1ª VRP|SP: Dúvida – necessidade de outorga uxória em escritura de venda e compra – disponente casado sob regime da separação obrigatória – vendedor adquiriu o imóvel antes do casamento, portanto não há que se falar em outorga ou em aplicação da súmula 377 do STF – precedentes desta Vara – qualificação errônea do disponente na escritura – princípios da especialidade subjetiva e continuidade registraria – ausência de prejuízo a terceiros que permite a retificação direta no registro – dúvida improcedente.

Processo 0006987-92.2013.8.26.0100

CP 29

Dúvida – Registro de Imóveis

Magali Arruda Mansano Ferraz

Dúvida – necessidade de outorga uxória em escritura de venda e compra – disponente casado sob regime da separação obrigatória – vendedor adquiriu o imóvel antes do casamento, portanto não há que se falar em outorga ou em aplicação da súmula 377 do STF – precedentes desta Vara – qualificação errônea do disponente na escritura – princípios da especialidade subjetiva e continuidade registraria – ausência de prejuízo a terceiros que permite a retificação direta no registro – dúvida improcedente.

Vistos.

1. MAGALI ARRUDA MANSANO FERRAZ (MAGALI) suscitou dúvida inversa (fls. 02 – 05).

1.1. Em 16 de abril de 2012, a suscitada comprou de PAULO LOURENÇO DE MORAIS (PAULO), por meio de escritura pública lavrada no 4º Tabelião de Notas de Santo André (fls. 09), o imóvel de matrícula nº 22.209 do 5º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo (RI).

1.2. MAGALI fez prenotar a escritura no 5º RI, sob nº 263.037. Houve recusa de registro (fls. 07) em decorrência da necessidade de outorga uxória de GILBERLANDIA SILVIA SANTOS (GILBERLANDIA), casada com PAULO, no regime de separação obrigatória de bens, durante o período compreendido entre 18 de abril de 2011 a 25 de junho de 2012, como se infere da certidão de fls. 14. Ademais, a nota de devolução apontou erro na qualificação de PAULO na matrícula, erro este que será corrigido pela própria serventia quando do registro do título.

1.3. MAGALI está devidamente representada ad judicia (fls. 06).

2. O 5º RI prestou esclarecimentos a fls. 21 22, juntando certidão atualizada da matrícula n° 22.209 a fls. 23 – 24.

2.1. O registrador esclareceu que o título em tela já fora apresentado para registro duas vezes naquela serventia (prenotações nº 256.974 e nº 263.037). Foram feitas exigências cujo cumprimento fora parcial, restando até o dado momento apenas o óbice referente à outorga uxória de GILBERLANDIA. Agora o título foi reapresentado uma terceira vez, pela via de dúvida inversa, ocasião em que foi protocolado sob nº 264.790.

2.2. PAULO é qualificado erroneamente na escritura, apresentando-se em estado civil que não reflete a realidade do momento da lavratura do título. Ressalta o registrador que o problema não é referente à comunicabilidade do bem, mas sim à perfeita qualificação do disponente e eventual necessidade de outorga uxória.

3. O Ministério Público manifestou-se pela procedência da dúvida (fls. 26 – 27), na medida em que o disponente PAULO era casado com GILBERLANDIA quando da lavratura da escritura pública de venda e compra, sendo necessária a outorga uxória nos termos do artigo 1.647 do Código Civil.

4. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

5. MAGALI apresentou título em que o disponente é erroneamente qualificado e, de acordo com nota de exigência, necessita de outorga uxória para transmitir um direito real.

6. Passemos a analisar, primeiramente, a questão da comunicabilidade do bem e necessidade de outorga uxória de GILBERLANDIA.

6.1. Prospera a argumentação presente na inicial (fls. 02 – 05), no sentido de que o imóvel em questão foi adquirido por PAULO (à época, viúvo), em data anterior ao de seu casamento com GILBERLANDIA.

