STJ: Recurso especial. Ação de busca e apreensão. Contrato de financiamento de automóvel com garantia de alienação fiduciária. Notificação extrajudicial realizada por Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa da do domicílio do devedor. Validade.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE AUTOMÓVEL COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA POR CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS SITUADO EM COMARCA DIVERSA DA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. VALIDADE. 1. A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor. Precedentes. 2. Julgamento afetado à Segunda Seção com base no procedimento estabelecido pela Lei nº 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos) e pela Resolução STJ nº 8/2008. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ – REsp nº 1.184.570 – MG – 4ª Turma – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – DJ 15.05.2012)

ACÓRDÃO

A Seção, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sra. Ministra Relatora.

Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foi fixada a tese de que é válida a notificação extrajudicial realizada por via postal, com aviso de recebimento, no endereço do devedor, ainda que o título tenha sido apresentado em Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa do domicílio daquele. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília/DF, 09 de maio de 2012 (data do julgamento).

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI – Relatora.

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/A ,com fundamento nas alíneas “a” e “c” do art. 105, III, da Constituição Federal, contra acórdão que manteve sentença indeferitória da inicial de ação de busca e apreensão proferida pelo Juízo de Direito da 5ª Vara Cível de Belo Horizonte – MG.

O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa (e-STJ fl. 69):

AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – NOTIFICAÇÃO – CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS – CIRCUNSCRIÇÃO DISTINTA DA DO ENDEREÇO DO DEVEDOR – MORA NÃO COMPROVADA. Em que pese seja a carta com “AR” entregue no endereço do devedor suficiente para comprovar a notificação, presumindo-se que o recebimento naquele lugar, por outra pessoa, tenha sido autorizado pelo notificando, no caso dos autos, a notificação extrajudicial foi enviada por cartório de circunscrição diversa da do endereço do devedor, sendo, pois, imprestável para constituí-lo em mora, pois o ato do tabelião praticado fora do âmbito de sua delegação é inválido, segundo os artigos 8º e 9º da Lei nº 8.935/94.

Sustenta a recorrente ofensa aos arts. 2º, § 2º e 3º do Decreto-Lei n. 911/69 e aos arts. 8º e 9º da Lei nº 8.935/04, ao argumento de que a referida legislação não exige que a notificação deva ser expedida pelo cartório do domicílio do devedor.

Ressalta que a notificação atingiu sua finalidade, pois foi recebida no endereço fornecido pelo devedor no ato da celebração do contrato de alienação fiduciária.

A recorrente assevera que a legislação que regula a matéria não faz alusão alguma a que o Cartório de Títulos e Documentos deva estar localizado no mesmo domicílio do devedor fiduciário para expedir as notificações extrajudiciais por carta registrada, a fim de constituir em mora o devedor.

Aponta divergência jurisprudencial salientando que, enquanto o tribunal de origem entende que a mora não foi comprovada porque a notificação extrajudicial foi enviada por cartório de circunscrição diversa do endereço do devedor, o Tribunal de Justiça de São Paulo, diversamente, entende que o fato de a notificação extrajudicial ter sido enviada por meio de cartório de títulos e documentos de comarca diversa da do domicílio do devedor é irrelevante, principalmente porque atingiu sua finalidade.

Requer o provimento do recurso para que seja reformado o acórdão de origem e deferida a liminar de busca e apreensão com o prosseguimento do feito nos termos do Decreto-Lei nº 911/69.

Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial (cf. e-STJ fl. 102).

O recurso foi admitido na origem como representativo da controvérsia, nos moldes do art. 543-C, § 1º, do Código de Processo Civil (e-STJ fl.103).

No parecer de fls. 117/119, o Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora):

Como visto do relatório, a questão discutida nos presentes autos atém-se à validade, ou não, de notificação extrajudicial realizada por Cartório de comarca diversa do domicílio do devedor.

Prequestionada a matéria e demonstrada a divergência jurisprudencial, conheço do recurso e passo ao seu exame.

