CSM|SP: Registro Civil das Pessoas Naturais – Dúvida – Recusa do registro de escritura pública de emancipação – Exclusiva manifestação da mãe – Exercício integral do pátrio poder que não implica na imediata conferência isolada da legitimidade negocial a cada um dos genitores – Alegações não constantes do título – Registro inviável – Recurso desprovido.

ACORDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 96.914-0/9, da Comarca de AMERICANA, em que são apelantes E.A.Z.S e OUTRO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS E DE INTERDIÇÕES E TUTELA da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores SERGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, Presidente do Tribunal de Justiça, e LUÍS DE MACEDO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 29 de novembro de 2002.

(a) LUIZ TÂMBARA, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

EMENTA: Registro Civil das Pessoas Naturais – Dúvida – Recusa do registro de escritura pública de emancipação – Exclusiva manifestação da mãe – Exercício integral do pátrio poder que não implica na imediata conferência isolada da legitimidade negocial a cada um dos genitores – Alegações não constantes do título – Registro inviável – Recurso desprovido.

Cuida-se de recurso de apelação tempestivamente interposto por E.F.da S. e EA.Z.S contra r. decisão prolatada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da sede da Comarca de Americana, que manteve a recusa ao registro de escritura pública de emancipação lavrada nas notas do 2. Tabelião local (L.500; fls.181) e datada de 15 de fevereiro de 2002, onde constam, como outorgante, E.A.Z.S e, como outorgado, E.F.da S., ora apelantes.

A decisão atacada (fls.19/21) fundou-se na ausência de expresso consentimento do pai do menor, A. da S., requisito para a validade e a plena eficácia da emancipação.

Os recorrentes argumentam (fls.24/29) que o paradeiro do genitor é desconhecido, sabendo-se, apenas e tão somente, que reside na Comarca de Mauá, não se harmonizando a negativa de registro com o disposto nos artigos 5°, inciso I da Constituição da República e 12, inciso II do vigente Código Civil.

O Ministério Público, em segunda instância, opinou seja negado provimento ao recurso interposto.

É o relatório.

A questão controvertida, no âmbito do presente feito, diz respeito à viabilidade, a partir da manifestação exclusiva de um único genitor, da consecução de uma emancipação, isto é, discute-se a exigibilidade da manifestação de ambos os pais, como requisito de validade do ato em relevo.

Conforme o documento de fls.09, correspondente ao traslado do instrumento público examinado, a apelante, e EA.Z.S, na qualidade de mãe de E.F., emitiu declaração de vontade no sentido de conferir plena capacidade civil de gozo a seu filho, ficando este apto à prática de todos os atos atinentes à vida civil.

Ressalto, num primeiro plano, que, materializada a negativa de um ato de registro em sentido estrito, ainda que atinente ao registro civil das pessoas naturais, trata-se de dúvida, tal como disciplinada pelos artigos 198 e seguintes da Lei Federal 6.015/73 e, no presente caso, dado o disposto no artigo 89 do mesmo diploma, está sendo postulado o registro especial atinente à emancipação.

A emancipação é definida por Clóvis (Teoria Geral do Direito Civil, Ministério da Justiça, Brasílla, 1972, p.104) como: “Emancipação é a aquisição da capacidade civil, antes da idade legal.”

Cuidando-se da emancipação voluntária, isto é, daquela efetivada a partir de ato de vontade emanado dos titulares do pátrio poder, os artigos 9°, § 1°, inciso I e 12, inciso II do Código Civil vigente, tal como editado em 1916, conferia a legitimidade negocial para a prática do ato, com exclusividade, ao pai, só podendo, excepcionalmente, atuar a mãe, na completa impossibilidade da atuação do genitor-varão, em especial diante de sua morte.

Tal dispositivo foi alterado com o advento da Lei Federal 6.515/73, que conferiu a legitimidade para a outorga da emancipação tanto ao pai, quanto à mãe, em concorrência e igualdade de condições, atendendo à repartição do pátrio poder entre os dois genitores, sem qualquer distinção, como antes reconhecido pela Lei Federal 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) e, na atualidade, cristalizado pelo artigo 21 da Lei Federal 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Consuma-se um ato jurídico em sentido estrito, de natureza unilateral, que, hoje, pode ser formalizado por instrumento público ou particular. Diante da legislação vigente, os atributos atinentes ao pátrio poder são conferidos, em sua integridade, a cada um dos pais, seus titulares primários e, em regra, podem ser exercitados por completo, com independência e harmonia por cada um dos pais, restando examinar as peculiaridades da emancipação voluntária, que provocará a extinção do próprio pátrio poder.

Considerada a questão controvertida, é preciso assentar não ser a atuação conjunta dos pais da natureza da emancipação voluntária e, ainda que muitos entendam ser necessária, excluída apenas a hipótese de ausência reconhecida em Juízo, a atuação conjunta de ambos os pais, enquanto titulares do pátrio poder (Cf., pe., José Antonio de Paula Santos Neto, Do Pátrio Poder, RT, 1994, pp.119-20), tal afirmação parte de uma interpretação restritiva dos dispositivos constantes do vigente Código Civil, que entendo não ser a mais adequada e nem sempre se harmoniza com a realidade concreta.

São comuns, infelizmente, os casos de completa falência do núcleo familiar e de inviabilidade da colheita do consentimento expresso de um ou de outro genitor, dada a total perda de contato com sua prole. O pátrio poder é exercido, então, efetivamente, apenas por um dos pais, que mantém contato direto com o filho menor e, concretamente, pode avaliar seu discernimento e sua aptidão para a aquisição da capacidade civil plena.

Em atenção a essa realidade social, no mesmo sentido, consta do subitem 112.1 do Capítulo XVII das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral que: “O registro da emancipação por outorga do pai e/ou da mãe não depende de homologação judicial, devendo ser efetivado junto ao Oficial de Registro Civil do 1° Subdistrito da Comarca onde resida o emancipado”.

O texto do artigo 5°, § único, inciso I do novo Código Civil, cuja vigência está prevista para se iniciar em 11 de janeiro 2003, não destoa e confere a legitimidade negocial a ambos os pais, ou a “um deles na falta do outro”, cabendo entender significar o vocábulo “falta”, não apenas a ausência ou a morte, mas a “não-presença”.

Em suma, a regra a ser observada é da manifestação conjunta de ambos os pais, mas diante da falta de um destes, devidamente, declarada no instrumento de emancipação, é conferida a legitimidade, isoladamente, a um dos pais.

Na espécie, não consta do título a menor referência à atual situação do genitor, o Sr. A. da S., com o que descaracteriza-se a hipótese exceptiva. Sua falta foi alegada perante o MM. Juiz Corregedor Permanente e nas razões recursais, mas este dado não foi incorporado à escritura pública lavrada e apresentada ao registrador, o que seria de rigor.

Isto posto, nego provimento ao recurso interposto.

(a) LUIZ TÂMBARA, Relator (D.O.E. de 18.12.2002)