TJ|RJ: Direito civil – Sucessão testamentária – Divergência na interpretação de cláusula de testamento público – Distinção entre substituição vulgar, recíproca e fideicomissária – Cláusula testamentária que nomeia duas herdeiras, em igualdade de condições, e estabelece que no caso de falecer uma delas sua parte será da outra – Caso que se qualifica como de substituição recíproca – Hipótese em que o testador faleceu antes do substituído, o que retira a eficácia da substituição – Decisão de primeiro grau que considerou que a parte recebida por uma das herdeiras, após o seu falecimento, não se transmitiria para a herdeira remanescente, mas para os sucessores da herdeira falecida – Pronunciamento do juízo a quo que deu solução adequada à questão debatida – Recurso a que se nega provimento.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001847 – 52.2011.8.19.0000
AGRAVANTES: MARIA HELENA FERREIRA DE ALMEIDA GUIÓ DE SOUZA E OUTRO
AGRAVADOS: AMANDA DE BARROS MENEZES E OUTRO
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Direito civil. Sucessão testamentária. Divergência na interpretação de cláusula de testamento público. Distinção entre substituição vulgar, recíproca e fideicomissária. Cláusula testamentária que nomeia duas herdeiras, em igualdade de condições, e estabelece que no caso de falecer uma delas sua parte será da outra. Caso que se qualifica como de substituição recíproca. Hipótese em que o testador faleceu antes do substituído, o que retira a eficácia da substituição. Decisão de primeiro grau que considerou que a parte recebida por uma das herdeiras, após o seu falecimento, não se transmitiria para a herdeira remanescente, mas para os sucessores da herdeira falecida. Pronunciamento do juízo a quo que deu solução adequada à questão debatida. Recurso a que se nega provimento.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento n. 0001847 – 52.2011.8.19.0000, em que são agravantes MARIA HELENA FERREIRA DE ALMEIDA GUIÓ DE SOUZA E OUTROS e agravados AMANDA DE BARROS MENEZES E OUTRO.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em negar provimento ao recurso.
Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Relator
Tendo falecido o sr. Américo Lopes, abriu-se sua sucessão, devendo ser cumprido o testamento por ele elaborado, sendo fundamental deixar anotado desde logo que o testador não tinha herdeiros necessários.
No referido testamento consta cláusula assim redigida:
“(…) que, na melhor forma de direito, nomeia e institui suas únicas e universais herdeiras da totalidade de seus bens, em partes iguais, a CELIA SOARES DE BARROS, adiante qualificada, e AMANDA DE BARROS MENEZES, filha de Sávio Carneiro Menezes e de Valeria Regina de Barros Menezes; que caso uma das supra beneficiadas falecer, a sobrevivente arrecadará todos os bens, nas mesmas condições acima citado”.
Aberta a sucessão de Américo Lopes em 17 de maio de 2002, transmitiram-se os bens do acervo hereditário às suas herdeiras. Posteriormente, em 13 de janeiro de 2004, faleceu a herdeira Célia Soares de Barros.
Após estes dois falecimentos, a herdeira Amanda de Barros Menezes celebrou com os ora agravantes negócio jurídico através do qual lhes cedeu os direitos hereditários referentes a todo o acervo deixado por Américo Lopes. Os cessionários, então, vieram a juízo postular a adjudicação, a eles, desse acervo hereditário.
O juízo de primeiro grau, porém, entendeu que a referida cessão de direitos foi lavrada a partir de premissa equivocada, já que o quinhão de Célia Soares de Barros, com o seu falecimento, teria se transmitido aos seus sucessores. Determinou, então, que a cedente – Amanda de Barros Menezes –, que é neta da herdeira agora falecida, comprovasse sua condição de única herdeira desta e, caso tal comprovação não se fizesse, que fosse apresentada partilha contemplando os herdeiros de Célia Soares de Barros.
Contra esta decisão insurgem-se os agravantes, ao fundamento de que a intenção do testador era que, falecendo uma das herdeiras por ele instituídas, antes ou depois de sua própria morte, a outra herdeira testamentária ficasse com todo o acervo hereditário, razão pela qual se deve considerar que Amanda de Barros Menezes é a única e universal herdeira de Américo Lopes. Pediram, então, a reforma da decisão.