No que interessa, constou do voto condutor do acórdão recorrido (e-STJ fl.72):

“Como é curial em questões dessa natureza, nas dívidas garantidas por alienação fiduciária, reafirme-se, a mora constitui-se ‘ex re’, segundo o disposto no § 2º, do Decreto-lei 911/69, com a notificação servindo apenas para sua comprovação, não sendo exigir-se, para esse efeito, mais do que a referência ao contrato inadimplido e que seja entregue no endereço do devedor.

Lado outro, observo que a hipótese em julgamento guarda uma particularidade eis que, conforme análise dos documentos encartados aos autos, o réu/apelado reside numa casa situada na R. Gomes Ferraz, nº 125, bairro Santa Lúcia, nesta Capital – fl. 05 – e a notificação extrajudicial foi enviada por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos de Raul Soares/MG, fls. 06/08.

Ora, a notificação extrajudicial envida por cartório distinto da comarca do devedor é imprestável para constituí-lo em mora, pois o ato do tabelião praticado fora do âmbito de sua circunscrição é inválido, segundo os artigos 8º e 9º da Lei nº 8.935/94… “

A jurisprudência desta Corte, quanto à questão da mora, pacificou-se no sentido de que, na ação de busca e apreensão, cujo objeto é contrato de financiamento com garantia fiduciária, a mora constitui-se ex re nas hipóteses do art. 2.º, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 911/69, ou seja, uma vez não paga a prestação no vencimento, já se configura a mora do devedor que deverá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor (art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/69).

Ainda no que diz respeito à constituição em mora por meio de notificação extrajudicial, foi consolidado o entendimento de que para a sua caracterização, é suficiente a entrega da correspondência no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente. A propósito:

“PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONVERSÃO EM DEPÓSITO. CONSTITUIÇÃO EM MORA. NOTIFICAÇÃO ENTREGUE NO ENDEREÇO DO DEVEDOR. VALIDADE. DECRETO-LEI N. 911, ART. 2º, § 2º. EXEGESE. I. Válida a notificação para constituição em mora do devedor efetuada em seu domicílio, ainda que não lhe entregue pessoalmente. Precedentes do STJ. II. Recurso especial conhecido e provido, para afastar a extinção do processo, determinando ao Tribunal de Alçada a apreciação das demais questões postas no agravo de instrumento.” (REsp 692.237/MG, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11/4/2005).

“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CARACTERIZAÇÃO DA MORA. PRECEDENTES. COMPROVAÇÃO DA MORA. VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO. REQUISITO PARA CONCESSÃO DE LIMINAR. – Ainda que haja possibilidade de o réu alegar, na ação de busca e apreensão, a nulidade das cláusulas do contrato garantido com a alienação fiduciária, ou mesmo seja possível rever, de ofício, cláusulas contratuais consideradas abusivas, para anulá-las, com base no art. 51, IV do CDC, a jurisprudência da 2.ª Seção do STJ é pacífica no sentido de que na alienação fiduciária a mora constitui-se ex re, isto é, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento, por isso não cabe qualquer inquirição a respeito do montante ou origem da dívida para a aferição da configuração da mora. – Na alienação fiduciária, comprova-se a mora do devedor pelo protesto do titulo, se houver, ou pela notificação extrajudicial feita por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos, que é considerada válida se entregue no endereço do domicílio do devedor, ainda que não seja entregue pessoalmente a ele. – A busca e apreensão deve ser concedida liminarmente se comprovada a mora do devedor fiduciante. Recurso especial provido.” (REsp 810717/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 4.9.2006)

Nestes pontos o acórdão recorrido não destoa da jurisprudência desta Corte.

A divergência, entretanto, se faz presente no tocante à possibilidade de a notificação extrajudicial, exigida para a comprovação da mora do devedor nos contratos de financiamento com garantia de alienação fiduciária, ser realizada por Cartório de Títulos e Documentos de Comarca diversa do domicílio do devedor.

