TJ|PR: Direito civil – Direito processual civil – Usucapião especial urbana – Art. 1240, do CC – Posse de área urbana de até 250,00m², por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, com ânimo de dono – Área de manancial – Preservação permanente – Lei Complementar n.º 16 de 11 de novembro de 2005 – Zona especial de ocupação restrita (ZEOR-2) – Lote com área mínima de 10.000,00m² para cada habitação unifamiliar – Teorias de Jhering, Savigny e Funcionalista – Recurso (1) provido – Recurso (2) prejudicado.

EMENTA

DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. ART. 1240, DO CC. POSSE DE ÁREA URBANA DE ATÉ 250,00M², POR CINCO ANOS ININTERRUPTAMENTE E SEM OPOSIÇÃO, COM ÂNIMO DE DONO. ÁREA DE MANANCIAL. PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LEI COMPLEMENTAR N.º 16 DE 11 DE NOVEMBRO DE 2005. ZONA ESPECIAL DE OCUPAÇÃO RESTRITA (ZEOR-2). LOTE COM ÁREA MÍNIMA DE 10.000,00M² PARA CADA HABITAÇÃO UNIFAMILIAR. TEORIAS DE JHERING, SAVIGNY E FUNCIONALISTA. RECURSO (1) PROVIDO. RECURSO (2) PREJUDICADO. (TJPR – Apelação Cível nº 0007554-84.2005.8.16.0035 – Curitiba – 17ª Câmara Cìvel – Rel. Des. Mário Helton Jorge – DJ 15.03.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 820.610-8 da 2ª Vara Cível do Foro Regional de São José dos Pinhais da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que são Apelantes MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS e COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA – COPELA e Apelado ROBERTO CARLOS DE PAULA OLIVEIRA.

ACORDAM os Julgadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Município de São José dos Pinhais, para julgar improcedente o pedido de usucapião, restando prejudicado o recurso interposto pela Companhia Paranaense de Energia – COPEL, com a inversão do ônus de sucumbência, nos termos do voto e da sua fundamentação.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador LAURI CAETANO DA SILVA (com voto) e dele participou o Desembargador VICENTE DEL PRETTE MISURELI.

Curitiba (PR), 07 de março de 2012.

MÁRIO HELTON JORGE – Relator.

RELATÓRIO

I – EXPOSIÇÃO DOS FATOS

O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS e a COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA – COPEL, interpuseram recursos de Apelação (fls. 347/357 e 378/385) contra a sentença (fl. 326/334 – TJ), que julgou procedente o pedido, para declarar o domínio do autor sobre a área “(…) situada no Jardim Modelo, município de São José dos Pinhais, cuja área está descrita no Memorial Descritivo de fls. 20 e mapa de fls. 19, tudo de conformidade com os preceitos do artigo 1240 e seguintes do Código Civil (…)” (fl. 334) e os condenou, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.500,00, nos autos n.º 1220/2005, da Ação de Usucapião.

O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS, em suas razões (fls. 348/357), afirmou que a área objeto da Ação de Usucapião está localizada entre o Setor Especial de Áreas Verdes e a Zona Especial de Ocupação Restrita 2 (ZEOR-2), de acordo com a Lei Municipal n.º 16/05. Aduziu que há restrição para a ocupação da área, tendo em vista a “(…) cota de inundação para o tempo de recorrência de 50 anos, definida pelo órgão ambiental (…)” (fl. 348) e que o “(…) lote mínimo é de 10.000m² com testada mínima de 50 m, taxa de ocupação máxima de 10% e permeabilidade mínima de 75%.” (fl. 349). Alegou que as restrições advêm de uma taxa de permeabilidade do solo para a manutenção do manancial do Rio Pequeno, “(…) que é essencial para o abastecimento de água de toda a região metropolitana de Curitiba, segundo o IAP.” (fl. 349). Asseverou que a ocupação é ilegal e prejudicial ao interesse coletivo, sendo que o Estado do Paraná, em casos parecidos, manifestou-se no sentido de que um imóvel com essas características não pode ser regularizado, independentemente do tempo de posse. Sustentou que a área não pode ser usucapida, tendo em vista a possibilidade de lesão a outro bem público e a nocividade ao meio ambiente (contrário ao interesse comum). Afirmou que, em caso de entendimento contrário, não deve ser condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, tendo em vista o princípio da causalidade, eis que participa do processo para salvaguardar o interesse público. Ao final, pleiteou o conhecimento e provimento do recurso, para que seja reformada a sentença.

