Da necessidade de se registrar o direito real de habitação do cônjuge e do companheiro descrito na escritura pública de inventário extrajudicial

Por Christiano Cassettari*

O direito real de habitação, segundo o art. 1.414 do Código Civil, consiste no seguinte:

Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.

Com a leitura do citado dispositivo, verifica-se que o direito real de habitação é aquele que permite a alguém morar gratuitamente em imóvel alheio. Este direito pode ser convencional, por força de acordo de vontade em escritura pública, ou legal, se conferido por lei.

Como exemplo de direito real de habitação conferido por lei temos o que é dado ao cônjuge, consoante o art. 1.831 do Código Civil, que determina:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

O requisito para a concessão do direito real de habitação ao cônjuge viúvo é que só haja um imóvel destinado à moradia a ser inventariado, independentemente do regime de bens.

Questão polêmica que é alvo de debate na doutrina e na jurisprudência é se o companheiro possui direito real de habitação. Isso porque o parágrafo único do art. 7.º da Lei 9.278/1996 determina que:

Art. 7.º (…)

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.

A celeuma se estabeleceu porque o citado comando legal não foi reproduzido no Código Civil de 2002. Assim sendo, se questiona: tem o companheiro direito real de habitação?

Afirmativa é a resposta!

Um dos fundamentos para isso é o Enunciado 117 do CJF (Conselho da Justiça Federal), que consubstanciado na não revogação do art. 7.º da Lei 9.278/1996 e no direito à moradia, previsto no art. 6.º, caput, da Constituição Federal, determina que:

Enunciado 117 do CJF – Art. 1831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6.º, caput, da CF/88”.

Esse posicionamento foi adotado pela nossa jurisprudência, vejamos:

“Apelação. Ação de indenização conexa com imissão de posse. Impropriedade da via eleita. Inocorrência. União estável. Companheiro falecido. Indenização por serviços prestados. Impossibilidade. Direito real de habitação à companheira. Artigos 1.831 do NCCB e art. 7.º da Lei 9.278/96. Requisitos legais. Presença. Reconhecimento. Por se tratar de relação de afinidade e afeição, não há falar em verba indenizatória à companheira pelos serviços prestados na constância da união. É viável o manejo de ação de imissão de posse quando o herdeiro do imóvel pretende ver-se integrado em sua posse decorrente da sucessão, não havendo falar em impropriedade do procedimento adotado. Presentes os requisitos legais previstos nos artigos 1.831 do Código Civil e 7.º da Lei 9.278/96, deve ser garantido à companheira sobrevivente o direito real de habitação, ainda que esta não tenha contribuído para a aquisição do único bem imóvel do casal” (TJ-MG – Apelação Cível 1.0775.04.001586-6/001 – Comarca de Coração de Jesus – Apelante(s): M.C.J.S. – Apelado(a)(s): C.B.S. I.A.J.B.B.C.5. – Rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula, j. 30.10.2007, publicado em 04.12.2007).

“União estável. Configuração. Partilha de bens do casal. Bem imóvel adquirido na constância da união. Ausência de elementos seguros de que o fora com rendimentos e bens pertencentes exclusivamente à falecida. Réu que tem direito à metade do imóvel em questão. Direito real de habitação. Preenchimento dos requisitos previstos no art. 7.º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96. Recurso do réu reconvinte provido, desprovido o da autora reconvinda” (TJ-SP, Apelação 994.03.056850-0, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antônio de Godoy, j. 02.02.2010).

Que o Direito Real de Habitação deve ser descrito na escritura de inventário, isso não se discute, pois o mesmo deverá estar descrito na matrícula do imóvel, e a escritura servirá como título que deve ser registrado na matrícula do imóvel. Portanto, os notários que não estão atentando para esse fato, deverão começar a fazer isso o quanto antes.

Assim sendo, por se tratar de direito real sobre bem imóvel, que será oponível erga omnes e irá gerar direito de sequela, pergunta-se se é necessário registrar tal direito na matrícula do imóvel.

Para a Lei de Registros Públicos, negativa é a resposta, por força do art. 167, I, item 7, que determina:

Art. 167. No Registro de imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I – o registro:

(…)

7) do usufruto e do uso sobre imóveis e da habitação, quando não resultarem do direito de família;”

Da leitura do citado artigo verifica-se que não se registra direito real quando provenientes do direito de família.

O único direito real proveniente do direito de família é o usufruto mencionado na lei é o que possuem os pais com relação aos bens dos filhos menores, e que está descrito no art. 1.689 do Código Civil, que disciplina:

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:

I – são usufrutuários dos bens dos filhos;

II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade”.

Mas, infelizmente, alguns registradores tem se recusado a se registrá-lo alegando que o mesmo é proveniente do direito de família. Entendemos que isso é um verdadeiro absurdo, pois não pode existir direito real sobre imóvel sem registro, pois isso causa imensa insegurança jurídica, haja vista que o adquirente de imóvel só retira certidão imobiliária para saber se o imóvel tem algum ônus e, certamente, nunca irá se preocupar em pegar o formal de partilha ou a escritura de inventário, se o alienante recebeu o imóvel a título de sucessão, para saber se há direito real de habitação do cônjuge ou companheiro.

Ademais, cumpre salientar que o direito real de habitação que estamos mencionando não é proveniente do direito de família, mas do direito sucessório, motivo pelo qual não se aplica o art. 167, I, 7, da Lei de Registros Públicos.

Dessa forma, orientamos que os tabeliães façam constar tal direito na escritura, e que os registradores imobiliários façam constar do extrato que será registrado na matrícula do imóvel, menção ao direito real de habitação, que pode ser feito em apenas uma linha, apenas para dar segurança jurídica para terceiros.

* O Autor é Doutorando em Direito Civil pela USP, Mestre em Direito Civil pela PUC-SP, Diretor do IBDFAM-SP e Autor do livro “Separação, Divórcio e Inventário por Escritura Pública: Teoria e Prática”, publicado pela Editora Método, com prefácio de Zeno Veloso, que se encontra na 4º edição. www.professorchristiano.com.br

Fonte: Boletim nº 4132 | Grupo Serac | São Paulo, 02 de Setembro de 2010