CGJ|SP: Direito notarial – Escritura pública de venda e compra – Pedido de retificação para exclusão da esposa do adquirente, com base em proposta de compra anterior – Impossibilidade de correção por ata retificativa, por importar alteração da declaração negocial e não mero erro material – Proposta pré-negocial unilateral não arquivada na serventia não tem força para modificar o título lavrado – Retificação somente possível mediante escritura de retificação-ratificação, com a presença de todos os contratantes – Recurso administrativo desprovido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Recurso Administrativo n° 1024718-92.2024.8.26.0005

(291/2025-E)

EMENTA: DIREITO NOTARIAL – ESCRITURA DE VENDA E COMPRA – RETIFICAÇÃO DE ERRO – ALTERAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL – LAVRATURA DE ATA RETIFICATIVA RECUSADA – RECURSO DESPROVIDO.

I. Caso em Exame.

1. O interessado, escorado em precedente proposta dR compra, pede a retificação de escritura de venda e compra para excluir sua esposa da condição de compradora, a ser realizada por meio de ata retificativa, independentemente da presença dos demais participantes do ato, porque, evidente o erro, suficiente o seu requerimento.

2. Irresignado com a r. sentença do Juízo Corregedor Permanente, apelou.

II. Questão em Discussão.

3. A amplitude objetiva da ata retificativa e sua admissibilidade in concreto.

III. Razões de Decidir.

4. A apelação, em atenção à natureza da controvérsia e, ainda, ao princípio da fungibilidade recursal, deve ser recepcionada como recurso administrativo.

5. A retificação pretendida importa modificação da declaração negocial.

6. A proposta de compra, ato unilateral, pré-negocial, não arquivado na serventia, é desprovido de força para repercutir no conteúdo da declaração negocial posteriormente formalizada, em especial, logo, para excluir, da posição de compradora, a esposa do requerente; em suma, não se presta à retificação requerida.

7. A emenda pretendida não se cinge ao plano exegético, não se resolve via interpretação meramente recognitiva, então baseada apenas no contexto verbal.

8. A ata retificativa não é, aqui, o instrumento corretivo adequado; é incompatível com situações a demandar perquirição do contexto situacional, apuração de dados estranhos ao título, elementos extratextuais.

9. O que se busca, com a remediação do ventilado erro, é a modificação da vontade anteriormente manifestada, a formalização de nova declaração negocial.

10. A alteração exige escritura de retificação-ratificação, pressupõe, por conseguinte, a presença de todos os participantes do ato a ser ajustado.

IV. Dispositivo.

11. Recurso desprovido.

V. Tese: O saneamento do erro não se faz por meio de ata retificativa, se a emenda importar alteração da declaração negocial, situação a exigir escritura de retificação-ratificação.

Legislação citada: NSCGJ, t. II, Cap. XVI, item 54, subitem 54.1. e item 55.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

O interessado, conforme restou esclarecido em sua petição de fls. 38-39, pretende a retificação de escritura pública de venda e compra de bem imóvel, título lavrado no dia 16 de julho de 1969, no livro 31, folha 76, do RCPNTN do Distrito de… desta Capital.

Argumenta que, do título, constou, equivocadamente, como compradores, ele e “sua mulher”, porém o imóvel foi adquirido por ele na condição de solteiro, conforme a proposta de compra n.º 1.172, de 20 de fevereiro de 1964, quando nem conhecia com quem se casou em 15 de janeiro de 1966, sob o regime da separação de bens.

O delegatário, em sua manifestação de fls. 55, ponderou a indispensabilidade da lavratura de escritura de retificação-ratificação, com a participação de todos os contratantes, ou seja, afirmou não ser possível, na hipótese vertente, a lavratura de ata retificativa.

O MM Juízo Corregedor Permanente seguiu nessa linha, na r. sentença de fls. 67-69.

O interessado apelou. Em suas razões de fls. 81-87, reiterou suas alegações, a ocorrência de erro evidente por ocasião da lavratura da escritura de venda e compra e a admissibilidade da retificação intencionada a dispensar a presença dos demais participantes do ato notarial.

A D. Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer de fls. 98-100, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

1. Em atenção à natureza da controvérsia, que versa sobre dissenso notarial, e ao princípio da fungibilidade recursal, a apelação deve ser recepcionada como recurso administrativo, o adequado in casu, previsto então no art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-lei Complementar n.° 3/1969), cujo exame compete a esta Corregedoria.

2. O recorrente pretende a retificação da escritura pública de venda e compra objeto do traslado de fls. 10-13, título lavrado pelo RCPNTN do Distrito de… desta Capital, no livro de notas n.º 31, fls. 76, porque, diferentemente do que constou, o bem imóvel lá identificado, lote n.º 43 da quadra 68 do loteamento… foi adquirido, afirma, por ele, exclusivamente, e não também por sua esposa.

A escritura, ao fazer constar, como compradora, ao documentar que a venda foi feita ao recorrente e à esposa dele, ambos adquirentes do bem imóvel lá descrito, estaria em desacordo com o efetivamente pactuado, fato a ensejar a retificação requerida, que, em conformidade com a intelecção do recorrente, não exige o comparecimento dos demais participantes do ato notarial.

Entretanto, a irresignação do recorrente, inconformado com a qualificação notarial negativa e, agora, com a r. sentença que a prestigiou, a de fls. 67-69, não vinga, não comporta acolhimento.