O Apelado apresentou contrarrazões (fls. 362/377), pedindo, em síntese, o não provimento do recurso.

A COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA, em suas razões (fls. 380/385), afirmou que deve ser mantido o registro constante na matrícula n.º 51.145 “(…) referente à constituição da servidão administrativa perpétua de passagem.” (fl. 383). Aduziu que foram instaladas duas linhas de transmissão de energia elétrica, denominadas LT 230 kV Umbará – Uberaba e LT 230 kV (Governador Parigot de Souza) – Uberaba, inclusive serem respeitadas as suas faixas de segurança. Ao final, pleiteou o conhecimento e provimento do recurso, para que seja mantido o registro constante na matrícula, referente à constituição da servidão perpétua de passagem de duas linhas de transmissão de energia elétrica.

O Apelado apresentou as contrarrazões (fls. 394/399), pleiteando, em síntese, o não conhecimento do recurso, tendo em vista a falta de interesse recursal, ou, o não provimento do recurso.

A d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento dos recursos (fls. 418/423 – TJ).

É o relatório.

VOTO

II – O VOTO E SEUS FUNDAMENTOS

Trata-se de recursos de Apelação interpostos contra sentença, que julgou procedente o pedido declarando o domínio ao autor da área denominada “lote de terreno sob o número L99 da quadra 6 da Planta Jardim Modelo, situado em local denominado Iná, no quadro urbano do Município de São José dos Pinhais, com área total de 250m².

Registre-se que houve a citação da empresa Móveis Ritzmann S/A, tendo em vista constar na matrícula do imóvel como sendo a proprietária (fl. 22).

Inicialmente, cumpre esclarecer que a usucapião é um modo originário de aquisição de propriedade, pelo qual a pessoa que exerce a posse de um imóvel, por certo prazo, adquire-lhe o domínio, desde que sua posse satisfaça certos requisitos, os quais, em se tratando de usucapião especial urbano, encontram-se dispostos nos artigos 183, da Constituição Federal e artigo 1240, do Código Civil:

“Art. 183 – Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º – O título de domínio e a concessão de uso, serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

(…).”

“Art. 1240 – Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Na hipótese, restou evidente que o autor/apelado exerce a posse mansa, pacífica e ininterrupta de área de até 250 m², com animus domini, pelo período de cinco anos, tendo sido preenchidos os requisitos exigidos no art. 1.240, do CPC (depoimentos das testemunhas Elizangela Maria de França e Joselito Benicio da Silva – fls. 179/180).

A controvérsia, no entanto, registre-se a possibilidade, ou não, de usucapir (a) Área de Preservação Permanente, já que, no caso, se trata de manancial e (b) área inferior à que o Plano Diretor fixa para o local, tendo em conta a restrição ambiental imposta.

A propósito, a Área de Preservação Permanente está consagrada nos artigos 2º e 3º do Código Florestal. Vejamos:

Artigo 1º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

(…)

II – Área de preservação permanente: Área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidades, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas;

(…)

Artigo 3°. Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas vegetação natural destinadas;

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar as faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados por extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

§ 1°. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

(grifado)

Neste sentido, denota-se que, no que se refere às Áreas de Preservação Permanente, os direitos de propriedade de usar, gozar e dispor (art. 1228, do CC), no conceito analítico, poderão ser limitados.

Já, no que se refere à posse, cumpre fazer algumas considerações.

A partir da interpretação do Código Civil, verifica-se a adoção, preponderantemente, da teoria de JHERING (objetiva), contudo, no que tange à posse ad usucapionem, acresce-se o elemento subjetivo (SAVIGNY), consistente na intenção de ter a coisa como sua.

Quer dizer, em regra, o elemento subjetivo não é necessário para o reconhecimento da posse, sendo suficiente a exteriorização da propriedade, requisito objetivo.

