1ª VRP|SP: Registro de imóveis – pedido de providências – averbação de caução locatícia (LL91, art. 38, § 1º) – o reconhecimento de firmas dos figurantes e testemunhas pode fazer-se por semelhança ou por autenticidade, e não toca ao ofício do registro de imóveis exigir uma dessas formas em detrimento da outra – pedido procedente.

Processo 0018618-33.2013.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro de Imóveis

Cassia Nahas Administração de Bens Ltda

Registro de imóveis – pedido de providências – averbação de caução locatícia (LL91, art. 38, § 1º) – o reconhecimento de firmas dos figurantes e testemunhas pode fazer-se por semelhança ou por autenticidade, e não toca ao ofício do registro de imóveis exigir uma dessas formas em detrimento da outra – pedido procedente.

CP 74

Vistos etc.

1. Cássia Nahas Administração de Bens Ltda. pediu providências (fls. 02-07) a esta corregedoria permanente.

1.1. Em 18 de outubro de 2012, com fundamento na Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991 LL91, art. 38, § 1º, a requerente pedira ao 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (5º RISP) que averbasse, na matrícula 31.224 (fls. 41-46), uma caução locatícia prestada por Law Kin Chong e Hwu Su Chiu Law para garantir contrato de locação não-residencial de imóvel celebrado entre a requerente e Maxim Administração e Participações Ltda., antes Calinda Administração, Participação e Comércio Ltda. (fls. 20-35).

1.2. O 5º RISP negou a averbação, exigindo que a firma de todas as partes contratantes e das testemunhas fosse reconhecida por autenticidade, na forma da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 LRP73, art. 221, II, e do Cód. de Proc. Civil CPC73, art. 369 (fls. 71-77; em particular, fls. 72).

1.3. Segundo a requerente, essa exigência não teria lugar, porque a LRP73, art. 221, II, admitiria o reconhecimento de firmas assim por autenticidade, como por semelhança, como já teriam reconhecido o Superior Tribunal de Justiça STJ (recurso especial REsp 302.469-MG fls. 59-69) e a E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo CGJ (processo CG 1.403/96 fls. 89).

1.4. Assim, outro remédio não teria restado à requerente, a não ser pedir a este juízo que, afastado o óbice posto pelo 5º RISP, mandasse proceder à averbação pretendida.

1.5. A requerente apresentou procuração ad iudicia (fls. 08-18) e fez juntar documentos (fls. 19-91). 2. O 5º RISP prestou informações (fls. 93-100). 2.1. Segundo o ofício do registro de imóveis, a LRP73, art. 221, II, de fato não exigiria reconhecimento de firmas por autenticidade, mas tampouco diria ser bastante o reconhecimento por semelhança.

2.2. Partindo do pressuposto de que existe uma diferença no grau de eficácia e no valor das presunções que decorrem do reconhecimento de firma, conforme se dê por semelhança ou autenticidade (STJ no REsp 302.469, verbis “[…] o reconhecimento por semelhança […] tem a finalidade de atestar, com fé pública, que determinada assinatura é de certa pessoa, ainda que com menor grau de segurança” fls. 59; Amaral Santos: “as demais formas de reconhecimento […] não permitem seja o documento particular considerado autêntico” fls. 94), o 5º RISP afirma a necessidade da robustez do reconhecimento autêntico para a constituição de direitos reais.

2.3. Ressalva que a doutrina se inclina por considerar autêntica a assinatura reconhecida por semelhança, mas que não foi essa a intenção do legislador, visto que, durante a discussão do CPC73, art. 369, expressamente se pretendeu estabelecer, como tal, somente a assinatura reconhecida na presença do tabelião.

2.4. A decisão do REsp 302.469, concernindo a problema de impugnação de assinatura (CPC73, art. 389, II), declara somente que o juiz pode dar por cumprido o ônus da prova por meio de documento com firma reconhecida por semelhança (caso contrário, essa espécie de reconhecimento não teria valor nenhum, o que é absurdo); logo, as conclusões desse julgado destinam-se a dar o sentido e o alcance do CPC73, art. 131, mas não se aplicam ao caso do registrador imobiliário, que não tem liberdade de apreciação de provas.

