CSM|SP: Dúvida – Registro de imóveis – Fundo de investimento em direitos creditórios – Título: Cédula de Crédito Bancário e Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis em garantia – Óbice relativo à ausência de personalidade jurídica do FIDIC que não se sustenta – Registro pode ser feito em nome do próprio fundo ou do administrador fiduciário – Falta de conformidade dos documentos apresentados a registro, que não permitem o perfeito encadeamento entre os negócios sucessivos de cessão de crédito – Recurso desprovido com observação.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1126644-25.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante SOLAR FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS PADRONIZADO MULTISSETORIAL, é apelado 17º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso de apelação, com observação, nos termos do voto do Desembargador Relator, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), DAMIÃO COGAN (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 13 de maio de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1126644-25.2024.8.26.0100

Apelante: Solar Fundo de Investimento Em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial

Apelado: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.723

Dúvida – Registro de imóveis – Fundo de investimento em direitos creditórios – Título: Cédula de Crédito Bancário e Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis em garantia – Óbice relativo à ausência de personalidade jurídica do FIDIC que não se sustenta – Registro pode ser feito em nome do próprio fundo ou do administrador fiduciário – Falta de conformidade dos documentos apresentados a registro, que não permitem o perfeito encadeamento entre os negócios sucessivos de cessão de crédito – Recurso desprovido com observação.

I. Caso em Exame

1.Trata-se de apelação interposta por fundo de investimento em direitos creditórios contra sentença que manteve a recusa ao registro de cédula de crédito bancário e de instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia. O Oficial de Registro de Imóveis apontou diversos impedimentos. O primeiro impedimento relacionado à ausência de personalidade jurídica do fundo de investimento de direitos creditórios para ser titular de propriedade resolúvel, argumentando que o registro somente poderia ser feito em nome do administrador fiduciário. O segundo impedimento diz respeito à de falta de conformidade técnica dos documentos apresentados, que não permitem o correto encadeamento dos sucessivos contratos de cessão de crédito. Apenas parte das exigências foi formulada por ocasião da suscitação da dúvida, que não veio instruída com a nota de devolução.

II. Questões em Discussão

2.As questões em discussão consistem em analisar (i) o modo adequado de qualificação de títulos e de apresentação de dúvida; (ii) a possibilidade de fundo de investimento em direitos creditórios figurar como credor fiduciário perante o registro imobiliário, ainda que não dotado de personalidade jurídica de direito material (iii) a conformidade dos documentos apresentados para registro, probatórios dos sucessivos negócios de cessão de crédito.

III. Razões de Decidir

3.Exigências devem ser formuladas de uma só vez após análise exaustiva do título (item 38, Capítulo XX, das NSCGJ, tomo II). A dúvida deve ser encaminhada a juízo com todos os documentos necessários à sua análise, notadamente a nota devolutiva (artigo 198 da Lei de Registros Públicos). 4. Fundos de investimento em direitos creditórios não são dotados de personalidade jurídica e tem a natureza jurídica de condomínio especial, por força do art. 1368-C do Código Civil. Embora não possuam personalidade jurídica em sentido amplo, são titulares de relações de crédito e, por consequência, podem figurar perante o registro imobiliário como titulares de direitos reais de garantia, acessórios à relação obrigacional. Tal como ocorre no condomínio edilício (embora tenham natureza jurídica distinta), o entendimento dos tribunais é no sentido de atribuir, em caráter excepcional, personalidade de direito material limitada a temas de seu específico interesse. A administradora do fundo é administradora fiduciária do condomínio especial, conforme resolução da CVM. O registro pode ser feito tanto em nome do fundo de investimento de direitos creditórios como em nome da administradora fiduciária, como patrimônio separado, em situação semelhante à regulada pela CVM quanto aos fundos de investimento imobiliário. 5. Todas as partes envolvidas nos negócios jurídicos sucessivos de cessão de crédito apresentados a registro necessitam manifestar consentimento, para perfeito encadeamento da alteração da titularidade do crédito garantido. 6. Documentos eletrônicos devem atender aos requisitos técnicos estabelecidos, incluindo assinatura digital no padrão ICP- Brasil e formato PDF/A, tudo em garantia de validade e segurançajurídica.

IV. Dispositivo e Tese

7. Recurso desprovido diante da correção de algumas das exigências formuladas pelo oficial.

Teses de julgamento: “1. Exigências devem ser formuladas de uma só vez após análise exaustiva do título apresentado a registro (item 38, Capítulo XX, das NSCGJ, tomo II). A dúvida deve ser encaminhada a juízo com todos os documentos necessários à sua análise, notadamente a nota devolutiva (artigo 198 da Lei de Registros Públicos). 2. Fundo de investimento em direitos creditórios pode figurar como credor fiduciário perante o registro imobiliário desde que tenha adquirido tais direitos em garantia de suas atividades e se encontre representado por sua administradora fiduciária, observando-se o disposto nos artigos 6º ao 9º da Lei n. 8.668/93. O registro pode ser feito, também, em nome da administradora fiduciária, como patrimônio separado. Aplicação analógica nos termos do artigo 4º da LINDB. Princípio da igualdade. 3. Todas as partes envolvidas nos negócios jurídicos apresentados a registro necessitam estar presentes e regularmente representadas. Negócios sucessivos de cessão de crédito devem conter os consentimentos das partes, para perfeito encadeamento da titularidade do crédito garantido. 4. Documentos eletrônicos devem atender aos padrões técnicos exigidos para registro”.