No entanto, no que tange à posse ad usucapionem, imprescindível a existência do elemento subjetivo, que consiste no ânimo de dono.

Assim, para a configuração da posse ad usucapionem, é imprescindível um estado de fato e o ânimo de dono, sendo a posse, um desdobramento do direito de propriedade.

No que tange à possibilidade, ou não, de usucapião em Área de Preservação Permanente, impende destacar os seguintes posicionamentos doutrinário e jurisprudencial, cujos entendimentos são pela sua possibilidade. Vejamos:

Em outros termos, as características ambientais de uma área não a retiram do mercado, já que ela continua podendo ser comercializada e transferida por quaisquer das formas previstas em nosso ordenamento jurídico. As restrições ambientais que se impõem pelo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) e demais normas federais, estaduais e municipais que dispõem da matéria, são, nos termos de Mello (2007), limitações administrativas ao exercício do direito de propriedade, isto é, não se tratam de restrições à transferência do domínio, mas do exercício dos poderes do proprietário, que no caso das restrições ambientais se dirigem especialmente ao uso, não obstando a liberdade de transferir a propriedade a outrem. (Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Campos dos Goytacazes/RJ, v. 4 n. 1, p. 37-56, jan. / jun. 2010. Disponível em clique aqui. Acesso em 14 de outubro de 2011 (sem destaques no original).

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL PROCEDENTE – PRETENSÃO DO MUNICÍPIO DE REFORMA DA SENTENÇA, POR SE TRATAR DE ÁREA SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DESCABIDA – O FATO DE A ÁREA USUCAPIENDA ESTAR SITUADA EM LOCAL DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, COM RESTRIÇÃO E LIMITAÇÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE, NÃO IMPEDE QUE VENHA A PERTENCER A ALGUÉM, POIS, OBTIDA A USUCAPIÃO, O PROPRIETÁRIO DEVERÁ RESPEITAR AS LIMITAÇÕES DE USO DA ÁREA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 18ª C.Cível – AC 0548799-6 – Ponta Grossa – Rel.: Des. Roberto De Vicente – Unânime – J. 07.10.2009)

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PEDIDO DE DILIGÊNCIA. DESNECESSIDADE. PROVA SUFICIENTE. GLEBA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IRRELEVÂNCIA. DOMÍNIO DECLARADO COM RESTRIÇÃO DE USO. SENTENÇA MANTIDA. APELO IMPROVIDO. Não há necessidade da conversão do julgamento em diligência quando houver nos autos do processo farto conjunto probatório a inspirar a convicção do julgador. “O fato de se tratar de área de preservação permanente não é óbice à consumação da USUCAPIÃO extraordinária, cabendo aos entes públicos, na competência que lhes é conferida pelo art. 23 da Constituição Federal, exercitar seu poder de polícia com vistas à PROTEÇÃO e à fiscalização da área de PROTEÇÃO AMBIENTAL, ainda que ocupada por particular” (Desembargador Jaime Ramos). (TJSC, AC 2004.036563-0, Juiz Prolator Margani de Mello, Segunda Câmara de Direito Civil, Julgado em 23/09/2009). (destacou-se)

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. DISPOSIÇÃO DO ARTIGO 550 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESENTES OS REQUISITOS AD USUCAPIONEM RELATIVOS AO IMÓVEL DESCRITO NA INICIAL. POSSE VINTENÁRIA DOS AUTORES COMPROVADA. A lei não impossibilita a aquisição do domínio de área de preservação ambiental, ao contrário esta apresenta as diretrizes para estímulo e alternativas de recomposição e utilização das áreas de interesse comum. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (TJRS, Apelação Cível Nº 70020333746, Vigésima Câmara Cível, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 19/03/2008). (destacou-se)

No entanto, é de se observar que não se pode generalizar a regra de que, em não se tratando de área pública, o bem é passível de ser usucapido.

Ocorre que há casos em que o Poder Público retira do particular, proprietário, o exercício de fato de alguns poderes intrínsecos à propriedade, quando se trata, por exemplo, de Área de Preservação Permanente.

Este poder inerente à propriedade, retirado do particular, neste caso, trata-se do uso de uma área de até 250, 00m², para fins de moradia, imprescindível para configurar a posse ad usucapionem na usucapião especial urbana.

