TJ|MG: Agravo de instrumento – Inventário – Direitos sucessórios – Cônjuge sobrevivente – Regime da separação convencional de bens – Artigos 1.829, inciso I e 1.845, ambos do CC/02 – Interpretação – Cônjuge como herdeiro legítimo e necessário, em concorrência com os herdeiros do autor da herança – Habilitação no inventário – Necessidade.

EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – DIREITOS SUCESSÓRIOS – CÔNJUGE SOBREVIVENTE – REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/02 – INTERPRETAÇÃO – CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA – HABILITAÇÃO NO INVENTÁRIO –NECESSIDADE. A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão. (TJMG – Agravo de Instrumento nº 1.0701.13.009162-5/001 – Uberaba – 1ª Câmara Cível – Rel. Des. Geraldo Augusto – DJ 12.12.2013)
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em DAR PROVIMENTO AO AGRAVO.
DES. GERALDO AUGUSTO – Relator.
RELATÓRIO E VOTO
DES. GERALDO AUGUSTO (Relator):
Conhece-se do recurso, presentes os requisitos à sua admissibilidade.
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que, nos autos do inventário dos bens deixados por Carlos Maria do Nascimento Neto, indeferiu o pedido de habilitação no inventário, formulado pela cônjuge supérstite Nilva de Oliveira Nascimento, ora agravante, porquanto casada com o inventariado sob o regime da separação total convencionada em pacto antenupcial (ff.17/21-TJ).
Inconformada recorre a agravante às ff.02/14-TJ, alegando, em síntese, que a cônjuge sobrevivente, casado no regime da separação convencional de bens, é herdeiro em concorrência com os descendentes do falecido, nos termos do art.1.829 do CC/02 e da doutrina e jurisprudência majoritárias; que foi casada com o de cujus por mais de 35 (trinta e cinco) anos. Requer, portanto, seja dado provimento ao recurso a fim habilitá-la nos autos do Inventário.
Às ff.48/48v-TJ foi concedido efeito ativo ao agravo.
Contraminuta, em resumo, pelo desprovimento do recurso (ff.54/64-TJ).
É o breve relatório.
Examina-se o recurso.
De início, cumpre salientar que a controvérsia objeto deste recurso, restringe-se a analisar se a cônjuge supérstite, ora agravante, casada com a de cujus pelo regime da separação convencional de bens, concorre com os descendentes na herança deixada pelo falecido.
Depreende-se dos autos que a agravante casou-se com Carlos Maria do Nascimento Neto em 07/07/1977, pelo regime da separação de bens (certidão de casamento de f.32-TJ), casamento que se findou pelo falecimento deste, em 14/02/2013 (certidão de óbito de f.33-TJ).
Constata-se que o MM. Juiz de Direito “a quo”, baseando-se na decisão prolatada pela Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 992.749/MS, concluiu que a cônjuge sobrevivente não tem direito à concorrência sucessória se o casamento era disciplinado pelo regime da separação convencional de bens.
Em que pese o respeito a tal entendimento, ouso dele divergir.
Com efeito, há acirradas opiniões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da correta interpretação do disposto no art.1.829, inciso I, do CC/02, segundo o qual a sucessão legítima será deferida, em primeira linha, “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;”
Como visto, tal artigo disciplina a concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do falecido, vinculando-a ao regime de bens adotado pelo casal. Dessa forma, não há dúvidas de que o CC/02 elevou o cônjuge à condição de herdeiro necessário (art.1829, III c/c art.1845, ambos do CC/02), contudo, havendo descendentes do autor da herança, sua participação na sucessão, em concorrência com estes, dependerá do regime de bens do casamento.
Nesse sentido, estabelece o art.1829, I, que não haverá concorrência, isto é, o cônjuge não herdará, se o regime de bens era o da comunhão universal, o da separação obrigatória, ou se, no regime da comunhão parcial de bens, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Explicam-se tais ressalvas legais pelo fato de que na primeira e na última hipóteses o cônjuge já é meeiro dos bens deixados pelo falecido, e na segunda hipótese porque a impossibilidade de comunhão de bens decorre de imposição legal.
Especificamente sobre a concorrência sucessória do cônjuge casado pelo regime da separação convencional de bens, há pelo menos duas correntes de pensamento, como bem afirmou a Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial acima citado.
De um lado está a doutrina majoritária, que se posiciona no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro concorrente, principalmente porque esse regime de bens não constou da ressalva prevista no art.1.829, inciso I, do CC/02 e, como sabido, as exceções interpretam-se restritivamente.
