CGJ|SP: Reclamação – Tabelião de Notas – Cobrança de Emolumentos – Escritura de compra e venda de imóveis e de doação de dinheiro – Negócios jurídicos interligados, mas distintos – Doação de numerário, contudo, que prescinde de escritura pública para ser instrumentalizado – Incidência do item 1.6 das Notas Explicativas – Cobrança a maior configurada – Ausência de dolo ou erro grosseiro – Determinação de devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da cobrança a maior – Recurso não provido.

PROCESSO Nº 2012/108699 – OLÍMPIA – OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E TABELIÃO DE NOTAS DO MUNICÍPIO DE CAJOBI – Parte: ÉRIKA GIMENEZ.

Parecer (113/2013-E)

Reclamação – Tabelião de Notas – Cobrança de Emolumentos – Escritura de compra e venda de imóveis e de doação de dinheiro – Negócios jurídicos interligados, mas distintos – Doação de numerário, contudo, que prescinde de escritura pública para ser instrumentalizado – Incidência do item 1.6 das Notas Explicativas – Cobrança a maior configurada – Ausência de dolo ou erro grosseiro – Determinação de devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da cobrança a maior – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Cajobi, que se insurge contra a r. decisão de fls. 16/17, por meio da qual o MM. Juiz Corregedor Permanente recebeu como dúvida a consulta de emolumentos feita por Érika Gimenez e entendeu que a cobrança relativa à escritura pública de venda e compra de imóveis com doação de numerário e imposição de cláusulas restritivas deve ser feita nos termos do item 3.3, das notas explicativas da Tabela de Custas da Lei Nº 11.331/02.

Aduz, em suma, que não houve dolo na cobrança, mas interpretação de que o ato notarial praticado consubstancia dois negócios jurídicos distintos, justificando-se a cobrança na forma em que efetivada. Alega, ainda, que a hipótese não se encontra dentre as previstas no itens 3.4 e 3.5, das notas explicativas da Tabela de Custas.

Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 39-A).

A D. Procuradoria Geral de Justiça requereu a conversão de feito em diligência para oitiva do Colégio Notarial do Brasil e da Arisp, o que foi deferido, e, no mérito, opinou pela aplicação do item 1.6, das notas explicativas da Tabela, haja vista que a doação de numerário prescinde de instrumento particular para se efetivar (fls. 43/46).

O Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, também entende correta a incidência do item 1.6 supra (fls. 52/55).

A Arisp entende que os atos são interligados e vinculados (fls. 56/58).

É o relatório.

Opino.

De início, observe-se que de dúvida registral não se trata, uma vez que não se está diante de ato passível de registro em sentido estrito. Trata-se, em verdade, de consulta feita pela usuária do serviço notarial com base na Lei Estadual nº 11.331/02.

Discute-se a correção da cobrança de emolumentos que incidiu sobre a “escritura pública de compra de imóveis rurais, com doação de numerário e imposição de cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade”, lavrada em 04.11.11, pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Cajobi, cuja cópia se encontra às fls. 07/08.

O Tabelião entende que a compra e venda do imóvel e a doação do dinheiro para sua aquisição constituem negócios jurídicos distintos, motivo por que a cobrança deve abarcar dois atos.

O MM. Juiz Corregedor Permanente, na consideração de que a doação tem intrínseca relação com o negócio principal, entendeu aplicável o item 3.3, das notas explicativas da Tabela de Emolumentos:

Se a escritura contiver, além do ato jurídico principal, outros que lhe forem acessórios, entre as mesmas partes ou não, os emolumentos serão calculados sobre o negócio jurídico de maior valor, com o acréscimo de ¼ (um quarto) de cada um dos demais, respeitado o mínimo previsto no item 1 da tabela, combinado com o art. 7.º desta lei.

Conquanto interligados, não há como se afirmar que a doação seja contrato acessório da compra e venda dos imóveis. Carlos Roberto Gonçalves lembra que os contratos principais são os que têm existência própria, autônoma e não dependem de qualquer outro; acessórios são os que têm sua existência subordinada à do contrato principal, como a cláusula penal e a fiança. E, com base no escólio de Messineo, anota que a função predominante dos contratos acessórios é garantir o cumprimento de obrigações contraídas em contrato principal (1).

No caso em exame, está-se diante de dois contratos autônomos e distintos, embora celebrados dentro de um mesmo contexto: dar à compradora o numerário necessário para adquirir os imóveis.

