TJ|MG: Apelação cível – Ação de divórcio – Partilha de bem – Regime de casamento – Comunhão universal de bem – Cessação – Separação de fato – Afastamento do marido do lar conjugal – Residência fora do país por dezesseis anos – Partilha do imóvel adquirido após a separação de fato – Exclusão – Recurso provido.

EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA DE BEM. REGIME DE CASAMENTO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BEM. CESSAÇÃO. SEPARAÇÃO DE FATO. AFASTAMENTO DO MARIDO DO LAR CONJUGAL. RESIDÊNCIA FORA DO PAÍS POR DEZESSEIS ANOS. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO. EXCLUSÃO. RECURSO PROVIDO. I. A ruptura efetiva da vida em comum, com aniquilamento da affectio maritalis, coloca termo ao regime de bens do casamento; II. Tendo o Réu se afastado do lar conjugal por 16 (dezesseis) anos, indo morar em outro país, deixando clara a sua intenção de romper a comunhão de vida, na medida em que, nesse tempo, nunca retornou ao menos para visitar a família, os bens que a mulher adquiriu nesse tempo, só a ela pertence com exclusividade. (TJMG – Apelação Cível nº 1.0480.12.002277-1/001 – Patos de Minas – 7ª Câmara Cível – Rel. Des. Washington Ferreira – DJ 25.10.2013)
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. WASHINGTON FERREIRA – Relator.
RELATÓRIO
DES. WASHINGTON FERREIRA (Relator):
Cuida-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto contra a sentença de f. 116-119, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Patos de Minas que, na AÇÃO DE DIVÓRCIO proposta por H.A.X.C. contra W.A.X.C., julgou procedente o pedido inicial decretando o divórcio do casal e determinando, porém, a partilha do imóvel constituído de uma casa situada na Rua Zeca Mota, n. 1.056, bairro Residencial Sorriso, medindo 112,32 m2, tocando a cada cônjuge, a metade do bem. Não houve condenação em custas e honorários.
Inconformada, H.A.X.C. interpôs recurso de apelação e, nas suas razões de f. 122-129 alega que a separação de fato acarretou o fim do regime de bens, de modo que, tendo o Apelado saído de casa e ido morar em outro país, lá permanecendo por longos 16 (dezesseis) anos, o patrimônio adquirido nesse período, só a ela pertence, não devendo, portanto, ser partilhado.
Destaca que o Apelado, enquanto morava nos Estados Unidos da América do Norte, realizava, de fato, remessas esporádicas de dinheiro, mas tão somente para contribuir com o sustendo dos filhos que, à época, eram menores de idade.
Assevera que, tanto a aquisição do terreno, quanto a edificação da casa não contaram com qualquer participação do Apelado.
Diz que todos os seus rendimentos foram vertidos na construção da casa, após a separação de fato.
Bate-se pela reforma da sentença para que seja excluído da partilha o imóvel da Rua Zeca Mota, esquina com Rua São Geraldo, Patos de Minas.
Sem preparo, nos termos da Lei 1.060/50.
Contrarrazões às f. 132-139.
Aberta vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça, por seu Procurador Dr. Geraldo de Faria Martins da Costa, manifestou às f. 146, abstendo-se de opinar, devolvendo os autos para regular processamento.
É o relatório.
VOTOS
Conheço do recurso, pois preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Sem preliminares, passo ao exame do mérito.
A ação é de divórcio direto, mas a matéria devolvida para esse Sodalício envolve exclusivamente questão atinente à partilha do imóvel situado na Rua Zeca Mota, n. 1.056, bairro Residencial Sorriso, medindo 112,32 m2.
Pois bem.
Da análise dos autos, observa-se que H.A.X.C. e W.A.X.C. casaram-se no dia 25 de maio de 1973 e, dessa união, advieram 3 (três) filhos, G.K.A.X.C., nascida em 1º de maio de 1975, F.K.A.X., nascido em 30 de agosto de 1978 e, P.K.A.X., nascido em 30 de novembro de 1986 (f. 10-13).