Legislação Citada:

Lei n. 8.935/1994, art. 28; Lei n. 4.728/1965;

Lei n. 13.874/2019;

Lei n. 8.668/1993, artigos 1º e 6º ao 9º; Lei n. 9.514/97;

Provimento CNJ n. 149/2023; Decreto n. 10.278/2020.

Trata-se de apelação interposta por Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial, representado por sua administradora, Singulare Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A., contra a r. sentença de fls. 646/659, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do (…) Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que manteve a recusa ao registro de cédula de crédito bancário e de instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e seus respectivos aditamentos, os quais envolvem os imóveis das matrículas n. 56.000 e 73.280 daquela serventia (prenotação n. 403.606 fl. 586).

O Oficial informou que foram apresentados para registro a cédula de crédito bancário n. 024605577, firmada em 14/06/2023, instrumento particular de alienação fiduciária de bens imóveis em garantia e seus dois aditamentos (de 04/12/2023 e 02/04/2024), tendo como objeto os imóveis matriculados sob n. 56.000 e 73.280, e requerimento de suscitação de dúvida; que os documentos já haviam sido qualificados e devolvidos anteriormente, sob a prenotação de n. 285.803; que os impedimentos para o registro foram: (i) a indicação, no 2º Aditamento ao Instrumento Particular de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis em Garantia, de Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizados Multissetorial (FIDC) como credor fiduciário, sendo que o Fundo não possui personalidade jurídica, pelo que se exigiu a retificação do título para constar a administradora Singulare Corretora de Títulos e Valores S.A. como credora; (ii) a ausência da credora original no segundo aditamento, pelo que se exigiu o comparecimento de BMP Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte Ltda, com anuência ao negócio; (iii) vício de representação da fiduciante no 1º aditamento, que foi assinado no dia 04 de dezembro de 2023 por quem não tinha mais poderes de representação, pelo que se exigiu regularização do instrumento ou apresentação da procuração; (iv) descumprimento dos requisitos técnicos do artigo 324, § 1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023, pois o título eletrônico carece de assinaturas eletrônicas dos subscritores, está fora do padrão PDF/A e não contém assinatura eletrônica do apresentante, pelo que necessária retificação ou apresentação física.

O Oficial apontou, ainda, que a interessada impugnou algumas exigências, mas não contestou a necessidade do comparecimento de todas as partes contratantes ao segundo aditamento, sendo que colacionou jurisprudência que se refere à possibilidade de aquisição de imóveis e à capacidade postulatória dos fundos de investimentos, que não se aplica ao caso (fls. 01/12).

A parte requerente apresentou impugnação, aduzindo que os FIDC, regulamentados pela Resolução CMN n. 2907/2001 e pela Instrução CVM n. 356/2001, são constituídos sob a forma de condomínio de investidores e, embora desprovidos de personalidade jurídica, são representados por administrador que pratica os atos necessários ao seu funcionamento nos termos do artigo 80 da Instrução CVM n. 555/2014; que os FIDC podem ser titulares de direito real sobre bens imóveis desde que o direito possa ser transferido por legislação específica e adquirido conforme a legislação aplicável e o regulamento do fundo, bem como que o FIDC esteja representado por seu administrador no instrumento, o que foi atendido no caso; que a exigência de participação do banco cedente (Banco Money Plus) no aditivo da alienação fiduciária foi apontada pelo Oficial apenas na suscitação da dúvida, sem constar da nota devolutiva; que os direitos e deveres da alienação fiduciária tiveram origem na cédula de crédito bancário emitida por Banco Money Plus e foram cedidos, sendo o instrumento assinado por BMP Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte Ltda, o que torna desnecessário o comparecimento do banco cedente; que o título apresentado atende integralmente os requisitos da assinatura qualificada com certificação ICP- Brasil; que comprovou a validade das assinaturas pelo validador “iti.gov.br”, sem que o Oficial tenha conferido os documentos na plataforma “gov.br” ou verificado os comprovantes de conformidade apresentados; que a alegação do Oficial de que a alteração da extensão do arquivo de “p7s” para “.pdf” teria comprometido a validação do título, pois a plataforma do ONR apenas aceita documentos em formato “.pdf”, não interfere na autenticidade (fls. 586/610).