A modificação intencionada importa alteração da declaração de vontade das partes, da declaração negocial, a manifestada, então a formalizada por meio do título de fls. 10-13.

Aplicável, in concreto, o item 55 do Cap. XVI das NSCGJ, t. II, em atenção aos efeitos que resultarão do saneamento requerido, da correção do erro apontado, que não admite ajuste mediante ata retificativa, prevista no item 54 do Cap. XVI das NSCGJ, t. II, in verbis:

“Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, constatáveis documentalmente e desde que não modificada a declaração de vontade das partes nem a substância do negócio jurídico realizado, podem ser corrigidos de ofício ou a requerimento das partes, ou de seus procuradores, mediante ata retificativa lavrada no livro de notas e subscrita apenas pelo tabelião ou por seu substituto legal, a respeito da qual se fará remissão no ato retificado.” (sublinhei)

O hipotético erro somente pode ser remediado por meio de escritura de retificação-ratificação, assinada pelas partes e pelos demais comparecentes do ato rerratificado (ou por seus sucessores), e subscrita pelo tabelião ou por seu substituto legal.

A emenda implicará modificação da vontade negocial, uma vez que passará a constar apenas o recorrente como comprador, adquirente do bem imóvel.

Em particular, não está presente qualquer uma das situações referidas no subitem 54.1. do Cap. XVI das NSCGJ, t. II, a seguir listadas:

“54.1. São considerados erros, inexatidões materiais e irregularidades, exclusivamente:

a) omissões e erros cometidos na transposição de dados constantes dos documentos exibidos para lavratura do ato notarial, desde que arquivados na serventia, em papel, microfilme ou documento eletrônico;

b) erros de cálculo matemático;

c) omissões e erros referentes à descrição e à caracterização de bens individuados no ato notarial;

d) omissões e erros relativos aos dados de qualificação pessoal das partes e das demais pessoas que compareceram ao ato notarial, se provados por documentos oficiais.”

Enfim, é inafastável a incidência do item 55, abaixo transcrito:

“55. Os erros, as inexatidões materiais e as irregularidades, quando insuscetíveis de saneamento mediante ata retificativa, podem ser remediados por meio de escritura de retificação-ratificação, que deve ser assinada pelas partes e pelos demais comparecentes do ato rerratificado e subscrita pelo Tabelião de Notas ou pelo substituto legal.”

3. A circunstância da venda e compra, celebrada no dia 16 de julho de 1969, ter sido antecedida pela proposta de compra de fls. 9, ato pré-negocial datado de 20 de fevereiro de 1964, formalizado unicamente pelo recorrente, solteiro à época, logo, sem a participação de sua futura esposa, com quem se casou, sob o regime da separação de bens, no dia 15 de janeiro de 1966 (fls. 15), não leva, por si, à retificação pretendida.

Por ocasião da escritura de venda e compra, não houve mera reprodução de anterior consentimento, muito menos simples execução de obrigação anteriormente assumida; houve, na realidade, aí sim, declaração negocial; nessa oportunidade, surgiu o vínculo contratual, negócio jurídico bilateral.

Quer dizer, a proposta acima reportada não se presta a respaldar a ata retificativa.

Seja como for, o dissenso não envolve omissões e erros que teriam sido cometidos na transposição de dados constantes da proposta de compra, que, de mais a mais, não foi arquivada na serventia.

Nessa linha, sequer é possível aventar a aplicabilidade da alínea a do subitem 54.1. do Cap. XVI das NSCGJ, t. II.

4. Vale assinalar, ainda, em reforço da impropriedade da ata retificativa, que o saneamento visado não se restringe ao plano exegético, em especial, à interpretação meramente recognitiva, ao reconhecimento do que foi efetivamente declarado, muito menos é baseada unicamente no contexto verbal, conclusão a definitivamente desautorizar a emenda pedida.

A ata retificativa não é aqui o instrumento corretivo adequado. É, a propósito, incompatível com situações a exigir a perquirição do contexto situacional, das circunstâncias negociais, a apuração de dados extrínsecos ao título.

A emenda não se cinge à interpretação, à mera reconstrução do conteúdo expresso do negócio jurídico, à definição do significado da declaração negocial, promovida à luz do contexto verbal. Ao contrário, exige a perquirição de elementos extratextuais, a condicioná-la à presença das partes e demais comparecentes do ato rerratificado.

O que se busca com a retificação, o que se pretende com a remediação do suposto erro, hipotética deficiência, é a correção da vontade anteriormente manifestada, a constitutiva do negócio jurídico, portanto, a formalização de nova declaração negocial.

Pelo todo exposto, o parecer que ora submeto à apreciação de Vossa Excelência propõe o desprovimento da apelação, a ser admitida como recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, data registrada no sistema.

LUCIANO GONÇALVES PAES LEME

Juiz Assessor da Corregedoria

Assinatura Eletrônica

CONCLUSÃO

Em 01 de agosto de 2025, faço estes autos conclusos ao Doutor FRANCISCO LOUREIRO, Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça.

Eu, Silvana Trivelin Daniele, Escrevente Técnico Judiciário, GAB 3.1, subscrevi.

Proc. n° 1024718-92.2024.8.26.0005

Vistos

Aprovo o parecer apresentado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento.

Int.

São Paulo, data registrada no sistema.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça

Assinatura Eletrônica