CSM|SP: Apelação cível – Dúvida registral – Registro de imóveis – Formal de partilha extraído de ação de extinção de condomínio – Necessidade de prévio ingresso do título de reconhecimento e dissolução de união estável para preservação da continuidade (art. 237, lei nº 6.015/73) – Exigência de aditamento do formal para explicitar valores, (des)igualdade da partilha e eventual torna, com verificação de ITBI ou ITCMD; oficial não pode presumir igualdade e deve fiscalizar tributos – Recurso desprovido, com observação.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001603-60.2025.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que é apelante AGOSTINHO GONÇALVES DOS SANTOS, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE OURINHOS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, com observação, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 7 de outubro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1001603-60.2025.8.26.0408
Apelante: Agostinho Gonçalves dos Santos
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ourinhos
VOTO Nº 43.929
Direito Registral – Apelação – Registro Imobiliário – Dúvida julgada procedente.
I. Caso em Exame
1. Recurso de apelação interposto contra sentença que negou acesso ao registro imobiliário de formal de partilha extraído de ação de extinção de condomínio. O apelante sustenta que o formal de partilha apresentado não fere a continuidade, que não há incidência de ITBI sobre a partilha igualitária e que não há necessidade de aditamento do formal de partilha.
II. Questão em Discussão
D2. iscute-se a necessidade (i) de prévia inscrição do formal de partilha relativo ao processo de reconhecimento e dissolução de união estável e (ii) de aditamento do formal de partilha para esclarecimento sobre eventual desigualdade da divisão e incidência de tributo.
III. Razões de Decidir
3. A prévia inscrição da partilha decorrente do processo de reconhecimento e dissolução de união estável é necessária para preservar a continuidade do registro, na forma do art. 237 da Lei nº 6.015/73.
4. A exigência de aditamento do formal de partilha é justificada pela necessidade de esclarecer se a partilha é ou não igualitária, o que impacta na incidência de ITBI ou ITCMD.
IV. Dispositivo e Tese
4. Recurso não provido, com observação.
Tese de julgamento: 1. Inviável o registro se há necessidade de prévia inscrição de outro título. 2. O Oficial não pode presumir a igualdade de partilha e, por consequência, a não incidência de imposto de transmissão sem elementos mínimos que embasem esse entendimento.
Legislação Citada:
– Arts. 237 e 289 da Lei nº 6.015/73
Jurisprudência citada:
– CSM/SP – Apelação nº 1171475-61.2024.8.26.0100, j. em 26/6/2025
Trata-se de recurso de apelação interposto por Agostinho Gonçalves dos Santos contra a r. sentença de fls. 47/48, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Registro de Imóveis e Anexos de Ourinhos, que, mantendo as exigências feitas pela Oficial, negou acesso ao registro imobiliário de formal de partilha extraído dos autos de alienação judicial de bens nº 1000959-67.2023.8.26.0415, que tramitaram perante a 2ª Vara da Comarca de Palmital.
Sustenta o apelante, em resumo, que o formal de partilha apresentado é título judicial que instrumentaliza a partilha decorrente da união estável reconhecida judicialmente; que o registro do título judicial que visa à extinção de condomínio não atenta contra o princípio da continuidade; que não incide ITBI sobre a partilha igualitária decorrente de dissolução de união estável; e que não há necessidade de aditamento do formal de partilha apresentado. Pede, ao final, a reforma da sentença para que a dúvida seja julgada improcedente (58/68).
A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 176/179 e 182).
É o relatório.
Anoto, de início, que a Oficial não atendeu ao disposto no item 39, V, do Capítulo XX das NSCGJ[1], pois a dúvida suscitada não veio acompanhada nem do título judicial nem das matrículas imobiliárias relativas ao caso.
A título de observação, determina-se à Oficial, para casos futuros, a estrita observância do inciso citado, providência que facilita sobremaneira o julgamento das dúvidas suscitadas.
Ainda assim, possível a análise do recurso.
No ano de 2017, o ora recorrente ajuizou ação de reconhecimento e dissolução de união estável contra Y. M. da S. (autos nº 1001044-97.2016.8.26.0415 da 2ª Vara de Palmital).
O feito foi julgado procedente em primeira e segunda instâncias (fls. 440/443 e 754/763 do processo nº 1001044- 97.2016.8.26.0415), tendo transitado em julgado em 28 de setembro de 2021 (fls. 862 do processo nº 1001044-97.2016.8.26.0415). O v. acórdão proferido em segundo grau e que confirmou integralmente a r. sentença de procedência tem o teor que segue:
“APELAÇÃO. Reconhecimento e dissolução de união estável. Enlace religioso e inequívoco contexto de união por mais de 20 ANOS que não comporta “abstração” tal qual defendido pela parte recorrente. Reflexos patrimoniais indubitáveis. Subsistência do então casal atrelada à produção de suas propriedades, fato que somado à comprovada colaboração do recorrido nas atividades rurais (em especial plantio e colheita) transparecem sua contribuição para o enriquecimento da entidade familiar. Proporção de partilha bem determinada e digna de ratificação (50%, para cada consorte, dos bens adquiridos na constância do relacionamento). Julgamento citra-petita. Inocorrência. Genérica prejudicial que ademais confunde-se com o mérito do recurso. Sentença mantida. Adoção do art. 252 do RITJ. RECURSO DESPROVIDO” (TJ/SP – 5ª Câmara de Direito Privado – Apelação 001044-97.2016.8.26.0415, Rel. Des. Jair de Souza, j. em 19/2/2020).