A MM. Juíza Corregedora Permanente manteve os óbices, observando que a Lei n. 4.728/1965 e a Lei n. 13.874/2019 regulam os fundos de investimento, que são considerados condomínios de natureza especial, inconfundíveis com outras modalidades de condomínios e sem personalidade jurídica, sendo regidos pela Resolução CVM n. 175/2022, que confere ao administrador poderes para gerir e representá-los; que o fundo Solar FIDC não pode figurar como credor fiduciário, uma vez que não possui personalidade jurídica para adquirir direitos reais sobre imóveis, conforme o artigo 1.225 do CC e a Lei n. 9.514/97; que, diante dos princípios da legalidade estrita e da tipicidade, a ausência de previsão legal para aquisição imobiliária pelos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) impede sua equiparação aos fundos de investimento imobiliário (FII) e a aplicação da Lei n. 8.668/93; que cabe ao administrador dos FIDC figurar como credor fiduciário/cessionário; que é necessária a anuência de BMP Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte Ltda, já que o contrato de cessão de crédito ao FIDC não foi apresentado; que a recusa ao registro se justifica por não constar o fundo ou a a administradora Singulare como credores fiduciários no documento, em conformidade com os princípios da especialidade e da continuidade; que o precedente citado pela suscitada não se aplica, pois o título já estava em nome da administradora; que os títulos digitais devem seguir as exigências legais e normativas, com o envio eletrônico sujeito a análise da conformidade com a legislação vigente, sendo admitidos os documentos apenas se forem digitais natos ou digitalizados e assinados com certificação ICP-Brasil, conforme o Decreto n. 10.278/2020 e o Provimento CNJ n. 149/2023.

A Corregedoria Permanente observou, ainda, que a exigência pela regularização da representação da fiduciante no primeiro aditamento ao instrumento particular de alienação fiduciária não constou da nota devolutiva anterior, confirmando a necessidade de regularização do título e advertindo o Oficial quanto à sua obrigação de análise exaustiva dos títulos submetidos a registro (fls. 646/659).

Em suas razões, a parte apelante sustentou que, por lógica e segurança jurídica, a titularidade dos bens e garantias deve ser registrada em nome do FIDC e não da administradora, evitando confusão patrimonial e distorções no mercado financeiro; que a exigência do Oficial, quando negou o registro da alienação fiduciária sob o argumento de que o FIDC não pode ser sujeito de direitos reais, contraria a regulamentação vigente e compromete a segurança dos investidores; que a ausência de personalidade jurídica dos FIDCs é suprida pela figura do administrador, que “empresta” sua personalidade jurídica para garantir a segurança e a legalidade das operações; que o Estado deve abster-se de interferir indevidamente na livre iniciativa, não devendo retardar ou impedir novos modelos de negócio (artigo 4º, IV, da Lei de Liberdade Econômica); que são válidas as assinaturas eletrônicas qualificadas utilizadas em conformidade com a Lei n. 14.063/2020, sendo que a recusa do cartório com base no formato do arquivo digital não tem respaldo normativo e viola o princípio da eficiência; que existe excesso de formalismo nas exigências cartorárias: mesmo após cumprimento de sucessivas exigências por mais de um ano, ainda assim foi surpreendida por novas demandas infundadas (fls. 665/704).

Houve oposição ao julgamento virtual (fl. 757).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 761/763).

É o relatório.

1.Cumpre ressaltar que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Por isso mesmo, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e das normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Neste sentido, o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):

“Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

2.No mérito, o recurso não merece provimento, ainda que nem todas as exigências subsistam.

Parte dos óbices são afastados pelo presente Acórdão, mas alguns remanescem, de modo que o título permanece sem acesso ao registro imobiliário.

3.O negócio jurídico que deu origem à alienação fiduciária que se pretende registrar teve início com a emissão, em 14 de junho de 2023, da Cédula de Crédito Bancário n. 024605577 pela pessoa jurídica Vilares Empreendimentos e Participações Ltda em favor da credora BMP Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte Ltda, tendo Leonardo Azevedo Vilares, então sócio da pessoa jurídica Vilares como avalista. Além do aval pessoal prestado por Leonardo, também foi pactuada a alienação fiduciária de imóveis em garantia (fls. 275/295).

Para atendimento dos requisitos da Lei n. 9.514/97, as partes firmaram, no mesmo dia, instrumento particular de alienação fiduciária (fls. 308/320), acompanhado de cópia das matrículas dos imóveis oferecidos em garantia e laudos de avaliação (fls. 321/405).

A parte informa que apresentou tais documentos à serventia extrajudicial em três oportunidades, mas não conseguiu obter o registro (prenotações n. 273.222, de 19/06/2023, 275.558, de 07/08/2023, e 278.227, de 06/10/2023 fl. 702).

Então, para adequação dos títulos às exigências inicialmente formuladas, as partes do negócio (BMP, Vilares e Leonardo) firmaram, em 04 de dezembro de 2023, o Primeiro Aditamento à Cédula de Crédito Bancário n. 024605577 (fls. 296/299) e o Primeiro Aditamento ao Instrumento Particular de Alienação Fiduciária (fls. 406/410).

Os títulos foram reapresentados, mas o registro foi novamente negado (prenotação n. 282.373, de 08/02/2024 fl. 702).

