CGJ|SP: Atividade Notarial – Escritura pública de declarações – Formalização da vontade das partes – Tabeliã que se limitou a consigná-la – Responsabilidade exclusiva dos declarantes por aquilo que declararam – Inteligência do art. 6º, I, da Lei nº 8.935/94 – Representação arquivada – Recurso não provido.

Parecer 231/2008-E – Processo CG 2008/66515

Data inclusão: 14/11/2008

(231/2008-E)

ATIVIDADE NOTARIAL – Escritura pública de declarações – Formalização da vontade das partes – Tabeliã que se limitou a consigná-la – Responsabilidade exclusiva dos declarantes por aquilo que declararam – Inteligência do art. 6º, I, da Lei nº 8.935/94 – Representação arquivada – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça

Cuida-se de recurso interposto pelo Advogado Cládis Sanches Lopes contra decisão da MM. Juíza Corregedora Permanente da Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabeliã de Notas e de Protesto de Letras e Títulos da Comarca de Votorantim, pela qual foi determinado o arquivamento de sua representação contra a referida notária.

Ao representar, o ora recorrente sustentou que a tabeliã praticou irregularidade ao lavrar “escritura declaratória” da qual constaram declarações de pessoas que perante ela compareceram, qualificadas no instrumento, e afirmaram haverem presenciado que ele acusou terceiro, ali identificado, de ser “bandido e mentiroso”. Destacou o autor da representação que lhe foi imputada a prática de um delito e que “não devia a representada formalizar a vontade dos declarantes, pois não é “Delegada de Polícia” e estes “deveriam ter formulado/declarado o seu pedido à autoridade competente”. Em seu entender, a “representada adentrou, quando permitiu a lavratura e assinou essa Escritura, não se sabe a que título, ao campo de autoridade legal específica, apta a apurar a eventual prática de delitos, quando, então, ao pretenso autor seria dado o amplo direito de explicação e defesa, até o ulterior processo judicial competente, se fosse o caso”. Postulou que a notária prestasse informações sobre sua atuação e que fosse punida nos termos dos artigos 31 e 32 da Lei nº 8.935/94 (fls. 02/05).

A representada apresentou esclarecimentos (fls. 10/15).

A decisão recorrida determinou o arquivamento, por se entender que a tabeliã agiu regularmente, nos termos do art. 6º, I, do referido diploma legal (fls. 19/20).

Segundo afirmado nas razões de recurso, prestados pela notária os esclarecimentos, “entende o requerente que deveria, processualmente, manifestar-se sobre eles, em fase, portanto, de réplica”. Postula provimento, para revogação da decisão, a fim de que, então, se manifeste sobre as explicações da representada. Expõe sua irresignação por não haver se consumado “a tutela jurisdicional pleiteada” (fls. 24/25).

Relatei.

Passo a opinar.

Imperioso lembrar que o presente procedimento é de cunho administrativo-correcional e não de natureza jurisdicional. Portanto, não cabe cogitar, aqui, de “tutela jurisdicional”, nem de “fase de réplica”.

Deveras, não se trata de processo judicial em sentido próprio, sendo certo que as informações prestadas pela representada se destinam, especificamente, à autoridade administrativa com competência para a aplicação de eventuais medidas disciplinares. No caso, a douta Corregedora Permanente.

Não era, destarte, hipótese de se instaurar debate nos autos, com réplica. Tanto assim, que, à luz de posição sumulada e precedentes conclusivos deste órgão correcional superior, nem mesmo a discussão em sede recursal merece guarida, “a teor da Súmula 03 desta Corregedoria Geral, pois o interesse do particular se esgota ao formular a representação. Eventual punição disciplinar ou não é matéria que somente à Administração importa”. Eis o que já ficou decidido no Proc. CG nº 1330/96, da Comarca de São Paulo (com igual postura, v.g., no Proc. CG nº 1.587, da Comarca de Campinas), consignando-se que se cuida de orientação consolidada.

De qualquer modo, está evidenciado que agiu com acerto a douta magistrada a quo. Sua decisão está corretamente fundamentada, conforme se pode constatar: “Considerando que o ato foi lavrado como escritura declaratória, por meio da qual a vontade das partes é registrada (art. 6º, inciso I, da Lei nº 8.935/94), sem qualquer opinião ou participação da Tabeliã, não vislumbro erro a ser sanado e muito menos falta a ser apurada, pelo que determino o arquivamento destes autos, com as cautelas de praxe” (fls. 19/19vº). Grifado no original.

Com efeito, ao comentar tal dispositivo legal, Walter Ceneviva preleciona: “A vontade das partes corresponde a declarações cuja validade pode depender, ou não, da forma de sua manifestação. Cabe ao notário distinguir se a forma é essencial e, nesse caso, observá-la com rigor. Em não o sendo, age com empenho e lealdade, de modo que a verdadeira intenção do declarante seja retratada no instrumento público” (Lei dos Notários e Registradores Comentada, 6ª edição, Saraiva, São Paulo, 2007, pág. 47).

No presente caso concreto, pois, a tabeliã se limitou a reproduzir, na escritura, aquilo que foi afirmado pelos declarantes, tendo constado expressamente que estes “assumem todas as declarações acima citadas, responsabilizando-se civil e criminalmente pelas mesmas” (fls. 06).

De se entender, portanto, que a representada agiu nos limites de suas atribuições, mesmo porque, em sede notarial, vigora o chamado princípio rogatório, segundo o qual a prestação do serviço decorre de pedido do(s) interessado(s). Ou seja, se a escritura foi lavrada, o foi por vontade dos declarantes, que compareceram, para tanto, perante a tabeliã.

Explica, ademais, Leonardo Brandelli: “Se o notário somente pode agir havendo requerimento da parte para tanto, uma vez que haja o requerimento não pode ele negar-se a agir; está obrigado a prestar a função notarial, que é pública” (Teoria Geral do Direito Notarial, 2ª edição, Saraiva, 2007, São Paulo, pág. 136).

De acordo com o aludido autor, “não há tipicidade nas possibilidades de escrituras. Há tantas escrituras possíveis quantas forem as possibilidades da vontade das partes em matéria de atos jurídicos… Qualquer ato jurídico (seja um ato jurídico stricto sensu, seja um negócio jurídico) pode ser instrumentalizado por escritura pública se assim desejarem as partes” (ob. cit., págs. 273/274).

Walter Ceneviva cita, “por exemplo”, “a escritura de comparecimento, em que a parte afirma, sem contraditório, apresentar-se ao serviço notarial, dizendo estar cumprindo tal ou qual atividade, para preservar direito próprio ou de terceiro” (ob. cit., pág. 56).

Por outro lado, na hipótese concreta ora em análise, discordando o recorrente do afirmado externadas pelos declarantes (que agiram por vontade e responsabilidade deles), nada o inibirá de se defender das imputações e de contestá-las pelas vias próprias, fazendo valer, no âmbito jurisdicional, os direitos que tiver.

Cumpre manter, assim, a r. decisão recorrida.

Diante do exposto, é no sentido de que seja negado provimento ao recurso o parecer que, mui respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência.

Sub censura.

São Paulo, 31 de julho de 2008.

(a) JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO

Juiz Auxiliar da Corregedoria

Decisão: Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto. Publique-se. São Paulo, 11 de agosto de 2008.

(a) RUY CAMILO – Corregedor Geral da Justiça