Em abril de 1995, conforme amplamente noticiado nos autos, o Réu / Apelado W.A.X.C. mudou-se para os Estados Unidos da América, deixando no Brasil sua esposa e filhos.
Posteriormente, H.A.X.C. adquiriu, em 30 de julho de 1996 o lote de terreno situado na Rua Zeca Mota, esquina com a Rua São Geraldo, bairro Residencial Sorriso, em Patos de Minas, e lá construiu uma casa (f. 17-21).
Dezesseis anos mais tarde, W.A.X.C. retorna ao Brasil e, pede a partilha proporcional do imóvel, sob a alegação de que o bem fora construído graças à ajuda financeira que enviava constantemente à sua família, enquanto residia em outro país.
A sentença de f. 116-119 decretou o divórcio do casal e determinou a partilha proporcional do imóvel da Rua Zeca Mota.
As partes, como se infere dos autos, casaram-se pelo regime da comunhão universal.
Há dissenso entre a Autora e Réu, sobre a data da separação de fato. Ela afirma que, com a saída do marido do lar conjugal, em abril de 1995, encerrou-se a vida conjugal. Ele, por sua vez, alega que embora distante por 16 (dezesseis) anos e sem ver a família, se considerava casado, pois “sempre pautou sua conduta no casamento pelo respeito e consideração, que acreditava serem mútuos” (f. 38).
O destaque em torno da separação de fato se afigura de todo pertinente, pois a ruptura efetiva da vida em comum, com aniquilamento da affectio maritalis, também coloca termo ao regime de bens do casamento.
Portanto, para correta solução do presente caso, o que se deve analisar é a extensão do patrimônio até a data em que inaugurada a separação fática, partilhando-se o acervo em partes iguais.
Nesse contexto, importante registrar que na comunhão universal tudo o que foi adquirido pelo casal, nesse âmbito incluídas as respectivas rendas, torna-se comum, isto é, pertence a ambos os consortes, não havendo espaço para que apenas um deles permaneça com a totalidade de certos bens, sem a respectiva compensação na meação do outro, seja qual for o motivo alegado para lastrear tal pretensão.
Mas o regime de casamento, seja ele qual for, cessa com a separação de fato do casal. Sobre o tema, MARIA BERENICE DIAS nos esclarece que:
“Quando cessa a convivência, o casamento não gera mais efeitos, faltando apenas a chancela estatal. O casamento nada mais produz, porque simplesmente deixou de existir. Não há mais sequer o dever de fidelidade, a impedir a constituição de novos vínculos afetivos. Tanto isso é verdade que os separados de fato podem constituir união estável. Só não podem casar. Ou seja, há o impedimento de converter dita entidade familiar em casamento, conforme recomenda a Constituição Federal (art. 226, § 3º).
O fim da vida em comum leva à cessação do regime de bens – seja ele qual for -, porquanto já ausente o ânimo socioafetivo, real motivação da comunicação patrimonial. Esse é o momento de verificação dos bens para efeitos de partilha. […]
Apesar do que diz a lei (CC 1.575 e 1.576) é a data da separação de fato que põe fim ao regime de bens. Este é o marco que finaliza, definitivamente, o estado patrimonial, não tendo nenhuma relevância que seja um período de tempo prolongado. A partir de então, o patrimônio adquirido por qualquer dos cônjuges não se comunica. Dessa forma, após a separação de fato, embora não decretada a separação de corpos nem oficializado o divórcio, os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges só a ele passa a pertencer, ainda que se mantenham legalmente na condição de casados”. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8.ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 301-302) – destaquei.