Ocorre que, na hipótese, como mencionado, o objeto da demanda faz parte da área que compõe os mananciais e recurso hídricos de interesse da Região Metropolitana de Curitiba, nos termos do Decreto Estadual n.º 4.267 de 31 de janeiro de 2005 (fls. 127/129).

Quer dizer, trata-se de área necessária para o abastecimento de água da Região Metropolitana de Curitiba, denominada de Zona Especial de Ocupação Restrita (ZEOR-2), conforme disposto na Lei Complementar n.º 16, de 11 de novembro de 2005 (fls. 130/135), na qual se estabeleceu um lote com área mínima de 10.000,00m² para cada habitação unifamiliar.

Vislumbra-se, então, que há restrição do exercício do direito de propriedade do particular, já que se permite, apenas, a ocupação de 10% a cada 10.000,00m².

Neste momento, importante considerar a incompatibilidade entre a limitação dos direitos de propriedade impostos pela Lei Complementar n.º 16 (ocupação de, no máximo 10% de área mínima de 10.000m² para cada habitação unifamiliar) e os requisitos exigidos no art. 1.240, do Código Civil (área de até 250m², período de cinco anos ininterruptamente, sem oposição e ânimo de dono).

Denota-se que existem, aproximadamente, 270 casos idênticos, envolvendo lotes de terrenos vizinhos, os quais constituem o denominado Jardim Modelo (fl. 18).

Desta forma, não se pode julgar procedente o pedido de usucapião especial urbana, uma vez que um dos seus requisitos é a posse sobre uma área de até 250,00m², sendo que a Lei Complementar limita o uso de 10% sobre uma fração mínima de 10.000,00 m².

Ou seja, no caso, o que se verifica, juntamente com as demais hipóteses existentes no local, é que houve o fracionamento do imóvel em áreas menores que 10.000,00m², através da ocupação de unidades familiares, de 250,00m² cada uma, que se somadas, ultrapassam este limite imposto pela Lei Complementar.

A respeito, importante destacar fragmentos da decisão proferida pelo Juiz Convocado Francisco Jorge, na 18ª Câmara Cível, acerca de caso análogo. Vejamos:

(…)

Assim, de um lado tem-se que, visando à conservação do manancial, ao proprietário somente foi dado o poder de usar com a finalidade de habitação unifamiliar uma área de 10.000 m2. Por outro lado, a usucapião especial urbana exige que aquele que pleiteia seu reconhecimento, use para fins de habitação uma área de até 250,00m2, sem se preocupar com a área mínima de fracionamento prevista na lei. Poder esse, contudo, que não é inerente à propriedade em questão, por ter sido retirado pelo Poder Público, na medida em que não se admite o uso de toda a área considerando-se a ocupação por várias habitações, lado a lado, como a que se se verifica na situação dos autos, considerada a área como um todo, e não a área isolada referida na inicial desta ação, como nas respectivas iniciais das demais ações inicialmente referidas, pois culmina-se, assim, por violar-se a disposição legal.

Veja-se: o proprietário da área total, onde se situa a porção que se pretende usucapir, não tem o poder de uso dessa área toda, que vem sendo usada por centenas de pessoas, em flagrante violação à determinação legal.

Note-se que ambas as áreas maiores nas quais o loteamento se encontra inserido são superiores a 10.000 m2. O imóvel que consta como de propriedade de MÓVEIS RITZMANN tem a extensão de 136.500,00 m2 e o do Espólio de RICIERI MILANI, 137.250 m2. Se cada um desses imóveis fosse dividido em unidades unifamiliares, cada uma ocupando no máximo 10% de uma área de aproximadamente 10.000 m2. Seriam aproximadamente, no máximo 13 unidades familiares em cada imóvel, e não as quase 270 unidades familiares que ali se encontram.