Em seguida, a parte informa que, por cessão firmada no dia 14 de junho de 2023, a credora BMP cedeu o seu crédito para a cessionária Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial, administrada por Singulare Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.

Neste ponto é importante ressaltar que somente parcela do contrato de cessão de crédito veio copiada nas razões do recurso (fls. 685/686), mas o instrumento não acompanhou os documentos protocolados junto ao Oficial de Registro de Imóveis.

Diante da transmissão do crédito, no dia 02 de abril de 2024, a emitente e devedora Vilares Empreendimentos e Participações Ltda firmou com a credora Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial o Segundo Aditamento à Cédula de Crédito Bancário n. 024605577, objetivando a substituição de um dos imóveis oferecidos em garantia (o da matrícula n. 73.280 no lugar do imóvel da matrícula n. 55.908) e a inclusão do avalista Sérgio Faia Vilares, sem prejuízo ao aval anteriormente prestado por Leonardo (fls. 300/307).

Foi, ainda, firmado um segundo aditamento ao instrumento particular de alienação fiduciária, constando como devedora fiduciante a pessoa jurídica Vilares Empreendimentos e Participações Ltda e como credora fiduciária a Solar Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Padronizado Multissetorial, representada por sua administradora Singulare Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A. (fls. 411/419).

O novo conjunto de documentos foi apresentado para registro no dia 16 de maio de 2024, sob prenotação n. 285.803, mas devolvido com as exigências que constam na nota copiada às fls. 270/274. Essa prenotação venceu em 14 de junho de 2024.

4.A parte interessada requereu a suscitação de dúvida por petição datada de 04 de julho de 2024 (fls. 249/269).

5.Verifica-se, em suma, que mais de um óbice foi levantado pelo oficial de registro de imóveis.

Exposta a evolução dos fatos, verifica-se que a primeira exigência reside na necessidade, ou não, de aditamento do negócio jurídico de cessão de crédito em virtude de o cessionário se tratar de fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC).

Essa a questão mais sensível de todas as exigências formuladas pelo registrador. Indaga-se, em resumo, o seguinte: a) qual a natureza jurídica dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC); b) se referidos fundos são dotados de personalidade jurídica de direito material; c) se referidos fundos são titulares de direitos e obrigações relativos aos ativos que compõem sua carteira; d) se eventuais garantias reais dos direitos creditórios devem ser registrados em nome do fundo ou, ao contrário, em nome de seu administrador fiduciário.

Positivou o art. 1.368-C do Código Civil a natureza jurídica dos fundos de investimentos como condomínio, mas de natureza especial, sem extensão das regras dos condomínios comum e edilício do direito comum. Não gozam os cotistas, portanto, das prerrogativas dos condôminos de usar, fruir e dispor da coisa comum. O patrimônio do fundo não pode ser usado, fruído ou alienado diretamente pelo cotista. Cria-se, na verdade, uma relação fiduciária, na qual os cotistas integralizam as cotas e os recursos invertidos passam a ser administrados por prestadores de serviço gestores em benefício dos condôminos. O modo de operação dos fundos mais se aproxima do negócio fiduciário e da figura do trust, pois o administrador fiduciário pode negociar os ativos, comprando e vendendo bens ou títulos, em proveito dos cotistas (Carlos Portugal Gouvêa, Comentários aos arts. 1.368-C a 1.368-F do Código Civil: fundos de investimento na Lei da Liberdade Econômica. In: Judith Martins- Costa, Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke. Direito Privado na Lei da Liberdade Econômica. Almedina, 2022, p. 598).

A definição dos fundos de investimentos, segundo a doutrina, reúne os seguintes elementos: “i) comunhão de recursos; ii) constituição sob a forma de condomínio de natureza especial; iii) destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza” (Luciana Pedroso Xavier e Rafael Santos-Pinto. Comentários à Lei da Liberdade Econômica, coord. Floriano Peixoto Marques Neto e outros. São Paulo: RT, 2019, p. 433).

Essa comunhão se dá, segundo a lei, sob a forma de condomínio de natureza especial, inconfundível e com regras distintas das demais modalidades de condomínio (comum, edilício e de lotes), por força de regra expressa do § 1º do art. 1.368-C do Código Civil. Não é dotado o condomínio especial de personalidade jurídica de direito material, e sim composto de cotistas, cada qual com uma parte ideal do valor patrimonial dos bens que compõem o fundo, colocados sob administração fiduciária de terceiro. Faltou ao legislador, contudo, explicitar no que consiste o “condomínio de natureza especial” e disciplinar suas regras. O tema foi relegado à CVM, que o disciplina de modo minucioso na Instrução n. 175/2022.

Justamente por serem constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial nos termos dos artigos 1.368-C e 1.368-E do Código Civil, sem inclusão no rol do artigo 44 do mesmo diploma legal, há que se concluir que os fundos de investimento em direitos creditórios não são pessoas jurídicas e, por consequência, não possuem personalidade jurídica geral de direito material, sendo representados (ou presentados) por seu administrador fiduciário, que, no presente caso, é a SINGULARE CORRETORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A. (item 4 fls. 161/240).

