1ª VRP|SP: Registro. Instrumento particular de compra e venda. Vendedores pessoas físicas; o art. 47 da Lei nº 8.212/91 não exige dessas pessoas nem a apresentação de certidão negativa, nem a declaração de inexistência de pendências junto ao órgão previdenciário. Ademais, o art. 1.345 do Código Civil revogou tacitamente o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, de forma que o dispositivo revogado não pode servir de óbice ao registro do título. Dúvida improcedente.

Processo 0007976-35.2012.8.26.0100

CP 62

Dúvida

Registro de Imóveis

13º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Erable Administração de Imóveis Ltda

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que recusou o registro na matrícula nº 54.962 de instrumento particular de compromisso de compra e venda, por meio do qual os titulares de domínio negociaram o imóvel com Erable Administração de Imóveis Ltda., ora suscitada.

De acordo com o Registrador, o título foi qualificado negativamente pela ausência dos seguintes documentos: a) certidão negativa do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em nome dos promitentes vendedores; b) declaração de inexistência de débitos condominiais. Apesar de não ter apresentado impugnação (fls. 42), a suscitada se manifestou nos autos que se encontram em apenso (fls. 41 destes autos e 2/6 do apenso).

O representante do Ministério Público opinou pela manutenção das exigências (fls. 42, verso).

É o relatório.

Decido.

A dúvida é improcedente. A exigência relativa à apresentação de Certidão Negativa de Débito do INSS não encontra fundamento no art. 47 da Lei nº 8.212/91, que tem a seguinte redação: “Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito- CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I – da empresa: a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele; b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo; c) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem móvel de valor superior a Cr$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil cruzeiros) incorporado ao ativo permanente da empresa; d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada;

II – do proprietário, pessoa física ou jurídica, de obra de construção civil, quando de sua averbação no registro de imóveis, salvo no caso do inciso VIII do art. 30. § 1º A prova de inexistência de débito deve ser exigida da empresa em relação a todas as suas dependências, estabelecimentos e obras de construção civil, independentemente do local onde se encontrem, ressalvado aos órgãos competentes o direito de cobrança de qualquer débito apurado posteriormente. § 2º A prova de inexistência de débito, quando exigível ao incorporador, independe da apresentada no registro de imóveis por ocasião da inscrição do memorial de incorporação. § 3º Fica dispensada a transcrição, em instrumento público ou particular, do inteiro teor do documento comprobatório de inexistência de débito, bastando a referência ao seu número de série e data da emissão, bem como a guarda do documento comprobatório à disposição dos órgãos competentes. § 4º O documento comprobatório de inexistência de débito poderá ser apresentado por cópia autenticada, dispensada a indicação de sua finalidade, exceto no caso do inciso II deste artigo. § 5º O prazo de validade da Certidão Negativa de Débito – CND é de sessenta dias, contados da sua emissão, podendo ser ampliado por regulamento para até cento e oitenta dias. § 6º Independe de prova de inexistência de débito: a) a lavratura ou assinatura de instrumento, ato ou contrato que constitua retificação, ratificação ou efetivação de outro anterior para o qual já foi feita a prova; b) a constituição de garantia para concessão de crédito rural, em qualquer de suas modalidades, por instituição de crédito pública ou privada, desde que o contribuinte referido no art. 25, não seja responsável direto pelo recolhimento de contribuições sobre a sua produção para a Seguridade Social; c) a averbação prevista no inciso II deste artigo, relativa a imóvel cuja construção tenha sido concluída antes de 22 de novembro de 1966. d) o recebimento pelos Municípios de transferência de recursos destinados a ações de assistência social, educação, saúde e em caso de calamidade pública. e) a averbação da construção civil localizada em área objeto de regularização fundiária de interesse social, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009. § 7º O condômino adquirente de unidades imobiliárias de obra de construção civil não incorporada na forma da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, poderá obter documento comprobatório de inexistência de débito, desde que comprove o pagamento das contribuições relativas à sua unidade, conforme dispuser o regulamento”.

A leitura do dispositivo legal mencionado, principalmente de seus dois primeiros incisos, revela que pessoas físicas estão dispensadas da apresentação de certidão negativa de débito junto ao INSS, com exceção da hipótese de averbação de construção (art. 47, II).

No caso em tela, trata-se de registro de contrato de compromisso de compra venda cujos compromissários vendedores são pessoas físicas (fls. 22). Desse modo, não há fundamento para a recusa do título por esse motivo, visto que para esse ato de registro o art. 47 da Lei nº 8.212/91 não exige de pessoas físicas nem a apresentação de certidão negativa, nem a declaração de inexistência de pendências junto ao órgão previdenciário.

Também não se sustenta a recusa do registro pela ausência de declaração de inexistência de débitos condominiais. Com efeito, nesse caso, a recusa do registro do título está calcada no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 4.591/64, que tem a seguinte redação: “Parágrafo único – A alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio”.

Esse dispositivo, antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, tinha por objetivo resguardar o interesse do condomínio, cuja manutenção depende do correto pagamento das despesas condominiais. Ainda que o pagamento do débito condominial tenha inegável natureza de obrigação propter rem, o legislador exigiu a comprovação da quitação das obrigações do alienante por não haver dispositivo legal que obrigasse o adquirente a pagar os débitos anteriores à constituição de seu direito.

Em outras palavras: o registro do título dependia da comprovação da quitação das despesas condominiais, porque as dívidas surgidas enquanto o imóvel era de propriedade do alienante não poderiam, em tese, ser exigidas do adquirente.

Isso, no entanto, mudou. Com efeito, o art. 1.345 do Código Civil tem a seguinte redação: “Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.

O dispositivo mencionado, que não tem correspondência no Código de 1916, ampliou a obrigação do adquirente, visto que o responsabilizou por débitos, inclusive multas e juros moratórios, originados antes de sua aquisição do imóvel. Sobre o assunto, ensina Francisco Eduardo Loureiro: “O artigo, porém, vai além. Dispõe que o adquirente arca com todos os débitos do alienante, inclusive multa e juros moratórios.

Logo, arca com dívidas vencidas no período anterior ao da aquisição, ultrapassando a natureza propter rem da obrigação. Na lição clássica de Antunes Varela, o artigo em exame descreve verdadeiro ônus real. Segundo o autor, “a diferença prática entre ônus e as obrigações reais, tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência de seu direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida a obrigação (Das obrigações em geral, 8. ed. Coimbra, Almedina, 1994, v. I, p. 202; no mesmo sentido, o profundo estudo de MESQUITA, Manuel Henrique. Obrigações reais e ônus reais. Coimbra, Almedina, 1990)” (Código Civil Comentado, Coordenação Ministro Cezar Peluso, Manole, pág. 1.213/1.214).

Desse modo, como o Código Civil atual é expresso ao estatuir que o adquirente responde por débitos condominiais vencidos no período anterior ao da aquisição, não há mais motivo para o registro do título translativo ficar condicionado à apresentação de prova da quitação das obrigações do alienante.

O interesse do condomínio, com fundamento no art. 1.345 do Código Civil, está protegido.

Isso quer dizer que, de modo tácito, o art. 1.345 do Código Civil revogou o parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, de forma que o dispositivo revogado não pode servir de óbice ao registro do título.

Ante o exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Erable Administração de Imóveis Ltda., para afastar as exigências formuladas.

Para os fins do art. 203, II, da Lei nº 6015/73, servirá esta de mandado, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/08, da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital. Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.

São Paulo, 28 de maio de 2012.

Carlos Henrique André Lisboa – Juiz de Direito

(D.J.E. de 15.06.2012)