TJ|GO: Apelação Cível. Ação Civil Pública. Regularização de Loteamento. Óbice verificado para o Registro e outorga de Escrituras. Imposto devido (ITCD). Imposição Legal. Ônus que compete ao comprador. Exegese do art. 490 do Código Civil. Prazo razoável para cumprimento de Ordem Judicial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 120410-74.2001.8.09.0051 (200191204102)

COMARCA DE GOIÂNIA

APELANTE : NACIONAL IMÓVEIS LTDA

APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR : DR. FRANCISCO VILDON JOSÉ VALENTE

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTO. ÓBICE VERIFICADO PARA O REGISTRO E OUTORGA DE ESCRITURAS. IMPOSTO DEVIDO (ITCD). IMPOSIÇÃO LEGAL. ÔNUS QUE COMPETE AO COMPRADOR. EXEGESE DO ART. 490 DO CÓDIGO CIVIL. PRAZO RAZOÁVEL PARA CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL.

I – Determina o art. 490 do Código Civil que, não havendo disposição em contrário, as despesas decorrentes do registro de imóvel ficam a cargo do comprador adquirente. Assim evidentemente inadequada a pretensão da apelante de esquivar-se do encargo em questão (pagamento do ITCD) cuja responsabilidade lhe foi imposta por lei.

II – Não se mostra razoável a dilação do prazo para o cumprimento da obrigação contida na sentença (06 meses), vez que com a regularização do parcelamento desde o ano de 2004 pela municipalidade, o único empecilho agora para o registro é o pagamento do imposto de transmissão, tempo mais que suficiente para esse intento.

RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 120410, acordam os componentes da Segunda Turma Julgadora da Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em conhecer do apelo e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.

Votaram, além do Relator, os Desembargadores João Ubaldo Ferreira e Vítor Barboza Lenza.

Presidiu a sessão o Desembargador João Ubaldo Ferreira.

Fez-se presente, como representante da Procuradoria-Geral de Justiça, a Drª Ruth Pereira Gomes.

Goiânia, 20 de julho de 2010

DES. JOÃO UBALDO FERREIRA

Presidente

FRANCISCO VILDON JOSÉ VALENTE

Relator

APELAÇÃO CÍVEL Nº 120410-74.2001.8.09.0051 (200191204102)

COMARCA DE GOIÂNIA

APELANTE : NACIONAL IMÓVEIS LTDA

APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO

RELATOR : DR. FRANCISCO VILDON JOSÉ VALENTE

VOTO

Estão presentes todos os requisitos legais e necessários à admissão do recurso, razão por que dele conheço.

NACIONAL IMÓVEIS LTDA não se conformando com a sentença proferida nos autos da ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra si e o Município de Goiânia, vista às fls. 517/529, que a condenou na obrigação de fazer, consistente na regularização, no prazo de 06 (seis) meses, do parcelamento denominado ‘Residencial Mansões Paraíso’, registrando-o e outorgando as escrituras públicas aos compradores de lotes, interpõe a presente Apelação.

De pronto, analisarei a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público.

A legitimação ativa do Ministério Público, para a promoção de ação Civil Pública na defesa de interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, se firma, conforme as disposições constitucionais e legais a seguir transcritas:

Na Constituição Federal:

“Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.

Na Lei nº 8.625, de 12.02.1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público):

“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras lei, incumbe, ainda, ao Ministério Público;

IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”

Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I – o Ministério Público”.

A jurisprudência tem entendido que o MP tem legitimidade para mover ação civil pública “em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante. (STJ-RDA 207/282: 3ª T., REsp 58.682). Mais flexível, em matéria de legitimidade do MP e direitos individuais homogêneos: ‘Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância’ (STJ-3ª T., REsp 797.963, Min. Nancy Andrighi, j. 7.2.08, DJU 5.3.08)” (extraído do Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, 40ª ed., comentário ao art. 5º da Lei nº 7.347/85, pág. 1057).