A Quarta Turma desta Corte, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.237.699-SC, de relatoria do Min. Luis Felipe SalomãoDJe de 18.5.2011, decidiu que a notificação extrajudicial pode ser realizada por Cartório de Títulos e Documentos de Comarca diversa do domicílio do devedor. Confira-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE AUTOMÓVEL COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA POR CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS LOCALIZADO EM COMARCA DIVERSA DA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. 1. A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor. 2. De fato, inexiste norma no âmbito federal relativa ao limite territorial para a prática de atos registrais, especialmente no tocante aos Ofícios de Títulos e Documentos, razão pela qual é possível a realização de notificações, como a efetivada no caso em apreço, mediante o requerimento do apresentante do título, a quem é dada liberdade de escolha nesses casos. 3. A notificação extrajudicial, seja porque não está incluída nos atos enumerados no art. 129, seja porque não se trata de ato tendente a dar conhecimento a terceiros acerca de sua existência, não está submetido ao disposto no art. 130 da Lei 6.015/73. 4. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (REsp 1237699/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 18/05/2011, sublinhei)

Por ocasião do referido julgamento foi ressaltado que não existe norma no âmbito federal relativa ao limite territorial para a prática de atos registrais, especialmente no tocante aos Ofícios de Títulos e Documentos, razão pela qual é possível a realização de notificações mediante o requerimento do apresentante do título, a quem é dada liberdade de escolha nesses casos.

Constou do voto condutor do acórdão citado:

“É bem verdade que a E. Terceira Turma desta Corte, em precedente de 2007, entendeu que, em virtude do disposto nos art. 8º e 9º da Lei n. 8.935/94, o tabelião não pode praticar atos fora do município para o qual recebeu delegação, conforme a seguinte ementa:

Notificação extrajudicial. Artigos 8º e 9º da Lei nº 8.935/94. 1. O ato do tabelião praticado fora do âmbito de sua delegação não tem validade, inoperante, assim, a constituição em mora. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 682399/CE, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/05/2007, DJ 24/09/2007, p. 287)

Contudo, penso que não se deve aplicar o mesmo entendimento para a hipótese ora em julgamento.

3. Com efeito, os arts. 8º, 9º e 12 da Lei 8.935/94 dispõem que:

Art. 8º É livre a escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio.

Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do Município para o qual recebeu delegação.

Art. 12. Aos oficiais de registro de imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as circunscrições geográficas.

Verifica-se que os dispositivos referem-se, especificamente, aos tabelionatos de notas e aos registros de imóveis e civis das pessoas naturais , limitando a prática dos atos notariais realizados por estes oficiais de registro às circunscrições geográficas para as quais receberam delegação.

Nesse passo, a contrario senso, se a norma não restringiu a atuação dos Cartórios de Títulos e Documentos ao município para o qual recebeu delegação, não cabe a esta Corte interpretar a norma de forma mais ampla, limitando a atuação destes cartórios.

Máxime porque, no tocante às notificações extrajudiciais realizadas por via postal, não há qualquer deslocamento do oficial do cartório a outra comarca.

De fato, inexiste norma no âmbito federal relativa ao limite territorial para a prática de atos registrais, especialmente no tocante aos Ofícios de Títulos e Documentos, razão pela qual é possível a realização de notificações, como a efetivada no caso em apreço, mediante o requerimento do apresentante do título, a quem é dada liberdade de escolha nesses casos.

4. Por outro lado, cumpre destacar, ainda, que o art. 130 da Lei 6.015/73, quando prevê o princípio da territorialidade, a ser observado pelas serventias de registro de títulos e documentos, não alcançou os atos de notificação extrajudicial, verbis:

Art. 130. Dentro do prazo de vinte dias da data da sua assinatura pelas partes, todos os atos enumerados nos arts. 128 e 129, serão registrados no domicílio das partes contratantes e, quando residam estas em circunscrições territoriais diversas, far-se-á o registro em todas elas. (Renumerado do art. 131 pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. Os registros de documentos apresentados, depois de findo o prazo, produzirão efeitos a partir da data da apresentação.

O art. 129, por sua vez, enumera os atos que deverão ser registrados no domicílio das partes contratantes:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: (Renumerado do art. 130 pela Lei nº 6.216, de 1975).