2.5. A decisão dada no processo CG 1.403/96 aplica-se aos tabeliães (e não a registradores) e, nesse contexto, é inatacável, porque, realmente, não é a conveniência do tabelião que impõe ou afasta o reconhecimento por autenticidade ou semelhança; no caso aqui discutido, porém, não está em jogo a conveniência ou não do registrador e, sim, de proteger o titular inscrito contra as fraudes sempre frequentes, como demonstram o quotidiano do ofício de registro de imóveis e da própria corregedoria permanente. Aliás, a caução locatícia imobiliária prevista na LL91 seria propícia para a fraude, porque essa forma de garantia, não pressupondo tomada de posse, pode ser contratada ilicitamente, sem que dela tome conhecimento o dono. Ademais, tanto se disseminaram as fraudes, que para os negócios concernentes a veículos automotores sempre se exige o reconhecimento de firmas por autenticidade (Conselho Nacional de Trânsito, Resolução n. 282, de 26 de junho de 2008, art. 11; Departamento Nacional de Trânsito, Portaria n. 1.606, de 19 de agosto de 2005, arts. 13-14; Decreto Estadual n. 43.980, de 7 de maio de 1999; CGJ, proc. 118/99 e Provimento CG 20/1999).

2.7. É da tradição do direito brasileiro exigir que os instrumentos particulares sejam reconhecidos por autenticidade (Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846, art. 8º; Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, art. 8º, § 2º; Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, art. 77, § 2º; CC16, art. 851, verbis “conhecidas do oficial do registro”). Assim, os atos privados que ingressam no registro de imóveis entram na classe dos documentos autênticos, autenticidade que adquirem quando recebem o reconhecimento de firmas (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 3ª ed., 1982, p. 292), segundo o CPC73, art. 369.

2.6. Há paridade lógica entre a exigência de escritura pública como forma dos atos imobiliários (CC02, art. 108) e os requisitos das exceções (dentre elas, as cauções reais da LL91): assim, onde se admite o instrumento particular, é logicamente necessário dotar essa espécie de título de maior rigor no que respeita à autenticidade das firmas que nele se apõem. Se para a lavratura de escritura pública é imprescindível o comparecimento pessoal, com o reconhecimento da identidade e capacidade dos figurantes e de quantos hajam comparecido ao ato (CC02, art. 215, § 1º, II), então o reconhecimento por autenticidade é o mínimo que se pode exigir nos instrumentos particulares: é a “notarialização” desses instrumentos, conforme a tradição do direito nacional.

2.8. Na Apelação Cível n. 6.779-0-SP (Rel. Des. Sylvio do Amaral j. 9.2.1987; parecer do juiz José Renato Nalini), acerca do reconhecimento de firmas em contrato de locação, ficou dito que a imperatividade do reconhecimento de firmas nos instrumentos particulares tem um fundamento racional i. e., a garantia da identidade das partes e que “os documentos públicos, em sentido estrito, são autênticos. Mas a autenticidade nos documentos particulares provém do reconhecimento de firma por tabelião. O reconhecimento autêntico está previsto no artigo 369 do Código de Processo Civil”.

2.9. Finalmente, nos casos em que a parte não conseguisse comparecer ao tabelião para o reconhecimento por autenticidade, a exigência formal poderia ser dispensada judicialmente, como admite, hoje, o Conselho Superior da Magistratura (Apel. Cív. 0009896-29.2010.8.26.0451 e 0018356-39.2011.8.26.0590).

3. O Ministério Público opinou pelo deferimento do pedido (fls. 102- 103).

4. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

5. A LRP73, art. 221, II, determina que os escritos particulares tragam reconhecidas as firmas das partes e testemunhas. Reconhecidas, diz, sem esclarecer se se trata de reconhecimento por autenticidade (Cód. de Proc. Civil, art. 369) ou por semelhança. Cabe, então, perguntar: pode o registrador, em algum caso, ou alguns, ou todos, exigir ao interessado que o reconhecimento se faça por uma, ou por outra forma (na prática, por autenticidade, meio que é mais seguro)? As razões do 5º RI são ponderáveis, porque se fundam, todas, na necessidade de segurança jurídica, que é a razão de ser do registro público. Entretanto, a construção esbarra em que ninguém está obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei (Constituição da República CF88, art. 5º I), e ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus: se a própria lei não exigiu, expressis verbis, alguma forma específica de reconhecimento, é porque qualquer delas basta, e não se pode exigir o contrário. Como diz a doutrina: “14. Reconhecimento de firmas O reconhecimento de firmas, no sistema dos registros públicos, somente pode ser exigido pelo oficial, como no caso das escrituras particulares, por efeito de disposição expressa de lei” (PONTES, Walmir. Registro de Imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 148) Responde-se, portanto: qualquer das duas formas de reconhecimento (por semelhança, ou por autenticidade) é eficaz, e não pode o registrador fazer com que os interessados empreguem uma, e não outra.

