Agradecemos a todos os palestrantes e participantes que vieram refletir conosco sobre o Testamento e as Diretivas antecipadas de vontade

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1. Discurso de Abertura

O tabelião diante da morte – Introdução

Abro este dia de reflexão e debate sobre o Testamento e as Diretivas Antecipadas de Vontade fazendo um crédito. O título de nosso encontro, O tabelião diante da morte, é baseado num ensaio clássico do historiador Phillipe Ariès, denominado O “Homem diante da Morte”, cuja leitura recomendo a todos.

Hoje em dia, a morte, nossa única certeza da vida, é camuflada, assusta e amedronta. A nossa civilização, tão avançada em tecnologia, evita o ensino e a preparação para o momento final. Assim, a grande maioria de nós aprende a morrer através da fé, da doutrina religiosa. Outros tantos, morrem sem reflexão e alguns poucos recepcionam a morte através da filosofia.

No dia em que me tornei tabelião comecei a refletir sobre a morte. Não há como evitar pensar sobre o fim quando você elabora um ato para uma pessoa dispor de seu patrimônio para após a morte, mesmo que quase todos os testadores que recebo estejam com boa saúde. Junto a eles, elaboro a peça jurídica, o testamento, tangenciando o roteiro em direção à morte.

O que eu aprendi sobre a morte, em 14 anos de profissão, ao lavrar mais de 2.500 testamentos e ao me dedicar ao seu estudo, confesso, com certa nonchalance? Desculpem a pretensão, e a obviedade, mas a morte é o caminho da vida e, como ela, pode ser doce ou amarga. Ainda que o Destino nos reserve a pior das mortes sobre o ponto de vista físico, seja trágico, prematuro, ou dolorido, preparar-se para morrer alivia, atenua, conforta.

O que me leva ao nosso outro tema, o testamento vital, ou como preferiu denominar o Conselho Federal de Medicina, as Diretivas Antecipadas de Vontade. Este é um novo instrumento jurídico que uma pessoa dispõe para orientar os médicos, seus familiares e amigos sobre como deseja o seu tratamento de saúde nos momentos finais. Em tempos em que o avanço da Medicina nos proporciona uma existência mais duradoura e com melhor saúde, é importante delimitar o momento em que a vida só existe por obstinação da técnica médica, quando é hora de partir, e como expirar o último ar.

As diretivas antecipadas de vontade, instrumento relativamente novo no mundo inteiro, necessitam regulamentação no Brasil. Para tanto, precisamos debater o assunto, com a participação e integração de profissionais da saúde e do direito. Há um direito a morrer com dignidade? É possível escolher o próprio meio de morrer e seu momento? Estas e tantas outras questões eu espero ver debatidas aqui para que aprofundemos nossa consciência sobre a morte, sobre o tratamento médico e sobre as ferramentas jurídicas que podem colaborar para que os brasileiros sigam a vida para a morte boa.

Celebramos hoje os 50 anos de existência do 26º Tabelião de Notas de São Paulo, este não ser. Creio que todos sabem que um tabelionato não tem existência, o que existe é o tabelião e sua equipe de auxiliares. Mesmo assim, eu entendi que devia celebrar o aniversário desta ficção, o tabelionato, para homenagear os quatro tabeliães e todos os seus 165 colaboradores que nos antecederam.  Através do estudo e trabalho de todos eles, e da equipe atual, que conta com 101 trabalhadores, há alma no 26º Tabelião, é possível ver vida em cada uma das linhas de seus livros, imaginar a alegria das pessoas em cada uma das casas que foram vendidas e compradas nas escrituras do vigésimo sexto.

Ao 26 e sua alma, meu reconhecido agradecimento. Agradeço a presença do Dr. Nalini, este titã intelectual e físico, um líder com a grandeza do maior tribunal de justiça do mundo que, generosamente, nos agraciará com o seu pensamento jurídico-filosófico sobre a morte.

Agradeço também, a presença e pensamento dos demais palestrantes, também generosos em contribuir para a reflexão e o debate.

Espero que este encontro nos faça, todos, mais tranquilos sobre a morte e seus aspectos jurídicos. E, seguindo a poesia e lição do Dr. Nalini, proponho que vejamos a morte como “o ponto de convergência de uma bela aventura”.

Muito obrigado pela presença de todos vocês.

