TJ|PR: Agravo de instrumento – Ação de preceito cominatório – Impugnação – Realização de construção em desacordo com o constante no alvará – Violação à legislação municipal – Sentença que determinou a regularização ou demolição da obra sob pena de multa – Descumprimento – Alegação de ilegitimidade de parte ante a venda do imóvel – Ausência de comprovação – Recurso de agravo conhecido e desprovido.

Processo: AI 5707602 PR 0570760-2
Relator(a): Luiz Mateus de Lima
Julgamento: 02/06/2009
Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível
Publicação: DJ: 163

Agravo de Instrumento nº 570760-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 3ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas.

Agravante: Engeflex Construções e Empreendimentos Imobiliários.

Apelado: Município de Curitiba.

Relator: Des. Luiz Mateus de Lima.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. REALIZAÇÃO DE CONSTRUÇÃO EM DESACORDO COM O CONSTANTE NO ALVARÁ. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. SENTENÇA QUE DETERMINOU A REGULARIZAÇÃO OU DEMOLIÇÃO DA OBRA SOB PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE ANTE A VENDA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RECURSO DE AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO.

A alegada ilegitimidade de parte não merece guarida, pois ainda que a agravante aduza a impossibilidade de cumprimento da decisão judicial, bem como a impossibilidade de aplicação da multa que lhe fora imposta, esta sequer comprovou que a venda do imóvel efetivamente ocorreu. Isto porque a simples minuta da escritura, desprovida de assinatura de qualquer das partes e da matrícula do imóvel, não tem o condão de confirmar o ato, motivo pelo qual o recurso não merece provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 570760-2, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 3ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas, em que é agravante Engeflex Construções e Empreendimentos Imobiliários e agravado Município de Curitiba.
Engeflex Construções e Empreendimentos Imobiliários demonstra irresignação contra a decisão (fls. 119/120 – TJPR), prolatada em ação cominatória (autos nº 23.386), que indeferiu o pedido de concessão de efeito suspensivo à impugnação de sentença.
Alegou em suas razões recursais que: (a) o Município de Curitiba ajuizou ação cominatória em face da agravante, tendo sido em sede de decisão monocrática determinada a regularização, pela agravante, da obra executada junto ao Edifício Tour Laffite, localizado à Rua Alferes Poli, nº 276, por estar em desacordo com o projeto aprovado, ou que seja providenciada sua demolição, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais); (b) a agravante apresentou impugnação de sentença, na qual requereu a concessão de efeito suspensivo em relação à multa diária uma vez que, em razão do imóvel não possuir restrição à venda, foi vendido, obstando, portanto, adentrar no imóvel para realizar a demolição; (c) não pode assumir ou recair tal obrigação determinada na sentença pela Doutora Juíza, haja vista que tal obrigação é propter rem; (d) há risco de dano irreparável à agravante, pois está sujeita à incidência da multa prevista na sentença, da qual, para cumprir a obrigação de demolição, implicaria em violação ao direito de propriedade da nova proprietária. Assim, requereu efeito suspensivo ao recurso, “…a fim de ser concedido o efeito suspensivo durante a tramitação da impugnação de sentença, por manifesta impossibilidade de cumprimento do julgado.” (f. 11). Ao final, pleiteou o provimento do recurso nos termos constante à fl. 11.
Num juízo provisório foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso (fls. 129/131).
Foram prestadas informações pelo juízo a quo à fl. 141.
O ente municipal apresentou resposta ao agravo (fls. 143/146).
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer (fls. 151/155), proferido pelo Procurador de Justiça, Doutor Ademir Fabrício de Meira, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do agravo.
É o relatório.
VOTO E SEUS FUNDAMENTOS.
Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço do recurso de agravo de instrumento e lhe nego provimento.
A matéria controvertida diz respeito ao suposto dano irreparável e de difícil reparação na não concessão de efeito suspensivo à impugnação interposta pela agravante, ao argumento de impossibilidade do cumprimento do julgado que determinou a regularização do imóvel ou a sua demolição, sob pena de multa diária, vez que a agravante seria parte ilegítima por ter efetuado a venda do imóvel.
Como se sabe, a Administração Pública, através do Poder de Polícia que lhe é atribuído, tem o poder de impor certas limitações às construções e obras efetuadas a fim de preservar o interesse da coletividade em detrimento do individual, de maneira que todos possam conviver de forma pacífica e harmoniosa.
Assim sendo, uma das maneiras de exercer tal poder se dá pela verificação tanto da existência de licença/alvará para construção quanto pelo cumprimento das restrições estabelecidas por referida licença. De acordo com o disposto no artigo 36 da Lei Municipal nº 699/53, verbis:
Art. 36 – “Em todo o Município de Curitiba, as obras de construção e reconstrução, total ou parcial, de qualquer espécie, modificações, acréscimos, reformas e consertos de edifícios, construções de passeios nos logradouros, rampamento ou rebaixamento de meios fios para entrada de veículos, canalização de cursos d’água no interior dos terrenos ou execução de qualquer obra nas margens dos mesmos cursos, e bem assim a demolição de qualquer construção, não poderão ser feitos em desacordo com as disposições da presente Lei, e sem a necessária licença da Prefeitura.”