Em abono, trago à colação os seguintes julgados deste e. Tribunal de Justiça:
AÇÃO DE DIVÓRCIO – SEPARAÇÃO DE FATO COMPROVADA – PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO – APELO – PARTILHA DOS BENS – COMUNHÃO UNIVERSAL – COMUNICABILIDADE DE TODOS OS BENS ADQUIRIDOS ATÉ A SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL – PROCEDÊNCIA DO APELO – REFORMA DA SENTENÇA. (Apelação Cível 1.0183.09.164812-5/001, Relator(a): Des.(a) Brandão Teixeira , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/10/2011, publicação da súmula em 20/01/2012)
DIREITO DE FAMÍLIA – DIVÓRCIO – REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS – SEPARAÇÃO DE FATO HÁ MAIS DE 10 ANOS – PARTILHA DE BENS – HERANÇA – BENS ADQUIRIDOS APÓS A RUPTURA DO RELACIONAMENTO – INCOMUNICABILIDADE – EXCLUSÃO DA PARTILHA – REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. 1 – Estando o casal separado de fato, e sobrevindo herança para uma das partes, os bens adquiridos em razão da sucessão não se comunicam. 2 – Restando assente nos autos que o óbito do genitor do requerido ocorreu após a separação de fato do casal, a sentença que determinou a partilha dos bens havidos por ele da herança deve ser reformada. (Apelação Cível 1.0024.05.661991-9/001, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/04/2011, publicação da súmula em 13/05/2011)
AGRAVO DE INSTRUMENTO -REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL – BEM ADQUIRIDO APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO E AJUIZAMENTO DO DIVÓRCIO – NÃO É PARTILHÁVEL. No regime de comunhão universal, em regra, os bens devem ser partilhados pelo casal, na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada um dos cônjuges. Bem adquirido depois da separação de fato e do ajuizamento do divórcio não deve ser partilhado. (Agravo de Instrumento Cv 1.0114.09.117939-9/001, Relator(a): Des.(a) Edivaldo George dos Santos , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/11/2010, publicação da súmula em 21/01/2011)
DIREITO DE FAMÍLIA – DIVÓRCIO – PARTILHA – BENS ADQUIRIDOS PELO CÔNJUGE VIRAGO APÓS A SEPARAÇÃO DE FATO – INCOMUNICABILIDADE – REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS – IRRELEVÂNCIA – DIREITO DO EX-ESPOSO À MEAÇÃO DE BENS ORIUNDOS DE HERANÇA NÃO CONFIGURADO – RECURSO DESPROVIDO. – Com a separação de fato do casal, ocorre o rompimento da “”affectio maritalis””, ao molde da separação judicial, o que desconfigura a comunicabilidade dos bens adquiridos por qualquer dos ex-cônjuges ao outro. Os bens posteriormente adquiridos passam, assim, a compor o patrimônio exclusivo de cada um, mesmo que o regime de bens adotado durante o matrimônio tenha sido o da comunhão universal. (Apelação Cível 1.0137.08.009216-6/001, Relator(a): Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/10/2010, publicação da súmula em 12/11/2010)
AÇÃO DE SEPARAÇÃO – REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS – SEPARAÇÃO DE FATO HÁ ANOS – BENFEITORIAS FEITAS EM IMÓVEL EXCLUSIVAMENTE POR UM DOS CÔNJUGES, NO PERÍODO DA SEPARAÇÃO DE FATO – COMPROVAÇÃO – INCOMUNICABILIDADE – BEM MÓVEL – AQUISIÇÃO POSTERIOR AO ROMPIMENTO DE FATO DA SOCIEDADE CONJUGAL – PROVA – AUSÊNCIA – ÔNUS DO RÉU – INCLUSÃO NA PARTILHA. – Em ação separação judicial, embora o casamento fosse regido pelo regime da comunhão universal de bens, as benfeitorias feitas exclusivamente por um dos cônjuges no imóvel sobre o qual exercia posse, durante o período da separação de fato, não podem se comunicar, ante a inexistência de sociedade conjugal que pudesse justificar a partilha. – Todavia, relativamente a outro bem, não se desincumbindo o réu da prova da sua aquisição posterior à separação de fato do casal, ônus que lhe recaía, por força do art. 333, II, do CPC, impõe-se a sua inclusão na partilha, em razão do que dispõe o art. 1.667, do Código Civil. (Apelação Cível 1.0080.08.011960-7/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/10/2010, publicação da súmula em 12/11/2010)
No caso dos autos, não se pode olvidar que houve a separação de fato do casal em abril de 1995, quando W.A.X.C. deixou o lar conjugal para se mudar para os Estados Unidos da América do Norte, na promessa de proporcionar à sua família melhores condições de vida.