5.1. De fato conviria que no direito registral imobiliário do Brasil mais e mais se restringisse o cabimento dos instrumentos particulares, e que se tendesse a admitir, como títulos formais hábeis para ingresso, somente os atos notariais e judiciais, indubitavelmente mais seguros. Entretanto, assim não é, de maneira que, para bem ou para mal, o instrumento particular é admitido com largueza e, como dito, para a sua constituição não exigiu a lei, de modo expresso, o reconhecimento de firma por autenticidade.

5.2. A intenção do legislador do CPC73 acerca do reconhecimento de firma por autenticidade é interessante argumento, mas é preciso notar que a LRP73, contemporânea, não seguiu nessa ordem de ideias e, repita-se, das formas de reconhecimento de firma não excluiu a verificação por semelhança.

5.3. Realmente, os arestos invocados pela requerente (i. e., o REsp 302.469 e o proc. CG 1.403/96) não são congruentes com este caso, porque a questão sobre os modos de reconhecimento foi apreciada, aí, sob outra luz (naquele caso, para decidir sobre ônus probatório; nesse, para orientar a conduta dos tabeliães), e não está correto aplicar diretamente as conclusões então obtidas para a interpretação da LRP73, art. 221, II; porém, ainda que se prescinda desses julgados, volta-se a cair no mesmo ponto: a lei não distinguiu entre as formas de reconhecimento, de modo que não está em mãos dos ofícios do registro de imóveis nem da corregedoria permanente dizer o contrário.

5.4. Não se duvida que a caução locatícia se preste a artifícios e ardis, ou que os meios fraudulentos tanto se hajam disseminado, que certas autoridades administrativas (nomeadamente, as de trânsito) se tenham visto obrigadas a exigir maiores cautelas na documentação de certos negócios (como a transmissão de veículos automotores). O argumento, contudo, não é sólido o bastante para impor o reconhecimento por autenticidade aos instrumentos particulares de atos imobiliários: afinal, em matéria de muito maior gravidade qual seja, a viagem de menores ao exterior foi dispensado o reconhecimento de firma por autenticidade (Resolução n. 131 do Conselho Nacional de Justiça, de 26 de maio de 2011, art. 1º, II e III, art. 2º, II, e art. 8º, § 1º).

Vale dizer: os critérios pelos quais administrativamente se exija ou não o reconhecimento de firma por semelhança ou autenticidade são por demais casuísticos, e não bastam para fixar regra geral que sirva, no âmbito administrativo-registral, para conduzir uma interpretação normativa que justifique aceitar somente o reconhecimento por autenticidade.

5.5. Ademais, ainda que a tradição de nosso direito possa exigir reconhecimento por autenticidade, de lege lata a exigência não existe.

5.6. Novamente, é realmente curioso (ut alia non dicam) que se tenha buscado munir a escritura pública de tanta segurança (cf. CC02, art. 215) e, ao mesmo tempo, se hajam aberto tamanhas exceções em favor do instrumento particular como título formal para ingresso no registro de imóveis. Infelizmente, porém, é esse o estado de coisas, e as opções legislativas não podem ser corrigidas na esfera administrativa.

5.7. Por fim, na Ap. Cív. n. 6779-0 foi dito que a autenticidade nos documentos particulares provenha do reconhecimento de firma por tabelião, e que o reconhecimento autêntico seja aquele previsto no CPC73, art. 369; porém, para além disso a decisão não foi, e tanto essas afirmações foram meros obiter dicta, que em nenhum passo está excluída a eficácia do reconhecimento, por semelhança, das firmas de figurantes e testemunhas.

6. Do exposto, julgo procedente o pedido de providências deduzido por Cássia Nahas Administração de Bens Ltda. e determino ao 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo a averbação, na matrícula 31.224, da caução locatícia estipulada no instrumento de fls. 20-35 destes autos. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, em quinze dias, para a E. Corregedoria Geral da Justiça (Cód. Judiciário de São Paulo, art. 246).

Oportunamente, arquivem-se.

P. R. I.

São Paulo, . Josué Modesto Passos Juiz de Direito

(D.J.E. de 19.07.2013 – SP)