Dessa forma, diante do fato de a agravante ter sido notificada inúmeras vezes para a regularização da construção efetuada (documentos de fls. 27/31), vez que havia executado obra em desacordo com o projeto aprovado pelo alvará, o Município de Curitiba, na tentativa de que fosse promovida a regularização, ajuizou ação cominatória em julho de 2002.
De referida ação foi proferida sentença (fl. 64/66) em dezembro de 2005, na qual foi determinada a regularização da obra ou a sua demolição, sob pena de multa no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) por dia de atraso no descumprimento da obrigação, sendo que a agravante deixou de cumprir novamente tal decisão, interpondo ainda recurso de apelação (fls. 74/78), o qual sequer foi conhecido por ser intempestivo (fl. 87).
Por fim, em junho de 2008, apresentou impugnação (fls. 88/92), alegando ser parte ilegítima para figurar na demanda, ante a impossibilidade do cumprimento da decisão judicial em face da realização da venda do imóvel no ano de 2007.
Assim sendo, tal retrospectiva dos fatos somente serve para confirmar a desobediência reiterada da agravante às normas administrativas impostas, vez que desde o ano de 2000 vinha sendo alertada sobre a necessidade de regularização da obra, o que deixa mais evidente o desrespeito injustificado ao cumprimento das normas.
Ademais, a alegada ilegitimidade de parte não merece guarida. Isto porque, ainda que a agravante aduza a impossibilidade de cumprimento da decisão judicial, bem como a impossibilidade de aplicação da multa imposta, esta sequer comprovou que a venda efetivamente ocorreu.
Como se verifica dos autos, a documentação trazida pela agravante, a qual ela denomina como Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel, sequer foi assinada pelas partes, tratando-se de mera minuta da escritura, desprovida de qualquer matrícula do imóvel, a fim de comprovar as alegações, o que seria imprescindível.
Em relação aos requisitos de validade para a escritura pública, vale citar o artigo “Breves Considerações Sobre Validação de Escritura Pública Declarada Incompleta por Falta de Assinatura” de autoria de Felipe Leonardo Rodrigues, em 09.02.09, extraído do sítio de www.anoregms.org.br, consultado em 20 de maio de 2009:
“(…)
Entende-se por escritura pública a interpretação formal ou instrumental de ato ou negocio jurídico, feita por notário público, a pedido das partes interessadas, em consonância com os preceitos legais1.
Escritura pública – por trata-se de ato solene – deve conter os requisitos obrigatórios, para então ventilar seus efeitos no mundo jurídico.
Dentre os requisitos necessários, está à obrigatoriedade de colher as assinaturas das partes presentes ao ato, conforme determina o inciso VII, § 1º, art. 215, do Código Civil Brasileiro, que dispõe in verbis:
Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena. § 1º Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter:
(…) VII – assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato. (Itálico nosso).
(…)
Como se extrai da interpretação lógica deste inciso consoante com o seu caput e parágrafo, as assinaturas das partes comparecentes ao ato notarial é requisito solene exigido por lei, que simboliza o consentimento emitido, ou seja, é a manifestação de vontade livre de qualquer coação, induzimento ou constrangimento.
Paulo Roberto G. Ferreira2, Tabelião de Notas, leciona que:
“Não se admite ato notarial sem consentimento, salvo a exceção feita à ata notarial3”.
Na eventual falta de assinatura de uma das partes envolvidas no ato notarial, as Normas de Serviço Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, precisamente no item 26.1, prevê que:
“Na ausência de assinatura de uma das partes, o tabelião declarará incompleta a escritura, consignando as assinaturas faltantes; pelo ato serão devidos emolumentos e custas, ficando proibido o fornecimento de certidão ou traslado sem ordem judicial”(Itálico nosso).
Dessa forma, confirmada a vontade de uma das partes em não celebrar a escritura, o ato torna-se incompleto por força normativa, cuja eficácia fica suspensa no plano da teoria do fato jurídico, não tendo os seus efeitos ventilados no mundo jurídico.
Aliás, para nós, esse ato notarial não é anulável nem nulo, uma vez que não preteriu solenidade que a lei considera essencial para a sua validade, consoante estabelece o art. 166, V, do Código Civil Pátrio, isto é, para ser nulo, o instrumento público teria que transitar incompleto no trafego jurídico.
Ademais, haveria nulidade do ato notarial, se p. ex., houvesse à ausência de advogado na ocasião da lavratura da escritura pública de divórcio ou não sendo ela lida perante as partes, a teor do art. 166, inc. V do Código Civil.
Vale notar, que o ato notarial nulo não é possível de convalidação, cf. prevê o art. 169 do Código Civil, o qual merece transcrição:
“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. (Itálico nosso).
Feita estas considerações, a falta de assinatura de uma das partes na escritura pública por si só torna o ato notarial incompleto, exceto se do próprio ato consignar tal exigência.
Visualizando um caso concreto, a parte vendedora assina a escritura e a parte compradora se recusa a assinar por motivos alheios ao negócio celebrado. Meses depois a parte compradora manifesta a vontade de convalidar o ato declarado incompleto por falta de sua assinatura. Pergunta-se: é possível a lavratura de uma nova escritura de ratificação do negócio pendente de aperfeiçoamento?
A resposta não é das mais fáceis, não obstante as normas de serviço paulista nada mencionar a respeito, cremos pela possibilidade da ratificação de escritura pública declarara incompleta, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço; ou se a assinatura faltante for do vendedor, este assinará a escritura de ratificação, inclusive dando quitação do preço.
Se a parte compradora ou vendedora – de livre e espontânea vontade – deseja validar o ato notarial declarado incompleto, não percebemos vedação nesse sentido.
Corrobora o nosso entendimento, alguns itens do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná, que prevêem expressamente a possibilidade de validação do ato declarado incompleto:
11.2.9.4 – Em casos excepcionais a escritura anteriormente declarada incompleta poderá ser ratificada, desde que a assinatura faltante seja da parte compradora e a parte vendedora tenha assinado a escritura dando quitação do preço.
11.2.9.5 – Para a convalidação da escritura o notário deverá lavrar escritura de ratificação, aproveitando o ato praticado, sendo que a parte que não compareceu na data designada para assinatura deverá assumir a responsabilidade civil e criminal pelas declarações inseridas na nova escritura.
11.2.9.6 – Havendo qualquer dúvida ou não podendo entrar em contato com a parte vendedora, o notário deverá abster-se de lavrar a escritura de ratificação, sob pena de responsabilidade.
11.2.9.7 – O notário deverá anotar a lavratura da escritura de ratificação junto à escritura anteriormente declarada incompleta, revalidando o ato. (Itálico nosso).
Outra questão não menos tormentosa, trata-se do princípio da unicidade do ato notarial. Por ele, ato deve conter uma unicidade de contexto, tempo e lugar4. A nosso ver, tal princípio – no presente caso – dever ser aplicado de forma mitigada por suas peculiaridades, uma vez que os elementos formadores do ato foram observados no ato declarado incompleto, sendo o mesmo aperfeiçoado com a subscrição da assinatura (leia-se consentimento) na escritura validadora.
Sem mais delongas, para concluirmos, algumas cautelas devem ser tomadas:
i) o tabelião que declarou incompleto o ato notarial originário deve lavrar a nova escritura de validação, em razão de obter elementos que balizem o novo ato notarial; bem como proceder a devida anotação à margem do ato originário das informações da escritura de validação do negócio;
ii) o notário deve individualizar e especificar a assinatura faltante.
iii) o tabelião não poderá alterar as cláusulas da escritura originária;
iv) o ato notarial tornado sem efeito não é passível de convalidação ou ratificação;
v) no registro, a parte interessada, deve apresentar as duas escrituras (a originária e a ratificadora), ocasião em que o Registrador Imobiliário analisará os atos notariais, em especial, o motivo que levou o tabelião a declará-la incompleta.
Convicto do aperfeiçoamento e demais elementos da escritura, o Oficial registrará as escrituras num só registro.
Referências:
1) MARTINS, Cláudio. Teoria e Prática dos Atos Notariais. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
2) FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger Ferreira em co-autoria com Francisco José Cahali, Antonio Herance Filho e Karin Regina Rick Rosa. Escrituras Públicas – Separação, Divórcio, inventário e Partilha Consensuais. São Paulo: RT, 2007.
3) Na recusa imotivada do solicitante em assinar a ata notarial, o tabelião portará por fé tal circunstância e subscreverá o ato, perfectibilizando-o, já que tal falece de outorga.
4Idem.” [grifos nossos]
Diante de tal explanação, observa-se que a documentação constante dos autos não tem o condão de confirmar o aperfeiçoamento do ato de compra e venda, vez que a falta de assinatura torna o ato incompleto, desprovido de qualquer valor.
Vale dizer, ainda, que a suposta venda do imóvel (julho de 2007), a qual não restou devidamente comprovada, ocorreu muito tempo após o ajuizamento da ação cominatória (julho de 2002) e aproximadamente um ano e meio após a prolação da sentença que determinou a regularização do imóvel (dezembro de 2005) período no qual a agravante permaneceu totalmente inerte.
Assim sendo, não há falar em ocorrência de dano de difícil ou incerta reparação na manutenção da multa fixada no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais) por dia de atraso no descumprimento da obrigação.
Primeiramente porque a agravante há muito tempo tomou a devida ciência da irregularidade havida, a qual já poderia ter sido devidamente sanada, procurando adequá-las à legislação pertinente, o que obstaria a aplicação da penalidade. Em segundo lugar porque a suposta venda do bem objeto de litígio, que se deu no curso da ação cominatória, sequer restou devidamente comprovada, motivo pelo qual o presente agravo merece ser conhecido e desprovido.
Ante ao exposto, ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso de agravo de instrumento, nos termos do voto.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Rosene Arão de Cristo Pereira (presidente, sem voto) e José Marcos de Moura e o Juiz Convocado Rogério Ribas.
Curitiba, 02 de junho de 2009.
LUIZ MATEUS DE LIMA.
Desembargador Relator