TJ|RJ: Adjudicação Compulsória. Compra e Venda de Imóvel. Cessão de Direitos.

QUINTA CÂMARA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Apelação Cível n. 0017347-33.2008.8.19.0011

3ª Vara Cível da Comarca de Cabo Frio

Apelante: Mary Renault Marinho

Apelado: Construtora Padre Vitor Ltda.

Relator: DES. MILTON FERNANDES DE SOUZA

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CESSÃO DE DIREITOS.

1 – O promitente comprador de um imóvel, celebrado por instrumento público ou particular (CC, art. 1.417), por ser titular de um direito obrigacional – de receber a escritura – após a quitação do preço, pode transferir esse direito a um terceiro, através de cessão de direito, independente da vontade do promitente vendedor.

3 – O cessionário, nesse caso, se sub-roga nos direitos do cedente, a teor do disposto no art. 348 do Código Civil.

4 – A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual firmou entendimento de que na Ação de Adjudicação Compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima para figurar no polo passiva da demanda.

Recurso de apelação tempestivamente interposto em face de sentença que, em ação de adjudicação compulsória, julgou improcedentes os pedidos autorais, nos seguintes termos:

“(…) A lide pode ser composta no estado em que se encontra o processo, justificando-se o julgamento pela evidência de que não há necessidade da produção de outras provas, conforme manifestação das partes em fls. 71 e 74/77. A(s) questão(ões) controvertida versa sobre a obrigação da parte ré em lavrar ou não escritura definitiva de imóvel para a parte autora. Não obstante alegações da parte autora, conforme se observa no contrato de compra e venda, de fls. 15/16, lavrado em 04/05/2005, o mesmo foi firmado com a empresa M3D Comércio e Serviços Ltda. ME., e não com a parte ré. Apesar da parte ré constar no Registro Geral de Imóveis como a proprietária do mesmo não firmou contrato de compra e venda com a parte autora. A parte ré vendeu o imóvel para a empresa M3D Comércio e Serviços Ltda. ME., conforme contrato de compra e venda acostado em fls.17/22, em 16/09/2004, no Município de Barra Mansa. Portando, infere-se que inexiste relação jurídica entre a parte autora e a parte ré. A parte ré não pode se compelida a lavrar escritura pública de venda de imóvel para a parte autora, pois o imóvel foi vendido para a empresa M3D Comércio e Serviços Ltda. ME., sendo que esta foi quem vendeu o imóvel para a parte autora. Deve-se observar o princípio da continuidade dos registros, na forma dos arts. 195 e 237 da Lei n. 6.015/73.Por todo o exposto, o pedido inicial deve ser rejeitado em face da parte ré. Isto posto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos autorais, com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados sobre 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, na forma do art. 20, parágrafo 40, do CPC, considerando decisão em fls. 79 de revogação da gratuidade de justiça deferida.(…)”.

Sustenta a apelante, em síntese, que; (a) se o imóvel está registrado em nome da apelada, somente esta poderá transferir a propriedade do referido imóvel, transferência essa a qual se obrigou, tanto na cláusula 4.4 do Instrumento Particular de Contrato de Compra e Venda com Cláusula de Permuta (fl.19), na verdade, uma estipulação em favor de terceiro, quanto no Contrato de Promessa de Compra e Venda, a qual participou por meio de sua anuência expressa (fl.16); (b) a tese apresentada pela apelada em sua contestação ofende os postulados de probidade e boa-fé, assim como a vedação ao comportamento contraditório; (c) ao contrário do que entendeu o Juízo a quo, a lavratura da escritura em favor da apelante não viola o princípio da continuidade dos registros públicos, pois a exigência do art. 237 da Lei n° 6.015/73 para que seja feito o registro, vem a ser a apresentação do título hábil para a continuidade dos registros, no caso, a escritura definitiva passada por quem consta no Registro Geral de Imóveis como titular do domínio, isto é, a apelada; (d) o art. 195 da Lei 6.015/73 a que se refere a r. sentença exige que o imóvel esteja registrado em nome do outorgante, isto é, daquele que está apto em lavrar a escritura definitiva, no caso, a apelada; (e) a referência ao art. 237 da mesma lei em nada se aplica ao presente processo, pois o registro da escritura definitiva que venha a ser lavrada em favor da apelante não depende de nenhum outro registro anterior, uma vez que o último registro vem a ser o que traz o nome da apelada como titular do domínio e (f) O título hábil para o registro seria a escritura definitiva lavrada pela apelada (Construtora Padre Vitor Ltda./Promitente) em favor da apelante (Marly Renault Marinho/Terceira Beneficiária), a qual fora indicada pelo Estipulante (M3D Comércio e Serviços Ltda. ME), conforme o disposto na cláusula 4.4 do Instrumento Particular de Contrato de Compra e Venda com Cláusula de Permuta, escritura esta que a apelada recusou-se, injustificadamente, a lavrar em favor da apelante. Requer seja reformada a sentença alvejada, no sentido de julgar procedentes os pedidos formulados na inicial, sobretudo, na outorga em seu nome da escritura do imóvel localizado Rua da Luz, n° 1.210, Cabo Frio, Rio de Janeiro, bem como a inversão dos honorários advocatícios.

A apelada não apresentou contrarrazões (fl.135).

Trata-se de ação proposta por Mary Renault Marinho em face de Construtora Padre Vitor Ltda., para obter a adjudicação compulsória do imóvel constituído pelo apartamento n° 102 (cento e dois), no primeiro andar do Condomínio Residencial Diamond, situado na Rua da Luz, n° 1.210, Cabo Frio, onde reside.

