2ª VRP|SP: Tabelionato de Notas – Escritura Pública de Compra e Venda – Procuração particular recusada pelo Tabelião – Mandantes estrangeiros – País filiado à União Internacional do Notariado (UINL) – Necessidade de procuração pública, sob pena de invalidade do ato praticado – Recusa acertada.

Processo 1031413-39.2022.8.26.0100

Pedido de Providências

Tabelionato de Notas

T.N. – J.E.S.L. e outros

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Marcelo Benacchio

Vistos,

Trata-se de pedido de providências formulado pelo Senhor 13º Tabelião de Notas desta Capital, diante da impugnação ofertada pelo Senhor J. E. S. L. contra a recusa pelo Delegatário na lavratura de Escritura Pública de Compra e Venda com fulcro em Procuração Particular, realizada na Suíça e cujas assinaturas foram reconhecidas por notário daquele país.

Os autos foram instruídos com os documentos de fls. 03/09.

O Senhor Interessado apresentou manifestação, reafirmando seus motivos contra a recusa aventada pelo Senhor Tabelião (fls. 20/45).

O Ministério Público ofertou parecer pela manutenção do óbice e arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço por parte da serventia correicionada (fls. 15/16 e 51).

É o breve relatório. Decido.

Cuida-se de expediente encaminhado pelo Senhor 13º Tabelião de Notas desta Capital. O Senhor Interessado insurge-se contra a recusa pelo Senhor Tabelião na lavratura de Escritura Pública de Compra e Venda com fulcro em Procuração Particular realizada na Suíça e cujas assinaturas foram reconhecidas por notário daquele país.

Na mesma senda, refere o d. Advogado que os mandantes são estrangeiros, de modo que não se pode lavrar o ato requerido junto do Consulado brasileiro. Ainda, aponta o Senhor Interessado que a doutrina é aberta quanto à definição de instrumento público e se direciona pela aceitação de Procurações Particulares ante a impossibilidade de se realizar o ato por instrumento público no local estrangeiro em que se encontram os outorgantes.

Finalmente, o Senhor Representante afirma que o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes no bojo do Mandato, feita por notária suíça, reveste o instrumento das formalidades necessárias para a instrução da Escritura Pública.

A seu turno, o Senhor Titular veio aos autos para esclarecer que a normativa legal que recobre a matéria lavratura de Escritura Pública impede a aceitação da Procuração Particular, especialmente porque a Suíça possui sistema de notariado latino, donde é plenamente possível a lavratura de Escritura Pública de Procuração.

Nesse sentido, referiu que a citada procuração, a despeito do indicado pela parte, não se cuida de instrumento público, revestido das solenidades normativas, mas sim de instrumento particular sobre o qual as assinaturas tiveram reconhecimento, conforme consta expressamente do ato.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice, na compreensão de que os requisitos para a lavratura da pretendida Escritura Pública não foram preenchidos.

Pois bem. Pese embora compreensível a insurgência apresentada pelo Representante, verifico que assiste razão ao Senhor Tabelião de Notas. Explico.

O Artigo 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro consagra a regra locus regit actum, aplicando-se à obrigação as leis do local na qual ela foi constituída. No entanto, o parágrafo primeiro do referido artigo traz clara exceção à norma geral. Assim, o §1º indica que, destinado o ato estrangeiro a produzir efeitos em território nacional (o que é o caso da referida procuração), e sendo esses efeitos dependentes de forma estabelecida por lei nacional (Escritura Pública, conforme artigo 108 do Código Civil), esta deve ser observada, admitindo-se eventuais peculiaridades da lei estrangeira quanto a requisitos extrínsecos do ato.

Combinando-se o anterior item à intelecção do artigo 657, do mesmo diploma legal, que refere que a “outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado (…)”, depreende-se, então, a obrigatoriedade da representação por meio de Procuração Pública para a lavratura da Escritura Pública pretendida pelas partes interessadas.

Com efeito, é a procuração pública o instrumento hábil a produzir os corretos, seguros e desejados efeitos no tocante à representação para a lavratura do neque as partes desejam pactuar.

Assim, os outorgantes não podem conferir poderes à outrem para o negócio jurídico pretendido por meio de procuração particular, sob pena de invalidade do ato praticado e, portanto, acertada a recusa levantada pela serventia extrajudicial.

Ademais, a insurgência de que o mandato não pode ser lavrado nos moldes que atendem às normas nacionais não pode prosperar, uma vez que assiste razão ao Senhor Tabelião quanto ao fato da Suíça seguir o rito latino do notariado (https://www.uinl.org/member-notariatscountry-map e https://snv-fsn.ch/).

Ainda, noutro turno, sabidamente, é função precípua do Tabelião garantir a plena mediação entre as partes e conferência de segurança jurídica a negócios realizados. Não diferente é o disposto nas Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XVI, acerca da atividade notarial:

1. O Tabelião de Notas, profissional do direito dotado de fé pública, exercerá a atividade notarial que lhe foi delegada com a finalidade de garantir a eficácia da lei, a segurança jurídica e a prevenção de litígios.

1.1. Na atividade dirigida à consecução do ato notarial, atua na condição de assessor jurídico das partes, orientado pelos princípios e regras de direito, pela prudência e pelo acautelamento.

Nesse sentido, igualmente acertada a recusa à Procuração Particular, que macularia o ato com grave vício de formação.

No mais, cabe deduzir que, acaso a procuração estrangeira, tal qual efetuada, se revista de caráter de ato público, o Senhor Representante, que invoca tal eficiência, é o responsável por lhe dar comprovação, por analogia ao artigo 14, da LINDB, o que não foi feito.

Por conseguinte, acolho o óbice imposto pelo Senhor Tabelião e indefiro a impugnação apresentada pelo Senhor Interessado, devendo as partes providenciarem o quanto necessário à satisfação dos requisitos autorizadores da prática do ato notarial.

No mais, reputo satisfatórias as explicações ofertadas pelo Senhor Tabelião, que fundamentou suficientemente a recusa, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar.

Oportunamente, arquivem-se os autos. Ciência ao Senhor Titular e ao Ministério Público.

P.I.C.

(DJe de 13.05.2022 – SP)