No ano de 2023, após o correto indeferimento do pedido de extinção de condomínio como incidente de cumprimento de sentença da ação de reconhecimento de união estável, o ora recorrente ajuizou ação visando à divisão igualitária do patrimônio amealhado durante a união (autos nº 1000959-67.2023.8.26.0415 da 2ª Vara de Palmital).
Nesse feito, o recorrente e sua ex-companheira fizeram acordo de partilha de bens (fls. 1.040/1.044 do processo nº 1000959-67.2023.8.26.0415), o qual foi devidamente homologado judicialmente (fls. 1.045 do processo nº 1000959-67.2023.8.26.0415).
Extraído formal de partilha da ação de extinção de condomínio (processo nº 1000959-67.2023.8.26.0415), o registro do título nas matrículas nº 9.417, 14.677, 38.321 e 41.536 do Registro de Imóveis de Ourinhos (fls. 1 destes autos) foi condicionado ao cumprimento das seguintes exigências: a) prévia inscrição do formal de partilha relativo ao processo de reconhecimento e dissolução de união estável; b) aditamento do formal de partilha para esclarecimento a respeito de eventual desigualdade da partilha e, por consequência, da incidência de tributo.
Irresignado, o recorrente questionou as exigências na via administrativa, as quais foram mantidas pela MM. Juíza Corregedora Permanente (fls. 47/48).
E não obstante as razões apresentadas na apelação, os óbices apontados pela Oficial devem ser integralmente mantidos.
A prévia inscrição da partilha decorrente do processo de reconhecimento e dissolução de união estável (autos nº 1001044- 97.2016.8.26.0415) é incontornável.
Conforme informado pela Oficial na suscitação de dúvida, os imóveis matriculados sob os nºs 9.417, 14.677, 38.321 e 41.536 “constam como sendo de propriedade de Y. M. da S., SOLTEIRA” (fls. 4). Desse modo, somente com o registro prévio do título judicial que reconheceu o direito do recorrente à metade desses bens que se pode cogitar a inscrição de título que determina a extinção do condomínio.
É ilógico imaginar que a extinção de condomínio possa ser registrada na matrícula de bem pertencente a um único proprietário. A exigência, no caso, se enquadra perfeitamente no disposto no art. 237 da Lei nº 6.015/73, segundo o qual:
“Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”
A segunda exigência, relativa ao aditamento do formal de partilha para esclarecimento a respeito de eventual desigualdade da partilha e, por consequência, da incidência de tributo, também deve ser mantida.
Sobre o assunto, este C. Conselho Superior da Magistratura se manifestou recentemente em acórdão de minha relatoria:
“DIREITO TRIBUTÁRIO – FORMAL DE PARTILHA – EXCESSO DE MEAÇÃO COM TORNA – REGISTRO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO DO ITBI – DÚVIDA JULGADA PROCEDENTE – APELO DESPROVIDO.
I. Caso em exame. 1. O interessado, irresignado com o juízo de desqualificação registral que recaiu sobre o formal de partilha apresentado a registro, em especial, com a exigida comprovação do recolhimento de ITBI, requereu suscitação de dúvida, impugnando o excesso de meação e ponderando que a partilha não teve por objeto patrimônio imobiliário. 2. Julgada procedente a dúvida, recorreu.
II. Questões em discussão. 3. A amplitude objetiva do patrimônio a ser valorado na aferição do excesso de meação.4. A configuração da disparidade da partilha da meação e da hipótese de incidência do imposto de transmissão.
III. Razões de decidir. 5. A desproporção da partilha da meação deve ser avaliada à luz da totalidade do patrimônio comum, patrimônio coletivo do casal, ou seja, não deve levar em conta apenas o patrimônio imobiliário. 6. A partilha foi desigual. Embora as dívidas do casal tenham sido repartidas na mesma proporção, os direitos reais de aquisição sobre bens imóveis e os bens móveis discriminados na convenção de divórcio foram atribuídos unicamente ao divorciando, que, em contrapartida, obrigou-se a compensar financeiramente a divorcianda. 7. O excesso de meação, caracterizado, ocorreu mediante pagamento de torna, qualificando-se assim como oneroso o negócio de partilha, situação a ensejar a incidência do ITBI, cujo recolhimento deve ser controlado pela Oficial. 8. O título judicial, tal como exibido, sem demonstração do pagamento do tributo, não admite registro.
IV. Dispositivo. 9. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: 1. A desproporção da partilha da meação deve considerar a totalidade do patrimônio do casal, patrimônio coletivo, e não somente o patrimônio imobiliário. 2. A partilha desigual da meação com torna é causa de incidência de ITBI; ausente contrapartida, na falta assim de prestação correspectiva, o excesso de meação dá ensejo ao ITCMD” (CSM/SP – Apelação nº 1171475-61.2024.8.26.0100, j. em 26/6/2025).
O acordo de partilha formalizado pelas partes (fls. 1.040/1.044 do processo nº 1000959-67.2023.8.26.0415), todavia, não indica os valores dos bens divididos, impedindo que se conclua se a partilha é igualitária – hipótese em que não incide imposto de transmissão – ou desigual – hipótese em que incide ITCMD ou ITBI, dependendo da existência de torna.
Ao Oficial, a seu turno, cabe efetuar rigorosa fiscalização do pagamento dos tributos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão de seu ofício (art. 289 da Lei nº 6.015/73), não lhe sendo dado presumir a igualdade de partilha sem elementos mínimos que embasem esse entendimento.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação, com observação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
NOTAS:
[1] V – certificado o cumprimento dessas providências todas, o oficial remeterá, ao juízo competente, por meio eletrônico, digitalizando-os, o título, os documentos que o acompanham e as razões de dúvida, com certidão da matrícula, da transcrição ou da inscrição em questão;1303.
(DJEN de 15.10.2025 – SP)