CGJ|SP: Pretensão de transcrição de certidão de casamento realizado na Califórnia e de averbação de regime de bens constante de pacto antenupcial realizado no Brasil – Pacto pós nupcial realizado na Suíça – Não demonstração, pelo direito internacional aplicável, de que o pacto brasileiro estaria em vigor, em detrimento do pacto suíço – Averbação negada – Recurso improvido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Proc. n. 2014/00076401
(307/14-E)

Pretensão de transcrição de certidão de casamento realizado na Califórnia e de averbação de regime de bens constante de pacto antenupcial realizado no Brasil – Pacto pós nupcial realizado na Suíça – Não demonstração, pelo direito internacional aplicável, de que o pacto brasileiro estaria em vigor, em detrimento do pacto suíço – Averbação negada – Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso interposto contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro Civil de Pessoas Naturais do 1º Subdistrito da Sé que indeferiu pedido de averbação de pacto antenupcial firmado no Brasil, referente a casamento realizado nos Estados Unidos da América.
Sustenta a recorrente que a Resolução 155/2012 do Conselho Nacional de Justiça permite a posterior averbação do regime de bens, mediante a apresentação da documentação comprobatória, inclusive nos casos em que há omissão quanto ao regime de bens no assento de casamento celebrado no exterior (fls. 47/55).
A Douta Procuradoria opinou pelo provimento do recurso, com a observação de que os documentos expedidos no exterior devem previamente ser registrados no Registro de Títulos e Documentos (fls. 69/73).
A recorrente foi instada a melhor comprovar o Direito Internacional incidente (fls. 89/84).
Vieram aos autos os documentos de fls. 88/96.
E o relatório.
No pedido inicial feito pela parte ao registrador constou a pretensão de transcrição da certidão de casamento, além da averbação do regime de bens (fls. 02).
Entretanto, apenas a averbação foi objeto da consulta, de forma que a sentença também se limitou a decidir sobre tal possibilidade apenas.
O casal celebrou um pacto antenupcial no Brasil, optando pelo regime da separação absoluta de bens da lei brasileira (fl. 12). Casou na Califórnia, EUA, sem menção a qualquer regime de bens (fls. 05/10).
Posteriormente o casal celebrou na Suíça um acordo pós nupcial, estabelecendo o regime da separação de bens da lei suíça (fls. 13/16).
Assim, há de ser observada a legislação californiana, pois o casal morava lá quando da celebração. Incide o art. 7°, §4°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílios, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio do casal”.
A questão não se limita apenas à aplicação ou não, pelo Direito Californiano, de um pacto nupcial realizado em outro país e cuja menção não consta na certidão de casamento. Mas, mais que isso, qual acordo nupcial é aplicável, considerando que, no caso dos autos, há dois.
Com relação à aceitação, pelo Direito Californiano, de pactos nupciais realizados no exterior e que não constaram da certidão de casamento, a parte apresentou um trecho do Código de Família da Califórnia, mais precisamente o art. 1.615, o qual lista hipóteses nas quais um pacto antenupcial não seria válido. Complementou a informação trazendo a resposta de um advogado norte-americano, no sentido de que, pelas leis californianas, seriam aplicáveis as disposições do acordo pré-nupcial brasileiro (fls. 90/94).
Ocorre que tanto a legislação trazida quanto a resposta do advogado norte-americano passam ao largo da aplicabilidade do pacto realizado na Suíça posteriormente.
Apesar de não ter sido trazido aos autos pela parte, extrai-se do art. 1614 do Código de Família da Califórnia, em tradução livre, que “depois do casamento, um acordo pré-nupcial só pode ser emendado ou revogado por um acordo escrito entre as partes.”1
Se o artigo de lei estabelece a forma com a qual um acordo pode ser modificado (só por forma escrita), é porque admite modificações pelas parles.
Isso é de suma importância no caso dos autos, em razão de algumas especificidades da redação do acordo pós-nupcial realizado na Suíça.