Partindo-se dessa premissa, não há como se aplicar o item 3.3 supra.

Contudo, a solução adotada pelo Tabelião também parece não ser a mais acertada.

É que, como bem frisaram a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça e o Colégio Notarial do Brasil, a instrumentalização da doação de numerário prescinde de escritura pública, o que dá lugar à incidência do item 1.6 das notas explicativas da Tabela em relação a este negócio jurídico:

As transações, cuja instrumentalização admitem forma particular, terão o valor previsto no item 1 da tabela reduzido em 40% (quarenta por cento), devendo sempre ser respeitado o mínimo ali previsto, combinado com o art. 7.º desta lei.

Aplicando-se aludido item no caso concreto, verifica-se que a cobrança deveria ter sido realizada da seguinte forma: a) faixa “t” integral para compra e venda de imóveis; e b) 40% da faixa “t” para a doação do numerário.

Assim, a título de emolumentos, o tabelião teria a receber a quantia equivalente a R$ 5.048,16 (R$ 3.605,83 da compra e R$ 1.442,33 da doação do numerário), e não R$ 7.211,66, como ocorreu. Verifica-se, destarte, o recebimento a maior de R$ 2.163,50.

A despeito da interpretação do Tabelião, não se antevê dolo, má-fé ou culpa grave em sua conduta, haja vista a dificuldade do enquadramento da natureza jurídica do negócio de doação, se principal ou acessório, bem como a inexistência de precedente específico sobre a matéria.

Inviável, destarte, a aplicação da multa e da devolução do décuplo previstos no art. 32 e § 3º, da Lei Estadual nº 11.331/02, conforme a atual orientação desta Corregedoria Geral:

A jurisprudência desta Corregedoria Geral é firme no sentido de que a devolução no décuplo do valor cobrado a maior e a instauração de procedimento disciplinar pela cobrança indevida dependem da verificação de dolo, má-fé ou erro grosseiro:

“Como já se decidiu no âmbito da Corregedoria Geral da Justiça, a restituição em décuplo tem cabida somente quando a cobrança de importância indevida ou excessiva advém de erro grosseiro, dolo ou má-fé. Nesse sentido decisão exarada em 1º de março de 2004 pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Mário Antonio Cardinale no processo nº 80/04, em que aprovado parecer elaborado pelo MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José Marcelo Tossi Silva, com a seguinte ementa:‘Emolumentos – Oficial de Registro de Imóveis – Cobrança em excesso – Ausência de dolo, ou má-fé – Devolução em décuplo indevida – Recurso não provido’”. (Proc. CG 2010/34918)

No caso em exame, não há indícios de má-fé, dolo ou erro grosseiro, mas mera interpretação equivocada dos preceitos normativos ainda não específicos sobre os inventários e partilhas, separações e divórcios extrajudiciais. Incabíveis, por conta deste episódio isolado, a devolução no décuplo da quantia cobrada a maior e a instauração de procedimento disciplinar, devendo a reclamada, doravante, observar a forma de cobrança ora delineada para os atos futuros.

(Processo CG 2012/00006965)

No caso em exame, da mesma forma que no precedente citado, fixada agora a maneira de se proceder frente à escritura em questão, não mais poderá o Tabelião insistir na interpretação ora afastada, sob pena de se inverter a presunção de boa-fé.

Assim, parece adequado ao caso em exame a determinação da devolução simples, corrigida monetariamente desde o desembolso, da quantia paga pela usuária ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Cajobi.

Nesses termos, o parecer que respeitosamente submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que seja negado provimento ao recurso para determinar ao recorrente, Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Cajobi, a devolução simples da quantia cobrada a maior (R$ 2.163,50), corrigida monetariamente desde o desembolso, a Érika Gimenez.

Em caso de aprovação, diante da relevância do tema, sugere-se a publicação do parecer para conhecimento geral.

Sub censura.

São Paulo, 26 de março de 2013.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

NOTA DE RODAPÉ

(1)Direito civil brasileiro, volume III: contratos e atos unilaterais – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2006, p.

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso e determino ao recorrente, Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Cajobi, a devolução simples da quantia cobrada a maior (R$ 2.163,50), corrigida monetariamente desde o desembolso, a Érika Gimenez. Publique-se a íntegra do parecer para conhecimento geral. São Paulo, 26 de março de 2013. (a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 26.04.2013 – SP)