A Adjudicação Compulsória é o meio eficaz que a parte dispõe para outorga da escritura definitiva de imóvel, adquirido através de promessa de compra e venda, quando não se logra êxito em obtê-la consensualmente.

A pretensão encontra amparo jurídico nos seguintes diplomas legais: Decreto-Lei nº 58/67, arts. 15, 16 e 17; Código Civil, arts. 1.417 e 1418; e Código de Processo Civil, arts. 466-A, 466-B e 466-C e implica declaração judicial para transferência do bem junto ao Registro de Imóveis.

Para tanto, necessita o Autor do preenchimento de requisitos específicos: instrumento contratual válido e legitimamente firmado, ausência de cláusula de arrependimento e quitação do preço.

Além disso, havendo sucessivas cessões do direito aquisitivo ao imóvel objeto da lide, a cadeia sucessória também deve ser devidamente demonstrada.

Tais requisitos foram plenamente demonstrados, não havendo qualquer discussão a esse respeito.

A controvérsia dos autos gira em torno da legitimidade da apelada para outorgar a escritura definitiva à apelante.

Nesse contexto, consigne-se que a jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual firmou entendimento de que na Ação de Adjudicação Compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, como ocorre no caso em tela.

O promitente comprador de um imóvel, celebrado por instrumento público ou particular (CC, art. 1.417), por ser titular de um direito obrigacional – de receber a escritura – após a quitação do preço, pode transferir esse direito a um terceiro, através de cessão de direito, independente da vontade do promitente vendedor.

O cessionário, nesse caso, se sub-roga nos direitos do cedente, a teor do disposto no art. 348 do Código Civil.

Isto porque, tendo o cessionário sucedido na relação contratual, o mesmo passa a desfrutar da mesma condição do cedente, dispondo de direito próprio contra o promitente vendedor.

Assim, pode o cessionário dos direitos relativos a contrato preliminar de compra e venda de imóvel postular diretamente adjudicação compulsória perante o promitente vendedor, e em cujo nome se encontra no imóvel matriculado no Ofício do Registro Imobiliário.

Neste ponto, como a ação tem o escopo de transcrição do imóvel em nome da apelante, indiscutível que a legitimidade para responder pela alegada negativa de outorga de escritura é do promitente vendedor – apelada, porquanto apenas este pode outorgar a escritura e não o cedente, que não tem condições de proceder ao registro.

Logo, a obrigação decorrente da adjudicação compulsória é do promitente vendedor, pouco relevando o papel do cedente, considerando que o direito que se pretende somente pode ser cumprido pelo titular do domínio.

Dessa forma, não há que se falar em necessidade da presença de todos os cedentes da cadeia sucessória do imóvel no polo passivo da relação processual, bastando que ele seja composto pelo titular do imóvel, diante da inexistência de litisconsórcio necessário na espécie.

Nesse sentido se orienta a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

AGRAVO REGIMENTAL. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE-VENDEDOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DESTA CORTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

I – Na ação de adjudicação compulsória não é necessária a participação dos cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima para figurar no polo passiva da demanda.

II – A revisão dos honorários advocatícios fixados com base em critérios de equidade, nos termos do artigo 20, do Código de Processo Civil e o acolhimento da pretensão recursal demandam, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, incidindo o óbice da Súmula 7 desta Corte.

III – O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido.

(AgRg no Ag 1120674/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 13/05/2009)

ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. LITISCONSÓRCIO. CEDENTES.

1. Na ação de adjudicação compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo corretamente ajuizada a ação contra o promitente vendedor.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 648.468/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2006, DJ 23/04/2007, p. 255).

Mencione-se, ainda, que a obrigação da apelante exsurge do próprio contrato de compra e venda firmado com M3D COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA. ME, como se vê na cláusula 4.4 (fl.19), que ora se transcreve:

4.4. Será, entretanto, permitida a contratada/segunda permutante, desde que seja de seu interesse, receber a escritura de permuta e realizar o respectivo registro de imóveis uma vez concluída e aprovada a instalação do material discriminado, ou aguardar a averbação da construção;  a) Após 60 (sessenta) dias da execução do serviço e do fornecimento do material mencionado no ANEXO I, e não havendo nenhuma oposição do serviço e do material fornecido, a CONTRATADA/SEGUNDA PERMUTANTE poderá transferir para si ou para terceiro; e neste caso o CONTRATANTE/PRIMEIRO PERMUTANTE passará a escritura definitiva para quem a CONTRATADA/SEGUNDA PERMUTANTE indicar por escrito.”

Soma-se a isso o fato da apelada ter anuído, expressamente, à cessão feita entre a M3D COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA. ME e a apelante (fl.16) motivo pelo qual não pode se eximir de cumprir sua obrigação.

Pensar diferente seria prestigiar o comportamento contraditório, que é veemente vedado no ordenamento jurídico brasileiro, por violar a boa-fé nas relações contratuais.

Por conseguinte, impõe-se o decreto de procedência do pedido.

Por tais motivos, dou provimento ao recurso, para julgar procedente o pedido e determinar a adjudicação do bem em nome da apelante, invertidos os ônus sucumbenciais.

Rio de Janeiro, 25 de março de 2013.

DESEMBARGADOR MILTON FERNANDES DE SOUZA

Relator