 2. Questões propostas

 Diretivas Antecipadas de Vontade

 – É difícil ao profissional, médico, advogado, notário, encarar a dor e o sofrimento e a inevitabilidade da morte. É possível ficar confortável ao atender um paciente-cliente nestas condições? Como? Por que não?

 – Que desafios a diretiva antecipada de vontade (DAV) trás para o profissional da saúde?

 – A fé religiosa pode influir na decisão do médico?

– As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) são pensadas para duas situações: a) Impossibilidade de manifestar a vontade, e b) Indicações aos profissionais da saúde para a morte sem dor. São somente estas as situações? Há outras, como por exemplo, o paciente que pede a distanásia, ou seja, o tratamento a qualquer custo, mesmo com dor? É possível a DAV coexistir com a possibilidade do paciente estar consciente?

– Se há uma DAV, ela será cumprida?

– Como confiar na DAV? A forma do documento importa? Um manuscrito sem assinatura vale? Com assinatura? Com firma reconhecida? Uma escritura pública? A cópia de outro prontuário médico?

– Se a pessoa indicada para tomar as decisões médicas não for familiar, isto será aceito pelo corpo médico? E se a família for contra as decisões da pessoa indicada?

– Quais a recusas possíveis? Transfusão? Transplante? Amputação? Ventilação? Etc.

– A DAV pode prever a remoção do paciente para um país onde a eutanásia seja admitida justamente porque este é o desejo do paciente? A DAV com tal disposição, é legal? Seria cumprida pelo corpo médico, com a liberação do paciente para transporte?

– Em que casos a escusa de consciência pode ser aplicada?

– Há casos, noticiados ou julgados, de responsabilização civil ou criminal do corpo médico por atender, ou deixar de atender, uma diretiva antecipada de vontade?

 – Que desafios a diretiva antecipada de vontade (DAV) trás para o meio jurídico?

 – É válida e eficaz sem lei? Necessitamos de uma lei?

– Qual a melhor forma? Prontuário médico? Instrumento particular simples ou com firma reconhecida? Escritura pública?

– Seria importante uma Central Nacional de Diretivas Antecipadas? A cargo de algum órgão do governo? Do CFM? De uma entidade particular?

– A DAV poderia conter outras disposições, como por exemplo, um mandato para os negócios ou para a vida privada? Que limites teria este mandato? O mandato poderia iniciar quando há a perda da possibilidade de manifestar a vontade?

– O médico que pratica a ortotanásia comete algum crime? E se o procedimento for oposto pelos familiares?

– O médico que não respeita uma DAV comete algum crime?

– Existe o direito à morte? Quais os limites? Se existe, porque não permitir o suicídio?

 Testamento – questões formais:

 – As declarações do testador devem ser orais ou podem ser apresentadas por escrito? A pessoa que teve um AVC e não fala, se exprimindo por gestos, respondendo a perguntas feitas pelo tabelião, pode testar?

– Cidadão chinês não fala ou entende uma palavra de português. Deseja fazer um testamento público com a presença de um tradutor público juramentado. Pode? E se o tradutor não for juramentado?

– Cidadão argentino somente fala espanhol. O tabelião entende tal idioma e traduz o testamento que lavra ao argentino. É válido este testamento?

– Qual o critério legal para ser testemunha de testamento? Parente não contemplado pode ser testemunha?

– O testador está na UTI do hospital. Um dos filhos o acompanha e contata o tabelião, informando os desejos do testador – que o contemplam. Este redige o instrumento de acordo com estas declarações, imprime o ato e leva ao hospital. Lá, ouve do testador as mesmas informações dadas pelo filho, confirmando a sua vontade. O testamento é lido e assinado, na forma legal. É válido tal procedimento?

– Segundo o CC, art. 1865, as testemunhas do testamento são instrumentárias. Isso significa que elas estão presentes para autenticar os requisitos do testamento – presença, autoria, capacidade, discernimento, vontade do testador, compreensão das solenidades do ato, assinatura. Alguma outra ação se exige das testemunhas?

– Funcionários do tabelião podem ser testemunhas do testamento?

– Hoje, os tabeliães substitutos podem lavrar testamentos. Um tabelião tem 3 tabeliães substitutos. Eles podem lavrar, cada um, um testamento, ao mesmo tempo?

– O testador pode filmar o testamento? E o tabelião, com autorização do testador, pode? E sem a autorização?

