Entrevista: Tutela do Direito Homoafetivo | Dr. Paulo Roberto Gaiger Ferreira

ENTREVISTA

Tutela do Direito Homoafetivo | Dr. Paulo Roberto Gaiger Ferreira

Ailton Fernandes, especial para o Boletim Eletrônico INR

O INR Cursos, do Grupo SERAC promoverá seminário no próximo dia 24 de novembro, em São Paulo, sobre Direito Homoafetivo. A iniciativa visa municiar notários, registradores e demais operadores do Direito de informações a respeito do tema. Afinal, é cada vez maior o número de casais do mesmo sexo que busca a proteção de seus direitos por meio de escritura pública ou contrato de convivência afetiva.

O 26º Tabelião de Notas da Capital, Dr. Paulo Roberto Gaiger Ferreira, conta que tomou conhecimento de uma portaria do INSS, de 2002, com orientações para casais do mesmo sexo interessados em obter benefícios do órgão. Depois, entendeu que a celebração de um contrato de convivência afetiva não fere artigo da Lei 8.935/94, que proíbe lavrar documento contrário à moral e aos bons costumes. Hoje, ele lavra 20 escrituras de convivência afetiva por mês, em média, das quais 70% são solicitadas por casais masculinos.

Dr. Paulo é titular do 26º Tabelião da Capital há 11 anos (foi aprovado no Concurso Público de Provas e Títulos de 1999/2000). Formado em Direito pela Universidade Federal e Jornalismo pela PUC (Famecos), no Rio Grande do Sul, especializou-se em Direito Empresarial e Direito Notarial na Universidade Federal de Salamanca, na Espanha. Filho do 2º tabelião de protesto de Porto Alegre, Dr. João Figueiredo Ferreira, escreveu livros sobre “Ata Notarial” e “Escrituras Públicas – Inventário, Partilha, Separação e Divorcio”, ambos em co-autoria e, recentemente, foi indicado conselheiro da UINL (União Internacional do Notariado Latino). Além disso, dá cursos sobre Direito Notarial para turmas de Pós-Graduação.

Na estréia da seção “Entrevista” do Boletim Eletrônico INR, o jornalista Aílton Fernandes – que lançou o “Jornal do Notário”, do Colégio Notarial do Brasil – SP em 1996 –, conversou com o tabelião sobre a Tutela do Direito Homoafetivo. Na ocasião, o entrevistado contou que, em São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça determina que os notários atendam a solicitação dos casais homossexuais. Comentou, ainda, a iniciativa do INR Cursos de promover um seminário sobre o tema, entre outros assuntos.

Acompanhe os trechos principais da entrevista:

P – Como nasceu a ideia de lavrar escrituras para casais homossexuais?

R – Em 2002, o INSS previa, numa portaria, que para fazer prova e obter os benefícios, os companheiros do mesmo sexo deveriam ter um contrato particular ou escritura pública. Alguns casais passaram a nos procurar, sozinhos, e também por orientação de advogados. A partir daí, percebemos a necessidade de proteção desse grupo social e começamos a montar as escrituras.

P – A Constituição brasileira determina que o casamento só seja possível entre homem e mulher. A Lei da união estável também estabelece união apenas entre homem e mulher. Como, então, os casais do mesmo sexo estão conseguindo um documento que oficialize a relação e defenda seus direitos?

R – O que se busca, para essas pessoas, é proteger o direito que elas têm de construir um patrimônio afetivo e familiar. Não temos que pensar só em dinheiro. Temos que pensar no afeto. Duas pessoas que se amam e que querem manter uma convivência conjunta e duradoura com o fito de construir uma unidade familiar mesmo. Um casal que já tem filhos ou pretende ter filhos. Então, em primeiro lugar, a gente busca declarar esse afeto. Do afeto e da convivência duradoura advém os reflexos patrimoniais e eventualmente sucessórios. A gente não costuma fazer distinção na questão dos deveres conjugais em relação ao casamento. Em tese, podemos prever o caso de um casal que não queira o dever de fidelidade, por exemplo. Uma relação aberta. Nunca fizemos. Na parte do Direito Patrimonial, podem declarar se eles têm bens particulares, de cada um deles; e se eles já têm bens adquiridos em conjunto ou se pretendam adquirir bens em conjunto. Em caso de conflito, já fica definido aquilo que é de um, o que é do outro e o que é de ambos.