Não desconheço que, em algumas situações, é absolutamente justificável o afastamento de um dos consortes da residência do casal, como no caso dos autos, por motivos profissionais, em que o marido passou a residir em outro lar geograficamente distante.
Todavia, pretendesse W.A.X.C., mesmo distante, manter a comunhão de vida, retratada no dever recíproco de fidelidade, mútua assistência, sustento, dever de guarda e educação dos filhos comuns, não teria se ausentado por longos 16 (dezesseis) anos, sem nunca, sequer, ter visitado sua família.
Registre-se que a mútua assistência não se limita à mera “ajuda financeira”, como muito bem explica ROLF MADALENO, em sua obra “Curso de Direito de Família, 4ª edição”:
“A mútua assistência conjugal não tem dicção restrita ao sustento financeiro dos cônjuges, porque também tem incidência fática sobre a versão imaterial, consubstanciada no apoio natural devido reciprocamente pelos cônjuges de conviventes, encontrando um no outro apoio espiritual capaz de lhes dar abrigo moral quando de suas tristezas, tragédias e desventuras emocionais, confortando nas horas de sofrimento, e compartindo por igual nos momentos de euforia, felicidade e de realização pessoal, em constante apoio e incentivo para o crescimento da unidade afetiva e familiar. […]
O abandono moral é causa expressa de falta para com um dos deveres fundamentais do casamento, consistente na mútua assistência, não se compreendendo possa um cônjuge abandonar seu parceiro, e lhe faltar com o desvelo, com os gestos de atenção e de solidariedade em momento de dor, por perdas ou derrotas pessoais, se não o for pelo sofrimento causado pela doença pessoal, ou de um caro e próximo familiar, quando é, sobretudo, sabido quão importante se apresente nessas passagens inevitáveis da vida a solidariedade, o apoio e conforto debruçados para com o parceiro que creditou com as núpcias o infindo e imensurável dever de assistência”. (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4.ed.rev.,atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 182-183)
Deste modo, é que entendo que houve a separação de fato do casal em abril de 1995. Tanto é verdade que o Réu / Apelado somente retornou ao Brasil depois de 16 (dezesseis) anos, conforme narrativa de sua contestação às f. 34-39, trazendo consigo outra mulher, com quem residiu por um ano no Estado do Ceará, na cidade de Palhano. É o que se extrai, ainda, do seu depoimento prestado às f. 71.
Após a separação de fato, a Autora adquiriu o imóvel descrito no contrato de promessa de compra e venda (f. 17) e nele edificou uma casa.
Os valores que supostamente o Réu / Apelado remetia à Autora e filhos eram, ao que parece, para o sustento deles, mas a título de ajuda de custos, já que eram maiores de idade. A propósito, não há nos autos, sequer, prova da regularidade do envio de valores à Autora e filhos. Também não se pode esquecer que a Autora exercia atividade profissional – era professora – e, por isso, deduz-se que não dependia economicamente do Réu.
Além disso, a Autora / Apelante, no período em que W.A.X.C. residia em outro país, passou a manter um relacionamento amoroso com outro homem, R., quem, conforme depoimento da testemunha V.J.C., às f. 73, de fato, prestou assistência durante as obras de construção da casa.
Diante desse panorama, não há como reconhecer, com a certeza necessária, que o imóvel fora adquirido quando os litigantes ainda mantinham firmes os laços matrimoniais.
Destarte, não há como prosperar a partilha determinada na sentença, seja porque o imóvel fora adquirido após a separação de fato do casal, seja porque não existe prova da real contribuição do Réu /Apelado, especificamente, para a aquisição do patrimônio.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para atribuir a totalidade do imóvel situado na Rua Zeca Mota à Autora, com exclusividade.
Custas recursais pelo Apelado, suspensas, porém, a exigibilidade, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060, de 1950.
É como voto.
DES. WANDER MAROTTA (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).
DES. BELIZÁRIO DE LACERDA – De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO”
Fonte: Boletim nº 6132 – Grupo Serac – São Paulo, 11 de Novembro de 2013