6.2. Apreciando os autos, torna-se claro que o imóvel de matrícula nº 22.209 do 5º RI foi adquirido por PAULO em 18 de setembro de 2006 (R. 09 fls. 24 verso). Em que pese sua qualificação errônea de “separado judicialmente”, quando na verdade ele era viúvo de CYNIRA BAPTISTA (CYNIRA), falecida em 06 de maio de 1988 (fls. 13), fato é que PAULO, no momento da aquisição do imóvel, não era casado com ninguém, já que seu matrimônio com GILBERLANDIA ocorreu somente em 18 de junho de 2011.

6.3. Uma vez que a propriedade do imóvel em questão foi transferida para PAULO antes da constância de seu casamento com GILBERLANDIA, não há que se falar em outorga uxória e nem na aplicação da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: “no regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento” (g.n.). Neste sentido já se pronunciou esta 1ª Vara de Registros Públicos: “Não há que se falar em outorga uxória, haja vista que o varão adquiriu o bem antes da celebração do segundo casamento, ou seja, o bem pertencia exclusivamente a ele, sendo assim passível de negociação sem qualquer anuência. Portanto, a súmula 377 do Supremo Tribunal Federal não se aplica ao presente caso. Dúvida improcedente.” (Processo nº 583.00.2008.116892-2 1ª VRPSP julgamento em 25.06.2008 relator: Gustavo Henrique Bretas Marzagão).

6.4. Em suma, caso este fosse o único óbice, estaria superado e o título poderia ingressar na tábua registral.

7. Passo a discorrer sobre as incongruências na qualificação de PAULO na matrícula nº 22.290 do 5º RI e no título.

7.1. No registro R. 09 da matrícula nº 22.290 do 5º RI, PAULO está qualificado como “separado judicialmente” quando em verdade ele era viúvo de CYNIRA. Todavia, pela leitura da nota de devolução a fls. 07, parece que o 5º RI promoverá a presente retificação, quando do efetivo registro da escritura de venda e compra.

7.2. Na escritura pública de venda e compra, lavrada em 16 de abril de 2012 (fls. 09), PAULO é erroneamente qualificado como “viúvo”, quando na verdade ele já era casado com GILBERLANDIA no regime da separação legal de bens (fls. 14). Não se nega que há óbvio desrespeito aos princípios da especialidade subjetiva e da continuidade registrária (artigos 176 e 237, Lei 6.015/73); no entanto, diante da ausência de qualquer prejuízo a terceiros, nada impede que a retificação do estado civil de PAULO seja realizada diretamente no registro. Assim já entendeu esta 1ª Vara de Registros Públicos: “as circunstâncias peculiares dos autos permitem que se faça a retificação direta diante da inexistência de potencial prejuízo a terceiros. Isto porque, se deferida, a retificação: a) fará com que o fólio real passe a exprimir a verdade, pois ficou claro que a interessada era casada quando adquiriu o imóvel; b) não implicará prejuízos a terceiros porque, diferentemente do caso em que se pede a alteração do estado civil de casado para o de solteiro, a interessada busca o contrário, o que, em tese, é-lhe desfavorável na medida em que passará a dividir o domínio com seu ex-marido; c) possibilitará a regularização registral do imóvel com a averbação de seu divórcio e registro da partilha de bens dele decorrente.” (Processo Nº 100.10.023495-9 – 1ª VRPSP – julgamento em 12.08.2010 – relator: Gustavo Henrique Bretas Marzagão)

8. Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada inversamente por MAGALI ARRUDA MANSANO FERRAZ. Desta sentença cabe apelação para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de 15 dias, nos efeitos devolutivo e suspensivo. Uma vez preclusa esta sentença, cumpra-se a Lei 6.015/73, artigo 203, II, e arquivem-se os autos, se não for requerido nada mais.

P.R.I.C.

São Paulo, . Josué Modesto Passos JUIZ DE DIREITO

(D.J.E. de 08.08.2013 – SP).