– O testamento pode ser eletrônico e assinado digitalmente por todos, na forma da MP 2.200-2/2001?

– O tabelião pode guardar o testamento cerrado que aprovou?

– O tabelião pode ser indicado testamenteiro?

– O testamento é ato público com publicidade contida por interpretação das normas das CGJ de vários Estados brasileiros (RS, SC, PR, SP, MG, dentre outros). Há, ainda, controvérsia de que o testamento de pessoa viva somente pode ser revelado a ela ou a pessoa autorizada por ela? O testamento de pessoa morta é amplamente público ou somente à certas pessoas deve ser revelado (testamenteiro, testemunhas, herdeiros legais ou testamentários, viúva/viúva, MP, juiz)?

– A ação de registro de testamento (CPC, arts. 1.125 e seguintes) não poderia se limitar apenas ao testamento cerrado?

 Testamento – questões materiais:

 – O testador tem 96 anos e se relaciona como qualquer pessoa. É necessário um atestado médico? Em que casos é necessário um atestado médico? Se a resposta é positiva, deve o tabelião arquivá-lo?

– Segundo Zeno Veloso (Testamentos de acordo com a Constituição de 1988, p. 428), “o Código Civil é, ainda, a mais volumosa e intensa fonte do direito de família. Porém, a Constituição é a mais importante.” Neste sentido, seria possível o testamento do incapaz, da pessoa de 62 anos, com o mal de Alzheimer, através de seu curador? Que princípios constitucionais poderiam flexibilizar as diretrizes do Código Civil quanto à capacidade de testar?

– Segundo o CC, art. 1.863, é proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo. Quer dizer que o marido não pode testar a favor da esposa e vice-versa? E se forem sócios ou amigos?

– É possível o “trust” no direito brasileiro? Pode-se utilizar a constituição de renda (CC, art. 803) para realizar um “trust”? Este trust, sendo a favor dos herdeiros necessários, pode contemplar a totalidade da herança? Se a resposta for não, é não mesmo que os herdeiros concordem? Se a resposta for sim, e se os herdeiros não concordarem?

– O testador pode impor pena para o herdeiro necessário que não concordar com as disposições testamentárias, contestando o ato judicialmente, tolhendo-lhe um quinhão da parte disponível?

– Um testador tem um bilhão de reais em patrimônio. Uma holding familiar, com capital inscrito de R$ 3.000, controla todo o patrimônio. É possível deixar a totalidade do capital desta holding para apenas um dos herdeiros necessários? Se a resposta for não, qual a responsabilidade do tabelião que lavra tal ato?

– O testador é sócio de empresa que tem um acordo de acionistas (ou deliberação constante do contrato social) que impede a presença de herdeiros na empresa. Ele, portanto, exclui da herança tais cotas sociais. Esta disposição é válida e eficaz? O inventário dos bens deve informar tais cotas como um direito resolúvel extinto?

– É válido o acordo de acionistas ou quotistas que determina aos sócios fazerem testamentos seguindo uma certa linha de disposição patrimonial (sem ofensa à legítima)?

– O planejamento sucessório virou estratagema jurídico da moda. Hoje em dia não se fala mais em testamento, mas numa composição de doações em vida, constituição de empresas ou holdings, com ou sem a presença dos herdeiros, além, claro, do testamento. Quais são os limites do planejamento sucessório?

– Uma senhora de 96 anos casa-se com jovem de 36 anos. Em testamento, deixa a totalidade do usufruto de todos os bens da herança para o seu marido, informando que se trata de 34% por cento da herança, portanto, da parte disponível. Esta disposição é válida? E se não tivesse havido casamento, se houvesse uma união estável?

– Deserdação. Caracteriza a injúria grave (CC, art. 1.962, inc. II) o afastamento dos filhos que não respondem aos contatos do pai e recusam-se a encontrá-lo por cinco anos? E quanto ao filho que não atende ao ascendente, em caso de enfermidade grave que o leva à morte?

– A renúncia à herança por parte do herdeiro indigno afasta a necessidade da ação prevista no CC, art. 1.815? E a transação feita pelos herdeiros, em escritura pública, pela qual o indigno reconhece que não tem direito à herança?

– Qual a sua experiência com os testamentos cerrados? Há sinistralidade? Eles tem sido cumpridos? São instrumentos sólidos?