Embora não tenham a natureza de pessoa jurídica, o que se indaga é se os fundos de investimento em direitos creditórios podem ser titulares de determinados direitos e obrigações, peculiares a seus interesses específicos, como já entendeu a jurisprudência em relação aos condomínios edilícios.

Ainda que os regramentos citados, em especial a Resolução 175/22 da CVM, tratem da constituição e do funcionamento dos FIDC, não há previsão da forma como o administrador fiduciário emprestará personalidade jurídica a eles, diferentemente do que faz a Lei n. 8.668/93 em relação aos fundos de investimento imobiliário (artigos 1º e 6º ao 9º).

No que se refere aos Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs), a Instrução CVM n. 175/2022 prevê de modo expresso que os ativos devem ser registrados em nome do administrador fiduciário. Confira-se (destaque nosso):

Art. 1º Ficam instituídos Fundos de Investimento Imobiliário, sem personalidade jurídica, caracterizados pela comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários, na forma da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários. (…)

Art. 6º O patrimônio do Fundo será constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições:

I. não integrem o ativo daadministradora;

II. não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da instituiçãoadministradora;

III. não componham a lista de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;

IV. não possam ser dados em garantia de débito de operação da instituiçãoadministradora;

V. não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da administradora, por mais privilegiados que possamser;

VI. não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis, exceto para garantir obrigações assumidas pelo Fundo ou por seus cotistas.

§1°. No título aquisitivo, a instituição administradora fará constar as restrições enumeradas nos incisos I a VI e destacará que o bem adquirido constitui patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.

§2°. No registro de imóveis serão averbadas as restrições e o destaque referido no parágrafo anterior.

§3°. A instituição administradora fica dispensada da apresentação de certidão negativa de débitos, expedida pelo Instituto Nacional da Seguridade Social, e da Certidão Negativa de Tributos e Contribuições, administrada pela Secretaria da Receita Federal, quando alienar imóveis integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.

Art. 8º. O fiduciário administrará os bens adquiridos em fidúcia e deles disporá na forma e para os fins estabelecidos no regulamento do fundo ou em assembléia de quotistas, respondendo em caso de má gestão, gestão temerária, conflito de interesses, descumprimento do regulamento do fundo ou de determinação da assembléia de quotistas.

Art. 9º. A alienação dos imóveis pertencentes ao patrimônio do fundo será efetivada diretamente pela instituição administradora, constituindo o instrumento de alienação documento hábil para cancelamento, perante o Cartório de Registro de Imóveis, das averbações pertinentes às restrições e destaque de que tratam os § 1º e 2º do art. 7º“.

Em relação aos fundos de investimento imobiliário (FIIs), não resta a menor dúvida: os ativos são registrados em nome da administradora fiduciária, em regime jurídico em tudo semelhante ao trust.

Como é sabido, configura-se o trust pela entrega de certos bens a uma pessoa, para que deles faça uso conforme determinado encargo que lhe tenha sido cometido, repousando esse conceito na confiança depositada naquele que recebe os bens” (Melhim Namem Chaloub, alienação Fiduciária, 6ª. Edição, Forense, p. 17). E arremata o autor: “aquele que entrega os bens e, por consequência, institui o trust, é denominado settlor (instituidor); o settlor transmite, efetivamente, a propriedade sobre os bens; aquele que recebe os bens, e assume a obrigação de administrá-los, denomina-se trustee (aquele em quem se confia); aquele em favor de quem o trust é constituído denomina-se cestui que trust (aquele que confia)”.

No caso concreto, não se trata de Fundo de Investimento Imobiliário (FII), com regras específicas emanada pela CVM, mas sim de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDIC). O crédito cedido, de titularidade do fundo, se encontra assegurado por direito real de garantia alienação fiduciária . O que se indaga é se a garantia real imobiliária deve ser registrada em nome do próprio Fundo ou em nome da administradora fiduciária.

A resposta é simples: diante da lacuna normativa, se admite que o registro seja feito tanto em nome no próprio Fundo como em nome da administradora fiduciária, nessa última hipótese com a ressalva de que se trata de patrimônio separado.

Passa-se à análise das duas possibilidades acima postas.

Admite-se o registro em nome da administradora fiduciária, que se aproxima da figura do trustee, acima referido. Em razão da omissão presente na legislação que trata especificamente sobre os FIDC, para a solução da controvérsia, necessário socorrer-se dos mecanismos de suprimento de lacunas elencados no artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 4°. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito“.

Dizendo de outro modo, diante de figuras jurídicas semelhantes dos FII e FIDC e tendo a Lei nº 8.668/93 tratado sobre a questão ora em análise, vê-se viável a aplicação, por analogia, dos dispositivos acima citados para que seja efetivado o registro do em nome da administradora fiduciária, observando-se rigorosamente o que dispõe a Lei n. 8.668/93 e a Instrução CVM n. 175/2022. Destaco que necessariamente deverá constar do registro que se trata de patrimônio separado, de titularidade do Fundo de Investimento (arts. 6º. e 7º. da Instrução CVM 157/2022.

