CSM|RJ: Apelação – Dúvida registral – Usucapião extrajudicial – Exigências: notificação dos entes públicos, publicação de edital e justificativa à não escrituração correta das transações e ao não ajuizamento de adjudicação compulsória – Art. 216-A, Lei 6.015/73 – Provimento CNJ 65/2017 – Exegese – Procedência parcial da dúvida – Confirmação da sentença.

Processo nº: 0101669-64.2018.8.19.0001

Suscitante: Cartório do 9º Ofício de Registro de Imóveis da Capital/RJ

Apelante: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Apelada: Melo Duarte Comércio Atacadista de Material de Construção Ltda. – ME

Relatora: Des. Elisabete Filizzola

ACÓRDÃO

APELAÇÃO. DÚVIDA REGISTRAL. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL. EXIGÊNCIAS: NOTIFICAÇÃO DOS ENTES PÚBLICOS, PUBLICAÇÃO DE EDITAL E JUSTIFICATIVA À NÃO ESCRITURAÇÃO CORRETA DAS TRANSAÇÕES E AO NÃO AJUIZAMENTO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. ART. 216-A, LEI 6.015/73. PROVIMENTO CNJ 65/2017. EXEGESE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DÚVIDA. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA.

I) É certo que i) “o oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, (…) para que se manifestem” sobre o pedido de reconhecimento de usucapião extrajudicial, bem como ii) “promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados (…)” (art. 216-A, §§ 3º e 4º, Lei 6.015/73, incluídos pela Lei 13.105/2015). Daí o acerto e a inexistência de controvérsia quanto à primeira exigência, que ressalta a necessidade de notificação dos entes públicos, bem como a publicação do edital.

II) Espécie em que, porém, o Oficial rejeitou, com espeque no art. 13, § 2º, do Provimento CNJ 65/2017, a justificação da interessada pela opção da via da usucapião extrajudicial em detrimento da adjudicação compulsória.

III) Com efeito, “em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei” (art. 13, § 2º, Prov. CNJ 65/2017).

IV) Nada obstante, o simples rito – extrajudicial ou judicial – não tem o condão de interferir sequer minimamente na essência do direito material, de maneira que, se idêntico direito pode ser, em tese, reconhecido pela via judicial, não há sentido em se proscrever sua obtenção extrajudicialmente, na contramão, aliás, do intuito legislativo, que concebeu uma opção à parte, célere e igualmente eficaz, desafogando-se o Judiciário.

V) Se, pois, a parte preenche os requisitos à aquisição da propriedade por usucapião – e a presente dúvida suscitada não verticaliza tais circunstâncias –, é-lhe facultado promover assim a demanda de usucapião como requerer sua declaração extrajudicial, nos termos da novel legislação de regência, sem que, com base apenas nessa lícita eleição, se cogite de burla fiscal, até porque, tendo, em tese, adquirido originariamente a propriedade, não lhe é mandatório que se valha de mecanismos próprios da aquisição derivada; máxime no caso dos autos, em que a parte interessada sequer logrou localizar a vetusta proprietária registral do imóvel.

RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação n° 0101669- 64.2018.8.19.0001, em que é apelante o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e apelada Melo Duarte Comércio Atacadista de Material de Construção Ltda. – ME.

ACORDAM os Desembargadores integrantes do CONSELHO DA MAGISTRATURA, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso e confirmar a sentença, em reexame necessário, nos termos do voto da relatora.

RELATÓRIO

Cuida-se de DÚVIDA suscitada pelo Oficial do Cartório do 9º Ofício de Registro de Imóveis da Capital/RJ ao Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos da mesma comarca, a partir do requerimento formulado por Thiago José Hora Costa da Silva, representante da sociedade empresária, Melo Duarte Comércio Atacadista de Material de Construção Ltda – ME, objetivando o registro da Usucapião Extrajudicial, com base no art. 1.071 do Código de Processo Civil/2015, que inseriu o artigo 216-A na Lei nº 6.015/73, referente ao imóvel situado na Estrada Campo da Areia, lote 03 do PA 40235, descrito na Matrícula nº 133.424.

Em sua inicial (fls. 03 e 648/654) o Oficial esclarece que deixou de efetuar o registro requerido, pois restaram pendentes de cumprimento as seguintes exigências:

1) A notificação dos Entes Públicos, bem como a publicação do edital, solicitados no item VIII, alíneas “c” e “d” do requerimento, dependerá de toda a documentação encontrar-se em ordem atendendo o disposto nos artigos 15 e 16 do Provimento CNJ nº 65/2017;

