TJ|PR: Agravo de instrumento – Inventário – Determinação de inclusão de imóveis nas primeiras declarações do inventário – Inexistência de cobrança do tributo por parte da Fazenda Pública – Ausência de questão de alta indagação – Integralização de capital social com bens imóveis – Ausência de poderes específicos – Ato A Non Domino – Imposto de Transmissão Causa Mortis.

AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 852.937-1, DA
PRIMEIRA VARA CÍVEL DA COMARCA DE
TOLEDO
AGRAVANTES: ESPÓLIO DE OSENIO JOSÉ KROMANN E OUTROS
AGRAVADA: FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ
RELATORA: DES.ª VILMA RÉGIA RAMOS DE REZENDE
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DETERMINAÇÃO DE INCLUSAO DE IMÓVEIS NAS PRIMEIRAS DECLARAÇÕES DO INVENTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE COBRANÇA DO TRIBUTO POR PARTE DA FAZENDA PÚBLICA. AUSENCIA DE QUESTÃO DE ALTA INDAGAÇÃO. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL COM BENS IMÓVEIS. AUSÊNCIA DE PODERES ESPECÍFICOS. ATO A NON DOMINO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS.
1. A Fazenda Estadual não está a cobrar tributo, mas apenas se insurgindo quanto à omissão do arrolamento de bens de propriedade do falecido no inventário, portanto, plenamente possível sua
impugnação.
2. Inexiste questão de alta indagação a ser dirimida, se todas as questões de fato e direito estão comprovadas nos autos.
3. A transferência de bens imóveis que não estão no domínio do proprietário constitui ato a non domino, pois ninguém pode dispor de propriedade que não possui, sendo, portanto, ineficaz.
4. Conforme art. 661 do Código Civil, “o mandato em termos gerais só confere poderes de administração”.
RECURSO DESPROVIDO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n.º 852.937-1, oriundos da Primeira Vara Cível da Comarca de Toledo, distribuídos à egrégia Décima Primeira Câmara Cível do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, em que figura como Agravantes ESPÓLIO DE OSENIO JOSÉ KROMANN E
OUTROS e como Agravada FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ.
I – RELATÓRIO
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão (fls. 217/218-TJ), proferida nos autos de Inventário nº. 548/2007, em trâmite perante a Primeira Vara Cível da Comarca de Toledo, que deferiu o pedido formulado pela Fazenda Pública Estadual, determinando a inclusão dos imóveis elencados às fls. 123-TJ nas primeiras declarações do inventário de OSENIO JOSÉ KROMANN, para serem partilhados e sujeitos à tributação.
Inconformados, ESPÓLIO DE OSENIO JOSÉ KROMANN E OUTROS requerem a reforma da decisão, sustentando que:
a) “a transferência dos imóveis do falecido para a empresa K2 Agropastoril Ltda., que não é parte no presente feito, não foi feita a non domino.” (fls. 05);
b) deveria o magistrado de primeiro grau ter ordenado a juntada da procuração mencionada no contrato social da empresa K2 Agropastoril, que outorgava poderes aos Agravados CLARICE E JONI para transferir os bens do falecido;
c) a transferência dos imóveis deu-se antes do falecimento de OSENIO, que ocorreu em 29/05/2007;
d) o contrato social produziu efeitos no ato de sua constituição em 28/05/2007, sendo esta a data da transferência dos imóveis, razão para tais bens não serem inventariados e partilhados;
e) considerando que o inventário se processa pelo rito do arrolamento não poderia o pedido da Fazenda Estadual ser acolhido, devendo, se assim entender, proceder ao lançamento administrativo do tributo;
f) a questão levantada demanda alta indagação e envolve terceiro que não é parte no feito, não devendo ser apreciada no inventário, pena de violação ao art. 472 do Código de Processo Civil.
Não houve pedido liminar.
O ESTADO DO PARANÁ apresentou contraminuta ao recurso, pugnando por seu desprovimento (fls. 234/237).
Instado a se manifestar, o douto juiz a quo informou o cumprimento do disposto no art. 526 do Código de Processo Civil e a manutenção da decisão agravada (fls. 240).
É o relatório.
II – O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS
Cinge-se a controvérsia à análise da decisão que, acolhendo pedido formulado pela Fazenda Pública do Estado do Paraná, ordenou inclusão de imóveis nas primeiras declarações do inventário para
serem objeto de partilha e tributados.
De início, devem ser analisadas as alegações de que o pedido da Agravada não poderia ser acolhido em razão do rito processual de arrolamento, bem como de que a questão levantada pela Fazenda Estadual não deve ser apreciada no inventário, por se tratar de alta questão de indagação e envolver terceiro.
O primeiro argumento não merece ser acolhido, pois o que a Agravada discute é a omissão de bens do falecido no inventário e não a cobrança de tributo, que apenas será realizada após esses bens serem devidamente inventariados, o que é objeto dessa presente ação.
A alegação de afronta ao artigo 472 do Código de Processo Civil não prospera, pois a decisão recorrida somente vincula as partes da presente relação jurídica, não beneficiando e nem prejudicando a terceiros. Aliás, o terceiro aqui coincide com as próprias partes, não havendo, portanto, como prejudicá-lo, uma vez que os bens, se considerados como de inclusão no inventário, são do próprio espólio.
E existindo documentação nos autos que possibilite a análise do conflito, estando, por consequência, as questões de fato e de direito devidamente confirmadas, não há alta indagação a ser dirimida.
No mérito, também não há como se acolher as aduções dos Agravantes.
O direito real de propriedade é o direito de usar, gozar, usufruir e dispor de um determinado bem, e de reavê-lo, de quem quer que de forma injusta o tenha possuído. A respeito da propriedade, essa atenderá sua função social, conforme disposto na Constituição da República, em seu artigo 5º, XXIII, e a sua ordem jurídica deve atender o direito à propriedade individual, o qual deve ser exercido dentro de certos limites e regido pelo princípio da boa-fé.
No presente caso, todos os bens imóveis que constituíram o capital social da Empresa K2 AGROPASTORIL LTDA., da qual são sócios os Agravantes Clarice Kromann Romero e Joni Edson Kromann, ambos herdeiros de Osenio Jose Kromann, estavam sob o domínio do de cujus, o qual conferiu-lhes, por meio de procuração
pública (fls.15/16-TJ), amplos poderes, gerais e ilimitados para sempre em conjunto, gerirem e administrarem todos os seus negócios, representando-o nas diversas formas estabelecidas no documento
público.
Nesse cenário, os herdeiros utilizaram-se dessa procuração pública para transferir os bens imóveis impugnados pela Fazenda Pública, para integralizar o capital social da empresa de que são sócios, da qual o de cujus não figurava como um deles.
No entanto, não agiram com acerto os Agravantes.
Analisando o documento público anexado às fls. 15/16-TJ, pode-se observar que não foram conferidos aos Agravantes poderes específicos para que os bens do de cujus fossem alienados à própria empresa dos herdeiros como se donos da propriedade fossem, pois conforme estabelece o artigo 661 do Código Civil:
O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.
§ 1º – Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração
ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos” ( grifamos)
Fazendo-se uma interpretação literal desse artigo, o doutrinador PAULO LUIZ NETTO LÔBO entende que:
1. O mandato em termos gerais está relacionado à gestão de negócios do mandante pelo mandatário. Abrange, portanto, atos corriqueiros da vida do mandante, mas que
envolvem consequências jurídicas.
2. Os poderes especiais conferidos ao mandatário devem ser interpretados restritivamente, sob risco de haver excesso ou abuso de poderes. Nestas hipóteses o mandatário será responsabilizado, salvo se houver ratificação posterior do mandante.”
(Código Civil Anotado. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 357/358)
Portanto, verifica-se que os Agravantes não poderiam se valer apenas da procuração outorgada de forma genérica pelo falecido para realizar a transferência de bens imóveis, até porque, como ressaltou o magistrado às fls. 217-TJ: “a atitude dos herdeiros CLARICE KROMANN ROMERO e JONI EDSON KROMANN de transmitir esses bens, ou parte deles, à empresa K2 AGROPASTORIL LTDA para a integralização de capital social, constitui ato a non domino, absolutamente ineficaz porque ninguém pode transmitir propriedade que não possui”.
Corrobora com esse entendimento, a doutrina de PONTES DE MIRANDA:
Poderes especiais são os poderes outorgados para a prática de algum ato determinado ou de alguns atos
determinados. Não pode hipotecar o imóvel “a” o mandatário que tem procuração para hipotecar, sem se dizer qual o imóvel recebeu poder expresso ( …)
(Tratado de Direito Privado, Parte Especial. 3 ed. Borsoi: Rio de Janeiro, 1972, Tomo XLIII, p. 35)
Os herdeiros não estão munidos de procuração pública com poderes específicos para que pudessem realizar a transferência dos bens imóveis como fizeram, pois nesse documento não consta expressamente quais os bens e o número da matrícula dos mesmos em registro de cartório.
Conclui-se então que os herdeiros extrapolaram os direitos conferidos a eles por meio de instrumento público, até porque o termo alienar é amplo, podendo abranger todas as espécies de transferência de bens e direitos, pois, reiterando, para vender/alienar/transferir um bem imóvel, necessário que na procuração o
imóvel seja detalhado, para que não haja dúvida a respeito da intenção dos mandatários evitando futuras contestações quanto à validade do negócio jurídico.
De consequência, a forma de integralização do capital social dessa empresa constituída pelos Agravantes se deu de forma irregular.
As sociedades empresariais existem com a finalidade de exercer atividade de cunho econômico e para isso necessitam de patrimônio que será envolvido com a contribuição de cada sócio, que devem estar vinculados ao objeto social da empresa, devendo estar também em conformidade com a lei, a moral e os bons costumes. Ou seja, todo sócio deve contribuir para a formação do capital social, seja com dinheiro, bens ou serviços no prazo estabelecido no contrato social, nos termos do artigo 1.004 do Código Civil. Cabe ressaltar que nas sociedades limitadas não pode o capital social ser composto por serviços.
Quando a integralização do capital social se der na forma de bens imóveis, esses devem estar sob o domínio patrimonial do sócio, tendo em vista que a transferência dos bens se faz a título do domínio do bem.
No caso em apreço, o domínio do bem estava no nome do de cujus e não no nome dos sócios/herdeiros, portanto, só seria possível integralizar o capital social da empresa se o de cujus também figurasse como sócio dessa empresa e possuísse uma quota parte no contrato social de fls. 182/201-TJ. Entretanto, fica evidente que o de cujus não participa dessa sociedade como sócio.
Inexiste, portanto, o chamado condomínio, pois todos os bens que integram o capital social da empresa em questão, são unicamente e exclusivamente do de cujus, pois único proprietário.
Conforme a interpretação do artigo 1.056 do Código Civil, o doutrinador JOSÉ MARIA TREPAT CASES discorre que:
A quota corresponde à menor fração em que se divide o capital social e sua unidade não admite fracionamento em relação à sociedade. Havendo pluralidade de pessoas que detenha a co–propriedade de quota indivisa, tem-se propriedade em condomínio e os condôminos deverão eleger um representante para tomar as decisões de seu interesse.(…)”.
(Código Civil Anotado. 2. ed. Juruá: Curitiba, 2010, p.596)
Dessa forma, deve-se manter a decisão agravada que determinou a inclusão dos imóveis arrolados nas primeiras declarações do inventário.
III – DISPOSITIVO
Diante do exposto, ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, nos termos da fundamentação.
Participaram do julgamento e acompanharam a relatora o Desembargador AUGUSTO LOPES CÔRTES – Presidente e RUY MUGGIATI.
Curitiba, 16 de maio de 2012.
Vilma Régia Ramos de Rezende
DESEMBARGADORA RELATORA