CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Ingresso no fólio real obstado por violação ao princípio da continuidade – Carta de sentença que determina a transferência da propriedade por quem não é titular de domínio, apenas compromissário comprador – Dever do oficial de fiscalizar o recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício – Apelação a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006371-36.2021.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que é apelante CRISLAINE APARECIDA LIMA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTROS DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PIRACICABA.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 23 de agosto de 2023.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1006371-36.2021.8.26.0451
APELANTE: Crislaine Aparecida Lima
APELADO: 2º Oficial de Registros de Imóveis e Anexos da Comarca de Piracicaba
VOTO Nº 39.075
Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Ingresso no fólio real obstado por violação ao princípio da continuidade – Carta de sentença que determina a transferência da propriedade por quem não é titular de domínio, apenas compromissário comprador – Dever do oficial de fiscalizar o recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício – Apelação a que se nega provimento.
Cuida-se de recurso de Apelação interposto por Crislaine Aparecida Lima em face da r. sentença de fls. 131/132 de lavra do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Piracicaba, que julgou procedente a dúvida suscitada, negando o acesso ao registro imobiliário da carta de sentença extraída da ação de adjudicação compulsória, autos nº 1014202-09.2019.8.26.0451, oriundo da 4ª Vara Cível da mesma Comarca, que tem por objeto o imóvel de matrícula nº 91.618.
O título judicial foi devolvido, com prenotação, sendo apontado dois óbices (fls. 77/78): (i) os transmitentes do imóvel ou do direito não figuram como seus titulares no registro imobiliário; (ii) necessário apresentar comprovante do recolhimento do imposto de transmissão (ITBI).
Em suas razões a apelante sustenta, em suma, que a “lacuna” noticiada pelo Sr. Oficial de Registro Imobiliário pode ser suprida pela consulta aos documentos da adjudicação compulsória e que goza da gratuidade de justiça, pelo que está desobrigada do pagamento do ITBI.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 162/164).
É o relatório.
Trata-se de registro de carta de sentença expedida pela 4ª Vara Cível da Comarca de Piracicaba, autos do processo nº 1014202-09.2019.8.26.0451, cujo objeto é a transferência da propriedade do imóvel matriculado sob o nº 91.618 no 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da mesma Comarca.
O título foi expedido nos autos da ação de adjudicação compulsória ajuizada por Crislaine Aparecida Lima contra Marco Antonio Galli e Miriam Domingues Galli, culminando com a prolação da sentença para adjudicar o imóvel à autora.
O registro foi obstado, primeiramente, por ofensa ao princípio da continuidade porque os réus na ação de adjudicação compulsória não figuram como titulares do direito de propriedade, não podendo, por isso, transmiti-lo à ora recorrente.
Na eventualidade de existir algum título aquisitivo pendente de registro, o Oficial aduziu ser necessária a sua inscrição, para que posteriormente se viabilizasse o registro da carta de adjudicação, à luz dos artigos 195 e 237 da Lei de Registros Públicos e do item 47 do Capítulo XX das NSCGJ.
Suscitada, a dúvida foi julgada procedente nos termos da r. sentença de fls. 131/132, da qual se recorre.
Não se ignora que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme disposto no item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Está pacificado, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).
A redação do item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, por seu turno, é expressa acerca do dever do Oficial do Registro de Imóveis de qualificar negativamente o título que não preencha os requisitos legais, in verbis:
“117. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.
Fixadas, pois, estas premissas, as razões recursais não merecem guarida.
Da certidão de matrícula constam Paulo Vizioli e sua mulher Leonilce Apparecida Tavares Vizioli como proprietários do imóvel (fls. 79).
O título cujo registro se pretende consiste na carta de sentença extraída de processo judicial ajuizada pela recorrente em face de Marco Antonio Galli e Miriam Domingues Galli, que, na condição de compromissários compradores do imóvel, cederam os direitos sobre referido bem a ora recorrente.
A ação de adjudicação compulsória não foi movida contra os proprietários tabulares, como seria de rigor.
Para o ingresso do título no fólio real, em obediência ao princípio da continuidade, os proprietários tabulares deveriam ter figurado no polo passivo da ação de adjudicação compulsória. O título também teria ingresso no fólio real se, precedentemente, os compromissários compradores apresentassem o título pelo qual adquiriram o bem.
Por força do princípio da continuidade, qualquer título de transmissão do imóvel só pode ter ingresso e dar causa a um registro stricto sensu se nele constarem, como afetados, referidos titulares de domínio.
Entrementes, não é isso que sucede no caso em comento.
Daí a razão da exigência formulada para que, precedentemente ao registro da carta de sentença, fosse efetuado o registro de eventual título aquisitivo pendente de registro.
Frise-se que, pelo princípio do trato consecutivo (ou da continuidade), como regra geral, só se admite a inscrição (registro stricto sensu ou averbação Lei nº 6.015/73, artigo 167, I e II) “daqueles actos de disposição em que o disponente coincide com o titular do direito segundo o registro” (Carlos Ferreira de Almeida, apud Ricardo Dip, Registro sobre Registros, nº 208).
É o que diz a Lei nº 6015/73:
“Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará o registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
Nas palavras de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 304):
“O princípio de continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente”.
No mais, a sugerida consulta dos documentos apresentados nos autos da ação de adjudicação compulsória não supre a ausência de inclusão dos proprietários tabulares no polo passivo da demanda.
Cabe notar, ainda, que, para o ingresso do título no registro imobiliário, observado que o Registrador tem o dever de fiscalizar o recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei nº 6015/73), é imprescindível a comprovação do pagamento do imposto devido ITBI ou de sua não-incidência ou isenção, quer se trate da transmissão do domínio, quer se trate de cessão de direito do promitente comprador, na forma do direito local.
A gratuidade concedida à recorrente embora dispense do recolhimento dos emolumentos, não tem o condão de afastar a obrigação de pagamento do tributo relativo à venda e compra, à evidência.
Nesse cenário, justifica-se a confirmação do juízo negativo de qualificação.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 23.10.2023 – SP)