Nesse alinhamento, pertinente trazer as falas do Representante do Ministério Público em contrarrazões, da qual comungo e o faço como razões de decidir:

“As questões relacionadas com o urbanismo, tais como instalação de empreendimentos urbanísticos causadores de impacto e modificação do tecido urbano (loteamentos, shoppings, hipermercados etc.), caso não demonstrem a legalidade de sua implantação, estão sujeitas à investigação ministerial – através de

Inquérito Civil Público – e, caso não solucionado os danos e lesões a tais interesses, a posterior propositura de Ação Civil Pública”, sic fl. 543.

Ora, no caso concreto está presente a relevância social justificadora da tutela coletiva e do manejo da ação Civil Pública pelo Ministério Público, vez que a apelante – Nacional Imóveis – investiu em um parcelamento do solo com mais de 300 (trezentos) lotes, em região limítrofe de área de preservação ambiental, deixando de respeitar os índices urbanísticos relacionados ao quantitativo de áreas públicas, repercutindo em danos e lesões aos interesses difusos (ordem urbanística), coletivos (direitos do consumidor) e individuais homogêneos (repercussão social).

Destarte, está o Ministério Público legitimado para agir, incontestavelmente.

Passo à análise do mérito. O pleito recursal enseja exame da responsabilidade em torno do pagamento do tributo devido (ITCD), que impede a continuidade registral do loteamento.

De pronto, vejo apropriada a transcrição do art. 490 do Código Civil:

“Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as de tradição”.

A doutrina é assente ao deduzir que não existindo convenção pelos contratantes atinente às despesas do negócio, as de escritura e registro são de responsabilidade do comprador e adquirente.

A propósito, “as despesas relativas aos tributos da transmissão também ficam a cargo do comprador, salvo cláusula em contrário. Tenha-se, ainda, presente, a responsabilidade do promitente-comprador sobre as despesas condominiais impagas, ainda que não registrado no Cartório de Imóveis o compromisso de compra e venda (STJ, 3ª T., REsp 211.116/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ, 18-9-2000). Nesse sentido: RESP 240.280, 195.629, 164.774, 122.924, 119.624, 76.275, 74.495 e 40.263)” (Código Civil Comentado, Ricardo Fiuza, 6ª ed., pág. 452).

Do acima exposto, outro não pode ser meu posicionamento a não se o de que o ônus de pagar as despesas para o cumprimento integral da sentença (registro e outorga das escrituras aos compradores dos lotes) seja da apelante, o que faz cair por terra seu argumento de que o Estado de Goiás esteja obstaculando a escrituração devida.

Quanto ao pedido de dilação do prazo para cumprimento da obrigação de fazer, vejo que o eminente Procurador de Justiça oficiante nos autos, sempre criterioso em seus pronunciamentos, abordou os tópicos com muita propriedade. A ser assim, a fim de evitar fastidiosa tautologia, transcrevo parte de seu parecer de fls. 554/555, como razão de decidir. In verbis:

“… Por fim, quanto ao prazo estipulado para a execução da obrigação de fazer contida na sentença, taxado de exíguo pela apelante, …, tem-se que o único empecilho para a regularização da situação do loteamento é o pagamento do imposto de transmissão causa mortis, a fim de que seja efetuado o registro, para que, posteriormente, sejam entregues as escrituras para os adquirentes dos lotes. O prazo, portanto, afigura-se perfeitamente viável”.

Vale lembrar, outrossim, que a regularização por parte do Município está satisfeita desde o ano de 2004, consoante se vê de fl. 345, todavia, a recorrente não providenciou o registro do loteamento junto ao Cartório de Imóveis competente, descurando-se de seu ônus.

Assim, mostra-se impertinente a dilação do prazo de 06 (seis) meses, estipulada em sentença, para o cumprimento da obrigação de fazer, porquanto a única ação a ser adotada agora é o pagamento do imposto de transmissão, para que o resultado prático almejado seja alcançado.

Com estas considerações, nego provimento ao apelo, para manter a sentença recorrida como lançada.

É o voto.

Goiânia, 20 de julho de 2010

FRANCISCO VILDON JOSÉ VALENTE

Relator

Fonte: Boletim Informativo Código Civil Interpretado Anotado Artigo por Artigo. Carlos Henrique Abrão & Cristiano Imhof | 26 de fevereiro de 2011.