Não foram oferecidas contrarrazões.
O juízo de primeiro grau prestou informações.
Pelo Ministério Público foi oferecido parecer, da lavra do eminente Procurador de Justiça Dr. Antônio Carlos da Graça de Mesquita, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório. Passa-se ao voto.
A questão a ser enfrentada no julgamento deste recurso diz respeito à interpretação da disposição testamentária contida no testamento público de Américo Lopes. Este, que não tinha herdeiros necessários, elaborou testamento público – ao tempo em que vigente o Código Civil de 1916 – em que instituiu duas herdeiras, estabelecendo, ainda, que com o falecimento de uma delas sua parte na herança passaria a ser da outra sucessora. Aberta a sucessão, ainda ao tempo do Código Civil de 1916, transmitiram-se os bens, na razão estabelecida no testamento, a ambas as herdeiras testamentárias.
Posteriormente, faleceu uma das herdeiras, surgindo então a dúvida quanto a saber se a disposição testamentária se aplica ou não nesta hipótese, tendo entendido o douto prolator da decisão recorrida que não. Segundo o culto magistrado que proferiu a decisão agravada, a disposição testamentária deveria ser interpretada no sentido de que, no caso de uma das herdeiras instituídas falecer antes do testador, aí sim a outra herdeira passaria a ter direito a todo o acervo. Assim não seria, porém, no caso de uma delas só falecer depois de aberta a sucessão, caso em que seu quinhão hereditário se transmitiria aos seus herdeiros. Não havendo nos autos prova de que a segunda herdeira testamentária de Américo Lopes é a única e universal sucessora de Célia Soares de Barros, não haveria como considerar-se válida e eficaz a cessão de direitos que fez em favor dos ora agravantes, entendimento este compartilhado pelo Ministério Público.
A questão a ser aqui enfrentada diz respeito à interpretação da cláusula testamentária, a qual instituiu uma espécie de substituição, ao fixar que, no caso de falta de um dos herdeiros instituídos, outro herdeiro receberá o quinhão que, a princípio, era destinado àquele.
Sobre o tema, vale a pena transcrever lição do eminente jurista GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA:1
“Substituição é a instituição em testamento de pessoa como herdeira ou legatária no lugar de outra também instituída por disposição testamentária para a eventualidade de a vocação da primeira instituída cessar, aproveitando-se a substituta das mesmas vantagens e encargos sucessórios”.
Assim, sempre que o testador estabelece que no caso de cessar a vocação hereditária do primeiro sucessor nomeado deve ser este substituído por outrem, a quem se transmitirá o quinhão originariamente destinado ao primeiro, ter-se-á uma substituição.
Aponta-se em doutrina a existência de três espécies de substituição: vulgar (ou ordinária), recíproca e fideicomissária.2
Na substituição vulgar, “o testador indica somente um herdeiro e apenas um substituto para receber a herança, para a hipótese de o nomeado em primeiro lugar não poder ou não querer recebê-la”.3
Na substituição recíproca, “a lei admite que o testador estabeleça a reciprocidade entre os herdeiros instituídos, mas é necessário que o faça  expressamente. Se nada disser a recusa de um dos beneficiários faz com que o seu quinhão retorne à sucessão legítima. Instituída a reciprocidade a substituição ocorre entre eles (CC 1.948). O exemplo: (A) nomeia herdeiros (B) e (C) e deixa expresso que, se um não puder ou não quiser aceitar a herança, sua quota passa para o outro. Ao fim, nada mais do que a instituição do direito de acrescer via testamento. É o que diz Itabaiana de Oliveira: esta substituição, que também é direta, participa da natureza da vulgar e confunde-se com o direito de acrescer”.4
Diga-se que, tanto na substituição vulgar quanto na recíproca, o que se prevê é uma regra para a sucessão testamentária no caso de o primeiro sucessor instituído morrer antes do testador ou no mesmo momento em que ele (premoriência ou comoriência), ou ainda para os casos em que o substituído não tinha capacidade hereditária no momento da abertura da sucessão.