Admite-se também, como segunda possibilidade, o registro direto da propriedade fiduciária em garantia em nome do próprio FIDC, apenas representado pela administradora. É verdade, como acima dito, que os Fundos de Investimento têm a natureza de condomínio especial e não constituem pessoas jurídicas, nem são titulares de personalidade jurídica geral de direito material.

Não é menos verdade, porém, que os tribunais e a doutrina em geral têm reconhecido a entes despersonalizados alguma personalidade, limitada às relações jurídicas de seu peculiar interesse. Isso porque existem diversas situações jurídicas que, para receber solução confortável, implicam o reconhecimento da personalidade jurídica do condomínio. Em decorrência disso na I Jornada de Direito Civil do CEJ do CJF, aprovou-se o enunciado de n. 90: “Admite- se a personalidade jurídica ao condomínio, desde que em atividade de seu peculiar interesse”. A posição equilibrada evita a exposição de riscos excessivos. Em reunião mais recente, a Jornada aprovou enunciado mais amplo (Enunciado n. 246): “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: ‘nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse’. Prevalece o texto: ‘Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício‘”. Embora os enunciados digam respeito ao condomínio edilício, a solução pode ser estendida aos condomínios especiais dos Fundos de Investimento.

O Superior Tribunal de Justiça, já na vigência da MP n. 881/2019, que levou à criação do art. 1.368-C do Código Civil, firmou precedente relevante sobre a personalidade jurídica dos Fundos em caso que tinha por objeto a responsabilidade civil dos administradores:

A despeito do desencontro de teses no âmbito doutrinário, para os fins que aqui interessam, importa reconhecer que: a) as normas aplicáveis aos fundos de investimento dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio; b) nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico; c) embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas; e d) não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações” (REsp n. 1.834.003/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 17.09.2019, destaque nosso).

Disso decorre que se pode admitir que a titularidade dos direitos creditórios constitui o patrimônio dos FIDICs. Não faria sentido admitir que a garantia real acessória a tais direitos creditórios, porém, devesse ser registrada em nome da administradora fiduciária.

Ressalte-se, ainda, que o direito real foi adquirido em garantia da atividade do FIDIC e que sua administradora fiduciária foi devidamente nomeada pelo regulamento (fls. 160/240), de modo que apta a representar o próprio fundo, ou, então, agir como verdadeira trustee, em nome pessoal com patrimônio em separado.

As duas possibilidades são viáveis e não se excluem.

Ao contrário. O entendimento ora adotado facilita o acesso ao registro imobiliário e consagra a prática do que já ocorre em inúmeras serventias. Basta ver que o recorrente juntou cópias de inúmeras matrículas nas quais a garantia da propriedade fiduciária foi feita em nome do próprio fundo, enquanto em outros casos foi feita em nome da administradora fiduciária, como patrimônio em separado.

Ressalto que caso se adote a opção de se efetuar o registro em nome da administradora fiduciária, com o escopo de eliminar eventual risco dos investidores do fundo, como alega a parte recorrente, deve ser anotado que essa propriedade, bem como seus frutos e investimentos, não se comunicam ao patrimônio da instituição administradora, sofrendo as restrições elencadas no artigo 7º, da Lei n. 8.668/93, o que deve constar no título aquisitivo e ser averbado no registro de imóveis, tal como determinam os parágrafos 1º e 2º do mesmo dispositivo. Em termos mais simples, se cria verdadeiro patrimônio separado de afetação em nome da administradora fiduciária.

Constata-se que a primeira exigência feita pelo Oficial, que se restringe à substituição do FIDC pela sua administradora, pode ser afastada.

A solução ora adotada faculta que o registro seja feito em nome do próprio FIDIC ou em nome da administradora fiduciária, a critério do interessado e de acordo com o título.

6. O título, porém, não comporta registro, em razão de um segundo óbice de natureza formal.

Existem contratos sucessivos de cessão de crédito, de modo que todos devem ser apresentados ao oficial para permitir que a qualificação faça o encadeamento de titularidades.

Embora a exigência formulada seja algo confusa, a participação da cedente BMP no segundo aditamento poderia ser suprida por simples apresentação do Contrato de Cessão de Crédito referido nas razões recursais (fls. 685/686), o que contornaria a necessidade de aditamento, permitindo a comprovação da sucessão da credora e da legitimidade da cessionária na condição de nova fiduciária.

Entretanto, considerando que o contrato de cessão não foi apresentado e não há anuência da credora original com o segundo aditamento, o registro não pode ser admitido.