P – O senhor tem enfrentado barreiras ou preconceitos para atender este grupo social?

R – Não. Ao contrário. Nós temos trabalhado de forma técnico-profissional e sem nenhuma vinculação ativista ou de engajamento. Ainda que a gente respeite muito os grupos de defesa dos interesses homossexuais, nós não temos engajamento com eles. Faço meu trabalho aqui. Da mesma forma, eles também fazem contratos particulares nas associações deles. A gente se respeita, troca idéias, participa de debates com muita naturalidade.

P – Qual a média de contratos ou escrituras de convivência afetiva lavradas por mês na sua serventia?

R – Em média, são 20 escrituras por mês.  De janeiro até o dia 30 de agosto, foram lavradas 163 escrituras. Desse total, 70% atende casais masculinos. Para esse caso, atendemos muito mais casais homossexuais do que heterossexuais. Isso significa que os homossexuais estão mais orientados e mais preocupados com a segurança dos seus negócios porque ambos têm que ter um documento regulando as relações.

P – Em sua opinião, a tendência é aumentar o número de escrituras e contratos entre pessoas do mesmo sexo?

R – A tendência é aumentar até o momento em que for reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo ou aprovado o próprio casamento de homossexuais. Com reconhecimento social e legal, as pessoas ficarão mais confortáveis para assumir sua opção sexual. Além disso, existem muitas pessoas que preferem uma relação distinta do casamento e da união estável. Cabe, a nós, atendê-las dentro de suas peculiaridades.

P – A médio prazo, a sociedade brasileira estará preparada para aceitar o casamento de pessoas do mesmo sexo?

R – Espero que seja vencida a resistência. As igrejas têm de respeitar aqueles que têm um amor diferente daquele que elas pregam. Depois, veja que a Espanha e a Argentina, que são países mais machistas do que o Brasil, já aprovaram. A meu ver, esta é uma questão política, de pluralidade de convivência.

P – Quais são os cartórios que lavram contratos ou escrituras públicas de pessoas do mesmo sexo?

R – Por força de uma decisão do Juiz-Corregedor, Dr. Marcio Martins Bonilha Filho, aqui em São Paulo todos os cartórios estão obrigados a fazer. Agora, no Distrito Federal, pelo que sei,  a Corregedoria veda conceder essa tutela.

P – O INR Cursos promoverá seminário sobre Direito Homoafetivo no próximo dia 24 de novembro, aqui em São Paulo. Quem vai tratar desse tema é o professor e jurista Dr. Christiano Cassetari. Em sua opinião, este evento vai despertar interesse dos colegas de sua classe?

R – É um evento imprescindível. Tem que despertar sim. Além disso, o professor Cassetari é uma mente privilegiada para o Direito de Família e Sucessões. Eu espero que seja um sucesso.

P – Para finalizar, quais as recomendações e orientações que o senhor poderia fazer para os que desejam praticar este tipo de ato?

R – Em primeiro lugar, respeitar as peculiaridades do cliente. Muitas vezes, são casais que não querem dar publicidade, não querem ser reconhecidos como homossexuais. Não querem sair do armário. Temos que entender que a família tem que merecer a proteção da intimidade, da vida privada, que é constitucionalmente garantida pelo artigo 5º, inciso X da Constituição Federal. O fato de um cidadão buscar um cartório de notas para formalizar a sua relação, não significa que essa escritura tenha publicidade ou que o tabelião esteja obrigado a dar publicidade irrestrita ao ato. Eu tenho atendido esta particularidade. Quando as partes solicitam confidencialidade sobre sua vida privada, só forneço certidões a elas. A meu ver, a discussão está esquecida pelo notariado paulista. Talvez, seja uma voz solitária no meio da defesa desses interesses. Eu entendo que o tabelião deve à sociedade e ao Estado a correção de seus atos. Mas, por outro lado, deve ao cidadão a autonomia da vontade, da confiabilidade e da intimidade de sua vida privada.

Fonte: Boletim nº 4211 | Grupo Serac | São Paulo, 14 de Outubro de 2010