Do outro lado está a doutrina minoritária, dentre eles Miguel Reale, que argumenta que a separação obrigatória prevista neste artigo é um gênero, comportando duas hipóteses: uma delas é a prevista no art.1641, parágrafo único, do CC/02 (regime da separação legal de bens), e a outra é a estipulação feita pelos nubentes antes do casamento (regime da separação convencional de bens). Assim, ambas as hipóteses estariam abrangidas pelo art.1.829, I, e em nenhuma delas o cônjuge seria herdeiro necessário do autor da herança.
Adotando essa interpretação, a Ministra Relatora concluiu que “não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário”
Entretanto, essa decisão não pode ser tomada como paradigma para todas as situações que envolvem o direito à concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional de bens, uma vez que o Recurso Especial em comento abrangia situação fática peculiar e específica, o que foi inclusive ressaltado pela e. Relatora. De fato, consta de seu voto a seguinte passagem: “Ao volver os olhos para o processo em análise, imprescindível auscultar a situação fática vivenciada pelo casal (…): (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.”
Ora, a hipótese destes autos é diametralmente oposta, notadamente porque a agravante e o de cujus foram casados por mais de 35 (trinta e cinco) anos.
Nesse contexto, mister afirmar que a mais adequada interpretação do art.1829, inciso I, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo.
Literal porque, como já afirmado, o regime da separação convencional de bens não foi previsto como exceção à regra da concorrência entre cônjuge e descendentes. E lógica porque a intenção do legislador ao estabelecer tais exceções foi a de afastar o cônjuge da concorrência com os descendentes quando ele já é meeiro, isto é, o objetivo da lei foi exatamente proteger o cônjuge que não tem direito à meação.
Vale ressaltar que esta conclusão constou expressamente do Recurso Especial nº 1.111.095/TJ, que tratou de matéria semelhante a destes autos, tendo o Relator (Ministro Carlos Fernando Mathias) afirmado que “A alteração engendrada na norma civil, alçando o cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário (art.1845), tem o escopo de protegê-lo nas hipóteses em que desprovido o mesmo de percebimento de eventual meação advinda do regime matrimonial adotado.”
Em abono a tal assertiva, o Ministro João Otávio de Noronha, ao proferir voto-vista, afirmou: “Importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma que, nessa hipótese, o cônjuge concorre com os descendentes e ascendentes, até porque o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar, (em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar.”
Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão.
De fato, a meação é uma espécie de condomínio entre os cônjuges, isto é, é a parcela dos bens do casal reservada para cada um dos consortes, quando o casamento se der sob os regimes de comunhão.
Assim, a contrario sensu, se estipulado o regime da separação de bens, previsto nos artigos 1.687/1.688 do CC/02, caso dos autos, não haverá bens passíveis de integrar eventual meação, cada cônjuge terá livre, exclusiva e integral administração e fruição dos bens que lhe pertence; o patrimônio dos cônjuges é absolutamente distinto, não havendo bens comuns; e os bens particulares serão resguardados de qualquer partilha, fruto de eventual separação.
Contudo, tal regramento não se aplica quando da transmissão desses bens por ocasião da morte de um dos cônjuges, já que o direito à sucessão causa mortis é tutelada por regras próprias, que contém finalidades também específicas. Logo, a depender do caso, pode haver cônjuge meeiro, mas não herdeiro, e cônjuge herdeiro, mas não meeiro.
Ademais, prevê o art.1.845 do CC/02 que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes. Portanto, não poderá o cônjuge ser afastado da sucessão pela simples vontade do sucedido, mas apenas se ocorrer causa de deserdação ou exclusão por indignidade.
Por todo o exposto, deve ser modificada a decisão agravada para que a agravante, cônjuge sobrevivente, seja considerada como herdeira necessária do de cujus, em concorrência com os filhos do mesmo; e, portanto, seja habilitada nos autos do inventário.
Com tais razões, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a decisão agravada e reconhecer que a agravante, cônjuge sobrevivente, é herdeira necessária do de cujus, em concorrência com filhos do mesmo; determinando seja a agravante habilitada nos autos do inventário.
DERAM PROVIMENTO AO AGRAVO.
DESA. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ARMANDO FREIRE – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “DAR PROVIMENTO AO AGRAVO.”
Fonte: Boletim INR – Grupo Serac – nº 6303 – São Paulo, 27 de Fevereiro de 2014