7. Quanto à regularidade das assinaturas eletrônicas apostas nos títulos, verifica-se que, na nota de devolução da prenotação anterior, o Oficial, após citar textos de leis, normas e provimentos, formulou a seguinte exigência (fls. 270/274, destaques no original):

“2.1. Anoto que referido título fora recepcionado sob a forma eletrônica, no entanto não atende integralmente os requisitos mencionados. O instrumento particular de alienação fiduciária em garantia, a cédula de crédito bancário e seus respectivos aditamentos deverão ser encaminhados em formato nato digital com as assinaturas eletrônicas de seus subscritores. Ainda, os arquivos eletrônicos encaminhados pela plataforma da ONR deverão contar com a assinatura eletrônica do apresentante para sua perfeita identificação, considerando as funções do apresentante constante do artigo 198, §1º, III, e artigo 206, ambos da Lei 6.015/73″.

Porém, ao suscitar a dúvida, expôs a questão nos seguintes termos (fls. 05/06):

“Ainda, a Nota de Exigência e Devolução, acima transcrita, alertou sobre a necessidade de que, na remessa do título e demais documentos, fossem observados os dispositivos legais e normativos nela indicados, como por exemplo: (i) às assinaturas dos contratantes (qualificadas), bem como o padrão (PDF/A), tendo em vista que, naquela ocasião não foi possível confirmar as assinaturas dos subscritores, bem como foi identificado que nem todos os documentos encaminhados estavam em PDF/A”.

Em seguida informa que os documentos apresentados não atendem integralmente o padrão exigido pelo Código Nacional de Normas e passa a explicar a análise feita pela equipe de TI da serventia, concluindo que a alteração da extensão de alguns arquivos ocasionou erro no sistema e impediu a validação das assinaturas.

Neste ponto, mais uma vez, a nota de devolução não foi clara nem objetiva. Ainda que tenha citado, dentre vários dispositivos legais e normativos, o item 366, Cap. XX, das NSCGJ, e o artigo 324, §1º, I, do Provimento CNJ n. 149/2023, que falam da geração de documentos eletrônicos em PDF/A, a ênfase da exigência formulada se concentrou apenas nas assinaturas eletrônicas.

No entanto, conforme esclarecido na suscitação da dúvida, o problema não é propriamente a falta de assinatura qualificada nos documentos eletrônicos, mas a verificação dos seus atributos, que foram corrompidos pela modificação do documento após sua assinatura.

Como bem apontado pela Corregedora Permanente, a forma dos títulos é indispensável para sua admissão perante o Registro de Imóveis a fim de garantir validade, legalidade e segurança jurídica aos atos praticados.

O Provimento CNJ nº 149/2023, vigente à época da prenotação, dispõe sobre a recepção de títulos encaminhados pela via eletrônica aos Registros de Imóveis nos seguintes termos:

Art. 324. Todos os oficiais dos Registros de Imóveis deverão recepcionar os títulos nato-digitais e digitalizados com padrões técnicos, que forem encaminhados eletronicamente para a unidade a seu cargo, por meio das centrais de serviços eletrônicos compartilhados ou do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), e processá-los para os fins do art. 182 e §§ da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

§1º. Considera-se um título nativamente digital:

I- o documento público ou particular gerado eletronicamente em PDF/A e assinado com Certificado Digital ICP-Brasil por todos os signatários e testemunhas:

II- a certidão ou traslado notarial gerado eletronicamente em PDF/A ou XML e assinado por tabelião de notas, seu substituto ou preposto;

III- o resumo de instrumento particular com força de escritura pública, celebrado por agentes financeiros autorizados a funcionar no âmbito do SFH/SFI, pelo Banco Central do Brasil, referido no art. 61, “caput” e parágrafo 4º da Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1.964, assinado pelo representante legal do agente financeiro;

IV- as cédulas de crédito emitidas sob a forma escritural, na forma dalei;

V- o documento desmaterializado por qualquer notário ou registrador, gerado em PDF/A e assinado por ele, seus substitutos ou prepostos com Certificado Digital ICP-Brasil.

VI- as cartas de sentença das decisões judiciais, dentre as quais, os formais de partilha, as cartas de adjudicação e de arrematação, os mandados de registro, de averbação e de retificação, mediante acesso direto do oficial do Registro de Imóveis ao processo judicial eletrônico, mediante requerimento dointeressado.

§ 2º Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020“.

Note-se que, atualmente, a exigência do formato PDF/A permanece praticamente inalterada, pois o regramento foi apenas deslocado para o artigo 208 do Código Nacional de Normas, alterado pelo mesmo provimento que revogou o artigo 324 do CNN (Provimento CNJ 180/2024), com poucas alterações.

Os requisitos aplicáveis em cada caso, portanto, dependerão do enquadramento do título encaminhado como nato-digital ou digitalizado.

Apesar de ser possível verificar a certificação digital no padrão ICP-Brasil pelo sistema iti.gov.br dos documentos nato-digitais apresentados, imprescindível o envio dos arquivos digitalizados (fls. 245/248 e 420/579), em conformidade com os requisitos estabelecidos pelo artigo 5º do Decreto nº 10.278/2020:

Art. 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:

I- ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;

II- seguir os padrões técnicos mínimos previstos no Anexo I; e III – conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II”.

