1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Divórcio judicial – Excesso de meação – Cláusula indenizatória – Reposição onerosa mediante pagamento parcelado realizado após o divórcio, o que caracteriza o fato gerador do ITBI – Dúvida procedente.

SENTENÇA 

Processo Digital nº: 1008323-02.2022.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 13º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: Sonia Regina Goussain Ferreira

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Sonia Regina Goussain Ferreira após negativa de registro de formal de partilha extraído da ação de divórcio de autos n.0003158-34.2013.8.26.0220, que teve por objeto os bens do casal Sônia Regina Ferreira e Francisco Roberto Monteiro, incluindo a parte ideal de um quarto (1/4) da nua propriedade do imóvel da matrícula n.38.142 daquela serventia.

Informa o Oficial que, no exercício de sua função, exigiu a demonstração do recolhimento do ITCMD sobre o excesso de meação, mas a parte apresentante não se conformou, requerendo a suscitação de dúvida sob alegação de que a meação do ex-cônjuge foi indenizada mediante pagamento de R$600.000,00, o que descaracteriza a gratuidade, a doação e o excesso de meação.

O Oficial sustenta que a obrigação pecuniária constituída no acordo tem natureza indenizatória e não de contraprestação ao excesso de meação, da qual o divorciando expressamente abriu mão, pelo que concluiu pela ocorrência de liberalidade pura ou com encargo (artigos 538 e 553 do CC), o que enseja hipótese de incidência do ITCMD. Destaca, ainda, que, caso se entenda pela existência de contraprestação, ainda assim haverá incidência tributária, na forma do ITBI. Apresentou documentos às fls.05/463.

A parte suscitada formulou impugnação às fls.464/467, alegando a utilização equivocada do termo “indenizada”, quando deveria constar no acordo a palavra “contraprestação”, correspondente ao preço da fração ideal da nua propriedade dos imóveis, o que afasta a incidência do ITCMD. Aduz, ainda, a ocorrência da decadência do direito de exigir tributo ante o lapso superior a cinco anos.

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls.471/474).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é procedente. Vejamos os motivos.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7).

Neste sentido, também a Ap. Cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao oficial qualificá-los conforme as normas e os princípios que regem a atividade registral.

Como se verifica do termo de audiência copiado às fls.433/438, o acordo do divórcio foi homologado tratando a partilha dos imóveis nos seguintes termos:

“b) Quanto aos bens imóveis adquiridos na constância do casamento, o requerido/divorciando abre mão da partilha, mediante pagamento pela autora, a título de indenização, do valor de R$600.000,00 (seiscentos mil reais), já compensada a indenização por dano moral sofrido pela autora, a serem pagos em 20 (vinte) parcelas de R$30.000,00 (trinta mil reais) (…).

c) A autora se compromete a apresentar o rol dos bens imóveis que foram adquiridos por ela na constância do casamento no prazo de trinta dias, para a imediata expedição do formal de partilha, no sentido de que todos eles passarão a pertencer exclusivamente a ela, independentemente da prévia quitação das parcelas acordadas no item anterior”.

Constata-se, portanto, que a indenização de R$600.000,00 não se confunde com aquela relativa ao dano moral mencionado, mas guarda relação com a partilha dos imóveis, cujo formal seria imediatamente expedido, independentemente da quitação das parcelas. Neste ponto, fica demonstrado o vínculo entre o pagamento e a meação, o que permite que se conclua pela natureza de contraprestação de tal pagamento, como defende a parte suscitada.

Ao acordarem em atribuir a integralidade dos bens comuns para um dos cônjuges, a desproporção entre as meações caracterizou excesso, que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa.

Essa reposição onerosa é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.

Note-se que se, na divisão, um dos cônjuges adquire onerosamente a meação do outro sobre determinado imóvel, configura-se o fato gerador do ITBI, que é a transmissão inter vivos a qualquer título por ato oneroso de bem imóvel. Se não houver compensação financeira, considera-se doada essa parte desproporcional, pelo que incide ITCMD.

No caso concreto, houve reposição onerosa mediante pagamento parcelado realizado após o divórcio, o que caracteriza o fato gerador do ITBI.

Para os registradores, como se sabe, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (art. 289 da Lei n. 6.015/73; art.134, VI, do CTN e art. 30, XI, da Lei 8.935/1994).

Correta, portanto, a fiscalização realizada no caso.

Vale observar, ainda, que, em havendo previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação ou pela existência de qualquer causa extintiva do crédito tributário.

Neste sentido decidiu o E. Conselho Superior da Magistratura na Apelação nº 0019186-49.2013.8.26.0100, de relatoria do Exmo. Des. Elliot Akel (destaque nosso):

“Registro de imóveis – Dúvida – Registro de carta de adjudicação – Ausência de recolhimento de imposto ITBI que é devido pela cessão e pela adjudicação – Impossibilidade de reconhecimento de decadência ou prescrição pela via administrativa – Impedimento do registro mantido – Recurso Desprovido”.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo Oficial do 13º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Sonia Regina Goussain Ferreira, mantendo o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 22 de março de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juiz de Direito

(DJe de 24.03.2022 – SP)