Resta examinar a possibilidade de se estar diante de uma substituição fideicomissária. Vale registrar, então, e desde logo, que a sucessão de Américo Lopes se abriu ainda ao tempo do Código Civil de 1916. Este é um ponto importante, já que o Código Civil de 2002 é, em relação ao fideicomisso, muito mais restritivo do que seu antecessor. Basta dizer que, nos termos do vigente Código Civil, a substituição fideicomissária só é admissível em favor dos que ainda não haviam sido concebidos ao tempo da morte do testador (art. 1.952), restrição esta que não existia ao tempo do Código Beviláqua.
Impõe-se, aqui, recordar então que no fideicomisso instituem-se duas sucessões. No fideicomisso, como ensina NOGUEIRA DA GAMA, “não há o preenchimento da vaga do primeiro instituído, já que a sucessão em favor do fideicomissário se dará depois do fiduciário e não na falta deste, motivo pelo qual a vocação é sucessiva – diversamente da substituição direta. São nítidas as diferenças entre as substituições e o fideicomisso, pois, enquanto na substituição o substituto é indicado alternativamente, para a eventualidade de o substituído não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, no fideicomisso o fiduciário assumirá a posição de sucessor do testador e, sucessivamente, o fideicomissário receberá a herança ou o legado”.5
Em outras palavras, no fideicomisso o testador estabelece que com seu falecimento a herança passará para uma determinada pessoa (o fiduciário) e, com a morte deste, tudo passará para outra (o fideicomissário). É que, como ensina OROSIMBO NONATO, “as liberalidades no fideicomisso são sucessivas e, assim, a propriedade se mantém, íntegra, no gravado ou fiduciário, embora restrita e resolúvel quando depende de condição ou termo a transmissão ao fideicomissário”.6
No caso em exame não se pode considerar que se esteja diante de uma disposição testamentária instituidora de fideicomisso. É que este, absolutamente excepcional no direito moderno, precisaria restar absolutamente claro dos termos do testamento, que deveria então estabelecer – ainda que não necessariamente com estas palavras – que com o falecimento do testador a herança passaria para uma das
herdeiras instituídas e, após o falecimento desta, tudo se transmitiria para a segunda herdeira nomeada.
Tampouco se trata de substituição vulgar (ou ordinária), já que não se incluiu no testamento qualquer disposição nomeando uma das herdeiras e, apenas para o caso de esta não poder ou não querer receber a herança é que a segunda seria chamada a atuar.
O que se tem, in casu, é nitidamente um caso de substituição recíproca. Cada uma das herdeiras nomeadas é substituta da outra no seu quinhão. Ocorre que, para a substituição recíproca produzir efeitos, é absolutamente imprescindível que o substituído tenha falecido antes do testador (ou simultaneamente a ele), ou que não tenha querido ou podido receber a herança. No caso em tela, porém, nada disso ocorreu. Afinal, quando faleceu Américo Lopes, sua herança se transmitiu, imediatamente, a ambas as herdeiras que havia instituído, em partes iguais.
Deste modo, é de se considerar que, tendo depois falecido uma das herdeiras testamentárias, seu patrimônio não se transferiu para a outra herdeira de Américo Lopes, mas para os sucessores dela própria, Célia Soares de Barros. E, assim, é de se ter por correta a decisão judicial que considerou ineficaz a cessão de direitos hereditários realizada por Amanda de Barros Menezes em favor dos ora agravantes. Afinal, como dito, na substituição recíproca (tanto quanto na vulgar) só há uma liberalidade sucessória, diversamente do que se dá no fideicomisso, em que são duas as liberalidades.
À conta do exposto, vota-se por NEGAR PROVIMENTO ao recurso.
Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 2011.
Des. Alexandre Freitas Câmara
Relator
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Referências

1 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “Substituições e fideicomisso”, in Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira (coord.), Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2ª ed., 2007, p. 346.

2 Idem, p. 347.

3 Maria Berenice Dias, Manual das sucessões. São Paulo: RT, 2008, p. 409.

4 Idem, p. 410

5 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, op. cit., p. 347.

6 Orosimbo Nonato, Estudos sobre sucessão testamentária, vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 159.