III- Caso não seja possível atender aos requisitos legais acima expostos, deverão ser encaminhadas versões físicas que também atendam às exigências normativas.

No caso concreto, nota-se que, ao serem convertidos, os documentos nato-digitais tiveram seus atributos corrompidos e impediram a verificação da integridade das assinaturas.

Para que seja garantida a comprovação da validade das assinaturas, é requisito legal o envio em formato PDF/A, com assinatura e certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira ICP- Brasil, nos termos do item 366, Cap. XX, das NSCGJ:

366. Os documentos eletrônicos apresentados aos serviços de registro de imóveis deverão atender aos requisitos da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e à arquitetura e-PING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico) e serão gerados, preferencialmente, no padrão XML (Extensible Markup Language), padrão primário de intercâmbio de dados com usuários públicos ou privados e PDF/A (Portable Document Format/Archive), ou outros padrões atuais compatíveis com a Central de Registro de Imóveis e autorizados pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”.

Não se trata de ignorar o princípio da eficiência, como sustenta a parte recorrente. No caso, a liberdade de atuação é mitigada em busca de padronização segura do serviço eletrônico, por meio da qual seja possível garantir a integridade dos dados arquivados pelo Registro de Imóveis.

Por razões técnicas, o sistema nacional ainda não comporta documentos em formatos diversos.

Porém, a conversão para o formato adequado deve preceder o lançamento das assinaturas, uma vez que não se pode admitir alteração posterior. Identificada alteração, mesmo que se trate de simples conversão de formato, a validação da assinatura fica prejudicada, pois não é possível assegurar que a alteração não tenha afetado o conteúdo do documento ou a autenticidade das assinaturas. A integridade do documento eletrônico assinado é a garantia da segurança que se espera dos Registros Públicos.

Fácil perceber, assim, que o título, na forma em que apresentado, não atende aos requisitos normativos e, por isso mesmo, não pode ter ingresso.

No que concerne ao óbice apontado pelo Oficial somente nas razões da suscitação de dúvida, referente à necessidade de aditamento do primeiro aditamento ao instrumento de alienação fiduciária, a fim de constar a correta representação da pessoa jurídica fiduciante ou, alternativamente, de se apresentar instrumento de procuração válido à época da assinatura do instrumento, em que pese a alegação da parte apelante de que já teria sanado tal empecilho, não se encontra nos autos documento hábil a provar efetiva superação, o que torna a exigência ainda cabível.

De fato, conforme se verifica da 2ª alteração ao Contrato Social da devedora fiduciante Vilares Empreendimentos e Participações Ltda, datada de 31 de julho e registrada na JUCESP em 03 de agosto de 2023, o sócio Leonardo Azevedo Vilares retirou-se da sociedade, ingressando Sérgio Faia Vilares como único sócio (fls. 472/487).

Nesse contexto, está correta a assinatura lançada por Leonardo no dia 16 de junho de 2023, representando a fiduciante Vilares no Instrumento Particular de Alienação Fiduciária (fls. 308/405).

Entretanto, Leonardo não ostentava mais a posição de sócio da fiduciante Vilares quando assinou o 1º Aditamento ao Instrumento Particular de Alienação Fiduciária no dia 02 de fevereiro de 2024, no qual não há assinatura do sócio Sérgio (fls. 406/410). E dentre as procurações apresentadas com o requerimento (fls. 146/151, 245/248 e 550/553), nenhuma delas se refere à outorga de poderes para regularizar a representação da fiduciante naquele instrumento, de modo que a exigência foi correta.

Por fim, e à vista da qualificação deficiente dos títulos apresentados, com exigências imprecisas ou formuladas apenas na oportunidade de suscitação da dúvida, necessária ratificação da advertência feita ao Oficial sobre o seu dever de qualificar exaustivamente os títulos apresentados, apontando em um único ato, de forma clara e objetiva, todas as exigências a serem satisfeitas.

Importante ressaltar, também, que a dúvida deve ser encaminhada a juízo com todos os documentos necessários à sua análise (artigo 198 da Lei de Registros Públicos), notadamente a nota devolutiva, a qual não foi produzida nos autos, de modo que cabível mais esta advertência.

8.Em resumo, se afasta uma das exigências formuladas pelo oficial, qual seja, a de que o registro da garantia de propriedade fiduciária seja feito em nome daadministradora.

Como acima exposto, o registro pode ser feito em nome do próprio FIDIC ou da administradora fiduciária, a critério do interessado.

Persistem, porém, os demais óbices de natureza formal, o que impede o ingresso do título no registro imobiliário.

Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso de apelação, observando que: a) exigências devem ser formuladas de uma só vez, de forma clara e objetiva, após análise exaustiva do título (item 38, Capítulo XX, das NSCGJ, tomo II); b) a dúvida deve ser encaminhada a juízo com todos os documentos necessários ao seu julgamento, notadamente a nota devolutiva (artigo 198 da Lei de Registros Públicos).

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 20.05.2025 – SP)