Assim, se dentro da corrente civilista, posse é o exercício de fato de um dos poderes inerentes à propriedade (ou a mera exteriorização do domínio), enquanto que a posse necessária para configuração da usucapião especial urbana é qualificada, exigindo-se que um dos poderes de fato seja o uso sobre uma área de até 250m2, poder esse que não é conferido ao proprietário da área usucapienda, que só poderia usar a parte máxima permitida na lei, de 10%, sobre uma fração mínima de 10.000 m2, por consequência, não se pode reconhecer a usucapião a favor do apelado, autor, dada a natureza da posse por eles exercida, que, comparativamente e analisando a questão como um todo, considerando-se as demais ocupações existentes no local, acabaram por, de fato, fracionar o imóvel em áreas menores que a permitida, de 10.000m2, mediante ocupação por centenas de unidades familiares, cada uma com área de 250,00m2, as quais, somadas, ultrapassam em muito o limite de ocupação permitido no local.

Vale dizer assim, a posse exercida por parte dos autores, não, é qualificada como se exige na espécie. E veja-se que com isso não se está restringindo a usucapião especial urbana por mecanismos infraconstitucionais ou mesmo existe, nessa linha civilista, qualquer conflito de direito fundamental. Trata-se simplesmente da conceituação de um instituto jurídico, a posse, que nesse caso acaba por prejudicar a pretensão dos apelados no reconhecimento da usucapião pretendida.

Tenha-se que se a própria Constituição Federal assegura o direito de propriedade, dentre os direitos fundamentais (art. 5º, XXII), assim o faz desde que jungido à sua função social (art. 5º, XXIII), e sem excluir a possibilidade de sua limitação, na medida em que assegura competência legislativa, ora comum, ora concorrente ao Município, para a proteção do meio ambiente e combate a poluição, assim como para a preservação das florestas, fauna e flora (art. 23, VI, VII e 24, VI), justamente porque considera o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo não só ao Poder Público, como à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).

Só por isso, dentro de uma corrente eminentemente civilista, impõe-se a improcedência do pedido constante da inicial, ante a impossibilidade do reconhecimento da aquisição da propriedade por usucapião especial na peculiaridade da situação de fato verificada. Não sendo assim, é caso então de verificar-se a teoria finalista da posse.

(…)

Por outro lado, sob a égide da Teoria Finalista, também não se pode julgar procedente o pedido inicial.

Neste sentido, a posse deve ser exercida com vistas a garantir a preservação do meio ambiente, de modo a utilizar os recursos naturais, de forma sustentável. Quer dizer, não se trata mais da função social da posse, mas função socioambiental da posse, sendo que, ausente qualquer um destes dois elementos, não resta caracterizada a posse.

Na hipótese, tendo em vista o não cumprimento da determinação exigida na Lei Complementar, não se verifica, também, o atendimento à função socioambiental da posse, sendo a improcedência do pedido, medida que se impõe.

Sobre a matéria, segue a decisão:

DIREITO CIVIL, AMBIENTAL E AGRÁRIO. APELAÇÃO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. IRREGULARIDADE DA PLANTA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. SUPERAÇÃO DA QUESTÃO. EXAME DO MÉRITO. EFEITO DEVOLUTIVO EM PROFUNDIDADE. IMÓVEL EM ÁREA RURAL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO VERIFICADA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MANANCIAL). ANÁLISE DA POSSE SEGUNDO A CORRENTE CIVILISTA (SAVIGNY E JHERING): DESDOBRAMENTO DA PROPRIEDADE. LEI AMBIENTAL. LIMITAÇÃO A 10.000 M2 E USO DE 10% PARA UMA UNIDADE FAMILIAR. FRACIONAMENTO COM ÁREA DE 250M2. AUSÊNCIA DO PODER DE USO. POSSE NÃO CARACTERIZADA. ANÁLISE DA POSSE SEGUNDO A CORRENTE FUNCIONALISTA (SALEILLES, PEROZZI E GIL): FENÔMENO DE UTILIDADE SOCIAL. FUNÇÃO SOCIAL E FUNÇÃO AMBIENTAL (SOCIOAMBIENTAL). CONFLITO COM A MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECOLÓGICO LOCAL. FUNÇÃO AMBIENTAL NÃO ATENDIDA. AUSÊNCIA DE POSSE. IMPROCEDÊNCIA DA USUCAPIÃO, POR ECONOMIA PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE ANULAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO ACOLHIDO. 1. Para a propositura de ação declaratória de reconhecimento do domínio por usucapião deve a parte instruir a inicial, primeiro, com planta individualizada, acompanhada de memorial descritivo indicando suas medidas, rumos e exata localização, inclusive dos confrontantes, não se prestando a tanto a apresentação de planta geral, sem especificações corretas de loteamento não aprovado, situado em área de Preservação Permanente, assim como com expresso pedido de citação daqueles que corretamente figurem como proprietários e/ou confinantes, sob pena de nulidade, que entretanto, pode ser superada pelo princípio da economia processual, se desde logo visualiza-se a possibilidade de rejeição do pedido pelo mérito da pretensão. 2. O Tribunal de Apelação pode analisar de forma livre a matéria que possibilita o reconhecimento ou afastamento do pedido, quando o recurso pretende a inversão (reforma) da sentença, ainda que a parte apelante não tenha impugnado todos os seus fundamentos ou todos os fundamentos da da lide, por força do efeito devolutivo em profundidade. Precedentes do STJ. 3. Não pode ser computado o prazo de exercício da posse de imóvel rural, para efeito de reconhecimento da usucapião especial urbana, cujo prazo só se inicia, a partir da alteração da classificação da coisa, quando passa a ser considerada urbana. 4. A Constituição Federal assegura o direito de propriedade como direito fundamental (art. 5º, XXII), desde que jungido à sua função social (art. 5º, XXIII), admitindo a possibilidade de sua limitação por competência comum ou concorrente do Município, para a proteção do meio ambiente e combate a poluição, preservação das florestas, fauna e flora (art. 23, VI, VII e 24, VI), justamente porque considera o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225). 5. Para que seja reconhecida a posse ad usucapionem, é necessário a constatação do seu elemento objetivo, consistente num estado de fato, acrescido do ânimo de dono (elemento subjetivo), caracterizando um estado de fato que se converte em direito (Savigny), o qual então, segundo o ordenamento jurídico pátrio (art. 1.196/CC), deve ser visto como desdobramento do direito da propriedade (Jhering), aí caracterizado o poder de uso. 6. Se o proprietário não tem o poder de uso do imóvel, porque situado em zona de manancial, declarada de Interesse e Proteção Especial do Estado (Decreto Estadual nº 1751/96 e nº 4267/05), em Área de Preservação Permanente, com função hidrológica e com metragem inferior à mínima prevista no Plano Diretor Municipal (Lei Complementar nº 16/2005, de São José dos Pinhais), a ocupação aí exercida não caracteriza posse capaz de gerar a usucapião especial urbana (Constituição Federal, art. 183; Estatuto das Cidades, art. 9º e Código Civil, art. 1.240). 7. A instalação de uma ―vila de moradores, com cerca de 270 ocupantes de áreas individuais de 250,00 m2, individualmente menor que a de fracionamento mínimo imposta por lei local (10.000,00m2) e de ocupação máxima (10%), situada em zona de manancial (APP), onde a princípio somente seria permitida a ocupação de uma unidade familiar, não contribui para a manutenção do equilíbrio ecológico local, não cumprindo a função socioambiental da posse, à luz da teoria funcionalista (Saleilles, Perozzi e Gil), não caracterizando posse suscetível de gerar aquisição da propriedade por usucapião especial urbana e, uma vez ausente o elemento caracterizador da posse, inviável o reconhecimento da usucapião especial urbana. 8. Apelação à que se dá provimento. (TJPR. AP Cível. 812.510-8. Relator. Juiz Convocado Francisco Jorge. Data da Publicação. 01/12/2011)

Assim, a reforma da sentença, para julgar improcedente o pedido de usucapião, é medida que se impõe, restando prejudicada a apelação interposta pela Companhia de Paranaense de Energia – COPEL, porquanto o seu direito de servidão resta intocável.

Finalmente, tendo em vista a reforma da sentença, deve ser invertido o ônus da sucumbência, nos termos do art. 20, do CPC.

ANTE O EXPOSTO, dá-se provimento ao recurso de Apelação (1), para julgar improcedente o pedido de usucapião, restando prejudicado recurso de Apelação (2).

Curitiba (PR), 07 de março de 2012.

MÁRIO HELTON JORGE – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5316 – Grupo Serac – São Paulo, 22 de Junho de 2012.