– O testador tem bens no Brasil, Argentina e EUA. Faz um testamento no Brasil, informando que tem outros testamentos nos demais países e que eles são autônomos. Não menciona, no testamento brasileiro, a totalidade do patrimônio, de modo que é impossível apurá-lo. Este testamento é válido e será eficaz? Como proceder?

– Afinal, o que é uma justa causa para a imposição de cláusulas restritivas (CC, art. 1.848)? Um relacionamento homossexual do descendente, ao qual o ascendente se opõe por motivos religiosos, pode justificar a imposição da cláusula de incomunicabilidade?

– O testador pode indicar uma pessoa para extinguir as cláusulas restritivas, a qualquer tempo e a seu critério?

– Impostas as cláusulas restritivas por pai e mãe, cada qual em seu testamento, morre o pai. Os filhos recebem os bens clausulados. Pode a mãe, autorizada pelo marido no respectivo testamento, extinguir tais cláusulas?

3. Currículo Palestrantes

Palestra de abertura

Desembargador José Renato Nalini

Desembargador, Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, doutor em Direito Constitucional, professor, pensador, escritor, foi presidente da Academia Paulista de Letras. Tem 42 livros publicados e participação em outras 118 obras literárias. Tem aproximadamente 1.500 artigos publicados em jornais e revistas.

Diretivas Antecipadas de Vontade – Palestrantes

Dra. Livia Maria Armentano Koenigstein Zago

Doutora em Direito, Professora de Direito Público e Direito Administrativo, escritora com obras publicadas e participação em outros 20 livros. Tem 50 trabalhos técnicos publicados e apresentou 44 trabalhos em congressos e seminários. Membro da CONEP- Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, membro da Câmara Técnica de Bioética do Conselho Federal de Medicina.

Dr. Cleiton Francisco Piccini

Bacharel em Direito, médico residente em Ortopedia e Traumatologia, Membro do NuBio – Núcleo de Bioética da Universidade do Oeste de Santa Catarina, UNOESC. Pós-graduado em Medicina do Trabalho e Psiquiatria.

Dr. Antonio Pereira Filho

Professor em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo e Conselheiro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, CREMESP, onde é coordenador da Câmara Técnica de Bioética.

Dr. Paulo Roberto Gaiger Ferreira

Tabelião de notas, jornalista, autor de obras de direito notarial, conselheiro da União Internacional do Notariado, membro da Comissão de Estudo das Diretivas Antecipadas de Vontade do Colégio Notarial do Brasil.

Testamento – Palestrantes

Dr. Ricardo Pereira Junior

Doutor em Filosofia do Direito, juiz da 12ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, Coordenador do Centro Judiciário de Solução de Litígios e Cidadania da Capital – CEJUSC. Professor de Direito Processual Civil, juiz Instrutor do Conselho Nacional de Justiça.

Dr. Antônio Carlos Alves Braga Junior

Juiz da 7ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Paulo, assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo para a Tecnologia da Informação, foi juiz assessor da Presidência do Conselho Nacional de Justiça e também da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, onde participou da elaboração de avanços para a área notarial e registral, notadamente o Registro Eletrônico de Imóveis, a regulamentação dos Títulos Notariais Digitais, a Materialização e Desmaterialização de Documentos pelo Serviço Notarial e a expedição de Cartas de Sentença pelo tabeliães de notas.

Dra. Helena Campos Refosco

Doutoranda na área de direitos humanos pela Universidade de São Paulo com estudos sobre o acesso à justiça e a reforma do Poder Judiciário. É Juíza de Direito titula da 4ª Vara Cível de Santo Amaro. Até março de 2014, foi juíza auxiliar na 7ª Vara da Família e das Sucessões de São Paulo, como juíza auxiliar.

Dr. Christiano Cassetari

Mestre e Doutor em Direito Civil, especialista em Direito Notarial e Registral, Diretor do IBDFAM-SP (Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seccional de São Paulo), advogado militante. É professor de Direito Civil e Processo Civil, coordenador de cursos de pós graduação em Direito Imobiliário. Conferencista, é escritor e autor de diversas obras jurídicas.

Dr. José Flávio Bueno Fischer

Tabelião de notas em Novo Hamburgo, professor, pósgraduado em Direito Civil, escritor, autor de obras de Direito Notarial. Foi presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Novo Hamburgo, do Colégio Notarial do Brasil, do Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil, e hoje exerce o segundo mandato como vice-presidente da União Internacional do Notariado.