1º) os contratos de locação de prédios, sem prejuízo do disposto do artigo 167, I, nº 3;

2º) os documentos decorrentes de depósitos, ou de cauções feitos em garantia de cumprimento de obrigações contratuais, ainda que em separado dos respectivos instrumentos;

3º) as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;

4º) os contratos de locação de serviços não atribuídos a outras repartições;

5º) os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, os de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis e os de alienação fiduciária;

6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;

7º) as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;

8º) os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior.

9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento.

Walter Ceneviva, ao tratar do art. 130 da Lei 6.015/73, afirma:

“O domicílio determina a atribuição ao serviço de certa comarca, para que se assegure a cognoscibilidade por todos os terceiros. O assentamento fora do domicílio das partes, dos apresentados e interessados, dificultaria o conhecimento do ato por terceiros.

Havendo mais de um registro na comarca, a transcrição poderá ser feita em qualquer deles, vedada que é a distribuição (art. 131).”

5. Assim, a notificação extrajudicial, seja porque não está incluída nos atos enumerados no art. 129, seja porque não se trata de ato tendente a dar conhecimento a terceiros acerca de sua existência, não está submetido ao disposto no art. 130 da Lei 6.015/73.

Observe-se que a limitação descrita no art. 9º da Lei nº 8.935/94 é dirigida ao tabelião na prática de serviços notariais e de registro, dentro das atribuições do cartório de notas.

Já a realização de notificação extrajudicial está a cargo do cartório de títulos e documentos, cujo titular denomina-se oficial de registro, para o qual não vinga a específica restrição.

Em resumo, o art. 9º da Lei nº 8.935/94, inserido na Seção II “Das Atribuições e Competências dos Notários”, traz restrição à prática de atos fora do Município para o qual recebeu delegação, mas diz respeito expressamente ao tabelião de notas, não se aplicando ao cartório de títulos e documentos. Observe-se que, para este último, há seção específica na referida lei: “Atribuições e Competências dos Oficiais de Registros”.

Assim, por ausência de norma dispondo em contrário e tendo em vista o pleno alcance de sua finalidade (dar conhecimento da mora ao próprio devedor a quem é endereçada a notificação), tenho como válida a notificação extrajudicial realizada por via postal, no endereço do devedor, ainda que o título tenha sido apresentado em Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa do domicílio daquele.

Recentemente, a 2ª Seção, no julgamento do REsp nº 1283.834-BA, de minha relatoria, colocou uma pá de cal sobre a questão quando acordou, à unanimidade, ter como válida a notificação extrajudicial realizada por via postal, no endereço do devedor, ainda que o título tenha sido apresentado em Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa do domicílio daquele. O citado acórdão recebeu a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE AUTOMÓVEL COM GARANTIA DE ALIENTAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA POR CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS SITUADO EM COMARCA DIVERSA DA DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. VALIDADE. 1. “A notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Documentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor” (REsp n. 1237699/SC, Rel. Ministro Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/03/2011, DJe 18/05/2011). 2. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (REsp 1283834/BA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 09/03/2012)

No caso ora em exame, o devedor reside na Comarca de Belo Horizonte /MG e a recorrente, Aymoré Crédito Financiamento e Investimento S/A, com o objetivo de constituí-lo em mora, realizou a notificação extrajudicial por intermédio do Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de Raul Soares /MG.

A tese assentada para os efeitos previstos no art. 543-C do CPC é, pois, a de que é válida a notificação extrajudicial realizada por via postal, com aviso de recebimento, no endereço do devedor, ainda que o título tenha sido apresentado em Cartório de Títulos e Documentos situado em comarca diversa do domicílio daquele.

Em face do exposto, conheço e dou parcial provimento ao recurso especial para cassar o acórdão e a sentença, determinando o retorno dos autos à primeira instância para prosseguimento da demanda, analisando-se os demais aspectos da lide.

Após a publicação do acórdão, comunique-se ao Presidente e aos Ministros integrantes das Turmas da 2ª Seção desta Corte, bem como aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais, para os procedimentos previstos no art. 543-C, parágrafo 7º, incisos I e II, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 11.672/2008, e no art. 5º, incisos I, II, e III da Resolução/ STJ nº 8/2008.

É como voto.

Fonte: Boletim INR – Grupo Serac – nº 5399 – São Paulo, 13 de Agosto de 2012