A despeito de tal acordo ter repetido, nominalmente, ser o regime de bens do casal o da “separação”’, não se conhece o teor da legislação suíça o alcance do conceito lá.
No pacto suíço consta: “(…) iremos tratar de todos os nossos assuntos relativos às propriedades conjugais de acordo com as leis suíças, independentemente de qualquer mudança de residência para outro país, e escolhemos como nosso regime de bens a Separação de Bens, de acordo com o art. 247 e seguintes do Código Civil Suíço” (fl. 13).
“A separação de bens de acordo com as leis suíças será aplicada a nós em qualquer hipótese, com efeito, a partir da data do casamento acordado, e continuará, sendo aplicada e válida em qualquer jurisdição em que mantivermos nossa residência futuramente” (fl. 14).
No referido pacto também se verificam outras várias menções ás leis suíças.
Superada a questão de ser permitida, pela legislação californiana, a realização de pactos em outros países (como informado pelo advogado norte-americano) e de serem válidos mesmo sem a menção na certidão de casamento (que sequer dispõe de espaço próprio para a informação), tem-se que no caso dos autos tudo está a indicar que o pacto em vigor seria o suíço.
Nesse sentido, a despeito da existência do art. 1.614 do Código de Família da Califórnia, a parte não demonstrou como cotejá-lo com o restante do sistema (em que circunstâncias um pacto pós-nupcial alterando o anterior não seria válido).
Na consulta feita ao advogado norte-americano, embora se tenha mencionado brevemente a existência de um pacto pós nupcial, não se esclareceu o seu teor e as diversas disposições de que a separação de bens da lei suíça se aplicaria, e de que o casal se comprometeu a tratar todos os seus “assuntos relativos às propriedades conjugais de acordo com as leis suíças”.
Aliás, a consulta foi arrematada da seguinte forma:
“(…) o consultamos, por ser especialista em Direito Familiar, o qual possui amplo conhecimento nesta área, se neste caso o pacto antenupcial que foi executado no Brasil perdeu o seu vigor, uma vez que não foi mencionado ou referido na Certidão de Casamento da Califórnia” (fl. 93) (negritei).
E o advogado americano não abordou a questão do pacto suíço em sua resposta, limitando-se a, singelamente, dizer que o Judiciário Californiano aplicaria o pacto antenupcial brasileiro.
Quando o julgamento foi convertido cm diligência, concedeu-se prazo à parte nos seguintes termos:
“Concede-se à parle o prazo de 30 dias para a devida demonstração, pelo Direito Californiano, de que pacto realizado no exterior se aplica Independentemente de qualquer registro ou menção nos EUA e, ainda, qual dos pactos se aplica(11.89).
Assim, como já dito acima, ainda que se acolham os argumentos de que um pacto realizado no exterior é aplicável na Califórnia e de que para isso ele não precisa constar da Certidão de Casamento Californiana, nem ser lá registrado (no que há amparo também da Resolução 155/2012 do CNJ), forçoso concluir que a parte não demonstrou a contento qual dos pactos, no caso dos autos, estaria em vigor, se o brasileiro ou se o suíço, tudo indicando ser este último.
E, sendo assim, não há como se deferir a averbação do regime de bens do pacto brasileiro.
Pelo exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso.
Sub censura.
São Paulo, 13 de outubro de 2014.
Gabriel Pires de Campos Sormani
Juiz Assessor da Corregedoria
1 1614.  After marriage, a premarital agreement may be amended or revoked only by a written agreement signed by the parties. The amended agreement or the revocation is enforceable without consideration. (http://leginfo.ca.gov/cgi-bin/displaycode?section=fam&group=01001-02000&file=1610-1617).
CONCLUSÃO
Em 10 de outubro de 2014, faço estes autos conclusos ao Desembargador HAMILTON ELLIOT AKEL, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Eu, _______(Juliana das Graças Alves), Escrevente Técnico Judiciário do GATJ 3, subscrevi.
Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento do recurso.
Publique-se.
São Paulo, 16 de outubro de 2014
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça