1ª VRP|SP: Pedido de Providências – Registro de Imóveis – Certidão de matricula para instrução de ação de usucapião – Pedido de isenção – Impossibilidade – Isenção somente pode ser veiculada por lei específica ou mediante ordem do juízo da ação.

Processo Digital nº: 1135463-53.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Pedido de Providências – Petição intermediária

Requerente: Denilza Vasconcelos Pereira Félix,

Requerido: 18º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Vistos.

Trata-se de pedido de providências formulado por Denilza Vasconcelos Pereira Félix em face do Oficial do 18º Registro de Imóveis da Capital, pretendendo expedição de certidão do imóvel matriculado sob n. 89.705 daquela serventia sem recolhimento de custas, em razão de impossibilidade financeira e da necessidade do documento para promover ação de usucapião. Juntou documentos às fls. 06/11.

O Registrador, por sua vez, manifestou-se às fls. 18/21, esclarecendo que, segundo o artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, eventual isenção de emolumentos notariais e registrais somente pode ser estabelecida por lei específica, sendo que, de acordo com a jurisprudência, a expedição sem custos apenas é possível mediante ordem judicial. A certidão, ainda, assim, foi disponibilizada (fls. 22/27).

Documentos vieram às fls. 22/27.

O Ministério Público opinou pela improcedência (fls. 31/32).

É o relatório.

Fundamento e decido.

No mérito, o pedido é improcedente. Vejamos os motivos.

Os serviços prestados pelas serventias extrajudiciais são remunerados pelos usuários por meio do pagamento de emolumentos, cuja individualização e cobrança, na forma do previsto pelo artigo 236, § 2º, da Constituição da República, foram reguladas pela Lei n. 10.169/2000.

A melhor doutrina ensina que os emolumentos notariais e registrais possuem natureza jurídica de taxa (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal):

“(…) perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada emolumentos, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa…” (Carvalho, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05.06.2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG).

Outro não é o entendimento jurisprudencial a respeito:

“Direito constitucional e tributário. Custas e emolumentos: Serventias Judiciais e Extrajudiciais. Ação direta de inconstitucionalidade da Resolução nº 7, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: Ato Normativo. (…) 4. O art.145 admite a cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, se serviço público, ainda qu prestado em caráter particular (art.236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução do Tribunal de Justiça e não de Lei formal, como o exigido pela Constituição Federal…” (ADI 1444 PR, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgamento em 12/02/2003, D.J. 11/04/2003).

Diante de tal natureza jurídica, certo é que eventual isenção somente poderá ser veiculada por lei específica, conforme dispõe expressamente o artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, o que não existe para o caso concreto.

Verifica-se, ademais, que não se comprovou a existência de decisão judicial específica determinando a gratuidade do ato.

A Lei Estadual n. 11.331/02, ao tratar sobre a gratuidade de emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro, trouxe limitação neste sentido:

“Art. 9º. São gratuitos:

I os atos previstos em lei;

II – os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo” (grifo nosso).

Neste contexto, plenamente justificada a exigência feita pelo Oficial para expedição do documento (fl. 08).

Note-se que, por ser a certidão da matrícula indispensável para instrução da ação que a parte, hipossuficiente economicamente (fls. 06/07), deseja promover (usucapião), o caminho correto estava em sua propositura, com requerimento, ao juízo competente, de gratuidade processual.

A E. Corregedoria Geral da Justiça, por sinal, já esclareceu que o benefício da assistência judiciária gratuita abrange os emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais, bastando expressa menção no mandado ou título judicial:

“EMOLUMENTOS – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – BENEFÍCIO QUE ABRANGE AS CUSTAS E EMOLUMENTOS COBRADOS PELAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS – SUFICIÊNCIA DA EXPRESSA MENÇÃO, NO MANDADO OU NO TÍTULO JUDICIAL, DE QUE A PARTE É BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA – PRECDENTES – RECURSO PROVIDO” (CG 2013/134728, Parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Dr. Gustavo Henrique Bretas Marzagão, aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini).

Confira-se, no corpo do v. acórdão, a solução apontada acima:

“… o Oficial agiu corretamente, nos estritos termos da lei, e, se a certidão é indispensável para instruir a ação de usucapião e não há condição de pagar os emolumentos devidos ao registrador, o recorrente deverá requerer ao juiz da ação de usucapião que oficie ao registrador para tal finalidade”.

Vale observar que, ainda assim e por mera liberalidade, o Oficial apresentou a certidão requerida com o devido recolhimento de custas e emolumentos (fls. 22/27), o que confirma a correção de sua atuação e a intenção de colaborar, o que merece reconhecimento.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, determinando que se dê ciência à parte interessada sobre a disponibilização da certidão pelo Oficial (fls. 22/27).

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de janeiro de 2022.

Luciana Carone Nucci Eugênio Mahuad

Juíza de Direito

(DJe de 21.01.2022 – SP)