1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Pedido de reconhecimento dúplice, nua propriedade e usufruto – Causas distintas para o reconhecimento, enquanto a nua decorre do ânimo de dono de proprietário, o usufruto decorre da constituição a non domino (por quem não é proprietário) – Impossibilidade de reconhecimento por causas distintas – Necessidade de adequação do pedido – Dúvida procedente.

Processo 1036238-31.2019.8.26.0100

Dúvida – Notas

Elisabeth Baptistin e outros

Trata-se de dúvida suscitada em procedimento de usucapião extrajudicial pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Elizabeth Baptistin e Thais Baptistin Fernandes.

Aduz o Oficial que as requerentes pretendem, no mesmo procedimento, dúplice declaração de usucapião: do usufruto, em favor de Elizabeth, e da nua-propriedade, em favor de Thais. Alega que tal divisão sobre o imóvel consta na ata notarial, mas que os fatos constantes no processo não permitem concluir pela existência de tal bipartição, além de entender que pretendem as requerentes tangenciar uma doação com reserva de usufruto, infringindo o art. 13º, §2º, do Prov. 65/17 da Corregedoria Nacional da Justiça. Juntou documentos às fls. 05/204.

As suscitadas manifestaram-se às fls. 205/206, aduzindo que a usucapião de usufruto é permitida pelo Código Civil.

Parecer do Ministério Público às fls. 210/214, pela procedência da dúvida.

É o relatório. Decido.

De início, cumpre pontuar a contradição entre a petição de fls. 07/19, onde consta o requerimento perante a serventia extrajudicial, e demais documentos que instruíram o pedido.

Naquela, as suscitadas alegam que mantém a posse “com ânimo de donas” e que as contas de telefone demonstram “o comportamento como legítimas possuidoras e como proprietárias” (fl. 13), além de citar a declaração de José de Jesus Baptistin de que “quem efetivamente pagou pela aquisição do aludido imóvel foi Elizabeth” (fl. 11).

Já nas declarações de fls. 35 e 37, bem como na ata notarial de fls. 39/50, consta que o pai de Elizabeth sempre teve a intenção de que a posse fosse exclusivamente de Thais com reserva de usufruto à Elizabeth.

Demonstra-se, assim, que mesmo diante da vontade de Luiz Baptistin, as requerentes declararam ter a composse do imóvel, além de se comportarem como proprietárias, inclusive havendo pagamento do preço total do bem por Elizabeth, e não só dos direitos de usufrutuária.

Disso decorre que Elizabeth, de fato, não é apenas usufrutuária do bem, mas o possui com animus domini, o que inviabiliza o pedido na forma em que solicitado.

Não se está aqui a negar a possibilidade de usucapião de usufruto, previsto no art. 1.391 do Código Civil.

Todavia, em sendo requerida, deve demonstrar-se que exerceu-se apenas tal direito real, sem haver qualquer ânimo de propriedade. Acaso deferido o pedido, registrar-se-ia apenas tal direito, ficando o proprietário tabular com a nua-propriedade, que se tornaria plena novamente após a extinção do usufruto.

Cito, ainda, a colocação da D. Promotora de Justiça:

“[A] previsão [de usucapião de usufruto] diz respeito aos casos em que o usufruto é instituído por quem não é o verdadeiro proprietário do bem (aquisição a non domino), o que leva o teórico usufrutuário, uma vez ocorrida a prescrição aquisitva, a acionar o verdadeiro titular do domínio, para que seja reconhecido o seu direito, obrigando-o a suportá-lo.”

Deste modo, não se pode requerer no mesmo pedido o reconhecimento da usucapião da nua-propriedade. Esta é posterior, e não concomitante, ao reconhecimento ou constituição do usufruto. Ou bem a requerente Thais requer, de forma autônoma, a usucapião da propriedade e constitui o usufruto em favor de Elizabeth, ou ambas requerem a usucapião, restando o imóvel em condomínio entre si.

O que parecem buscar as requerentes, em verdade, é instituir tal usufruto sem lavrar a competente escritura pública e recolher os impostos devidos, incidindo na hipótese prevista no art. 13, §2º, do Prov. 65/17 da CNJ, que veda o uso da usucapião como burla aos requisitos legais do sistema notarial e registral.

E tal conclusão decorre do simples fato de Thaís residir no imóvel desde sua infância. Se é apenas nua-proprietária, como alega, como pode exercer a posse e habitar o bem, que foi pago, como afirmado, por sua mãe?

Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada, mantendo o óbice ao reconhecimento simultâneo da usucapião da nua-propriedade e do usufruto sobre o imóvel, devendo as requerentes retificarem o pedido, de modo a observar a legalidade e a situação fática constante dos demais documentos.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

(DJe de 15.05.2019 – SP)