que “O mandamento da individuação do imóvel, lançado no regulamento dos registros públicos, abrange tanto os atos contratuais como os judiciais, e é vazado em termos, ao mesmo tempo, peremptórios e claros, pois indicam o meio pelo qual deve fazer-se a individuação. Devido à sua objetividade, torna-se fácil cumprir o preceito, que requer o suficiente para identificar o imóvel, tanto rural, como urbano…”, e que “Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, rurais e urbanos, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”. Mais adiante, o menciona autor conclui: “Assim, o requisito registral da especialização do imóvel, vertido no fraseado clássico do direito, significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro. O corpo certo imobiliário ocupa um lugar determinado no espaço, que é o abrangido por seu contorno, dentro do qual se pode encontrar maior ou menor área, contanto que não sejam ultrapassadas as reais definidoras da entidade territorial.” (Editora Forense, 4ª ed., p. 206).
O título apresentado para registro não observa o princípio da legalidade, pois, ainda que, apenas a título de argumentação, se considere não aplicável ao caso ora examinado os parágrafos 5º e 6º do artigo 176 da Lei 6.015/73, sob o argumento da apelante de que o § 3º deste mesmo dispositivo legal é restrito aos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento, não há dúvida de que se aplica o § 3° do artigo 225 da mesma Lei, o qual, a exemplo do citado artigo 176, está previsto no artigo 9º do nº 4.449/2002, além de o artigo 2º do Decreto nº 5.570/2005, que alterou o Decreto n° 4.449/2002, também trazer previsão da necessidade de identificação do imóvel, nos termos do mesmo § 3° do artigo 225 da Lei de Registros Públicos, e que assim dispõe: “Nos autos judiciais que versam sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidas a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a 4 (quatro) módulos fiscais.”
A exigência legal de apresentação do certificado do INCRA e que tem o fim verificar se a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra e se este atende às exigências técnicas, visa atender e incrementar a especialização objetiva.
Neste mesmo sentido foi decidido na Apelação Cível n° 0000002-95.2011.8.26.0450, julgada em 13/12/2012, cujo relator foi o então Corregedor Geral da Justiça Desembargador José Renato Nalini, ao tratar do tema em caso análogo e referente à ação de usucapião, transcrito no r. parecer da digna Procuradora de Justiça:
‘(…) O georreferenciamento almeja a evolução do registro imobiliário, impondo a necessidade de certificação técnica antes do ingresso do título judicial. Jomar Juarez Amorin destaca essa importância nos seguintes termos: No plano jurídico, o georreferenciamento pode ser conceituado como técnica descritiva aplicável aos imóveis rurais, para fins cadastrais. A consequência inegável é o incremento da especialização objetiva do registro imobiliário; ou seja: com a aplicação da descrição georreferenciada se alcança um novo nível de linguagem na especialização do bem matriculado. (…) Antes de ingressar na matrícula como linguagem técnico-descritiva, o georreferenciamento deve ser precedido de ato administrativo de certificação. Assim, o memorial descritivo acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica é exibido ao INCRA pelo profissional previamente credenciado, para que o órgão federal certifique principalmente a inexistência de sobreposição na linha poligonal (A retificação de registro imobiliário e o georreferenciamento ao sistema geodésico brasileiro. In: Direito imobiliário brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.1134). Nestes termos, o registro da sentença deve ser precedido do ato administrativo da alçada da autarquia federal. (…)’ (DJ: 22/02/2013).
À vista do exposto, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(D.J.E. de 03.12.2014 – SP)