2) Atendendo o disposto no art. 13, §2º do Provimento do CNJ nº65/2017, se faz necessário justificar o óbice à correta escrituração quanto à efetivação da PROMESSA DE VENDA e PROMESSA DE CESSÃO (justo título), registradas em 10/01/2002, com os nºs 6 e 8 na matrícula 133.424, em virtude da usucapião não servir como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da TRIBUTAÇÃO DOS IMPOSTOS DE TRANSMISSÃO sobre os negócios imobiliários, sendo que a DECLARAÇÃO FALSA na justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei. (A JUSTIFICATIVA QUANTO AO NÃO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA, PELO FATO DO PROCESSO SE MOSTRAR MAIS VAGAROSO, NÃO ATENDE O DISPOSTO NO ART. 13, §2º DO PROVIEMNTO 65/2018, UMA VEZ QUE NÃO CONFIGURA IMPEDIMENTO LEGAL, LOGO O TÍTULO HÁBIL PARA O REGISTRO, ATENDENDO AO DISPOSTO NO ART.1418 DO CCB SERIA A CARTA DE ADJUDICAÇÃO).

Acompanham a inicial os documentos de fls.04/647 e 657/686.

Em sede de impugnação (fls.690/697), a parte interessada sustenta que em momento algum discordou da exigência 1 e, em relação à exigência 2, alegou que não há, no texto da lei que instituiu a usucapião extrajudicial, nenhuma exigência ou necessidade de esgotamento de procedimento ou mesmo de qualquer instrumento preparatório para, a partir dele, surja o direito de pleitear a aquisição originária da propriedade pelo exercício da posse.

Declarou que não foi celebrada a escritura definitiva de compra e venda porque a proprietária não foi encontrada, por não possuir endereço certo e conhecido.

Destacou, ainda, que caberia ao Oficial apenas alertar ao requerente e às testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

Em anexo à referida petição seguem os documentos de fls.698/703.

Manifestação do Ministério Público (fls.710/719) opinando pela procedência da dúvida suscitada, por entender que são legais e pertinentes as exigências formuladas pelo Oficial.

Sentença (fls.729/734) julgou procedente a primeira exigência e improcedente a segunda.

O Ministério Público de 1º Grau apresentou Recurso de Apelação (fls.777/787) destacando que, para buscar a efetivação das promessas de venda e de cessão de direitos constantes da matrícula do imóvel a parte interessada deveria promover a escritura definitiva de compra e venda e cessão. Argumenta que, caso não seja possível localizar os outorgantes promitentes, compete a ela recorrer ao Poder Judiciário, ajuizando ação de adjudicação compulsória, com o devido recolhimento dos impostos, tal como aduzido pelo Sr. Oficial do 9º RGI na sua segunda exigência.

Ressaltou que a usucapião consiste em forma de aquisição originária da propriedade, desde que cumpridos seus requisitos legais, ao passo que a adjudicação compulsória é forma de aquisição de propriedade de forma derivada, posto que o proprietário demonstrou o interesse em vender o imóvel e recebeu o valor acordado, não tendo sido lavrado apenas o documento definitivo de transferência, cabendo à parte valer-se da ação de adjudicação compulsória para efetivar as promessas realizadas.

Contrarrazões às fls.800/814. Documentos anexos às fls.815/834.

A Douta Procuradoria Geral da Justiça (fls.842/854), atuante junto a este Egrégio Conselho, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação, com a consequente confirmação, in totum, da sentença recorrida.

É o relatório.

A parte interessada, ora apelada, pleiteou o registro da Usucapião Extrajudicial, com base no art. 1.071 do Código de Processo Civil/2015, que inseriu Inicialmente, o artigo 216-A na Lei nº 6.015/73, referente ao imóvel descrito na Matrícula nº 133.424.

O Oficial, no entanto, não efetuou o registro pleiteado, pois entendeu necessária a notificação dos entes públicos e a publicação de edital, além da apresentação de justificativa idônea quanto i) ao óbice à correta escrituração da escritura definitiva, considerando as Promessas de Venda e de Cessão registradas na matrícula do imóvel, bem como ii) ao não ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, tudo à luz do art. 13, § 2º do Provimento CNJ nº 65/2017.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil adicionou à Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) o artigo 216-A.

Esta norma criou a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da usucapião, ou seja, dispensa-se, facultativamente, o processo judicial para tal desiderato.

O procedimento corre diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado.

Passa-se, então, à análise das exigências formuladas pelo Oficial Registrador.

É bem de ver, desde logo, que a parte interessada – Melo Duarte Coméercio Atacadista de Material de Construção Ltda.-EPP – relata terem sido formuladas mais de três dezenas de exigências, todas cumpridas no âmbito da serventia extrajudicial, até que, enfim, veio a ser suscitada a presente dúvida com apenas as duas já reproduzidas anteriormente (fls. 648/654).

No que se refere à primeira exigência, relativa à necessidade de notificação dos Entes Públicos e publicação do edital – contra a qual não se opôs a parte interessada (fls. 691) –, verifica-se que a sentença andou bem ao julgá-la procedente, na medida em que decorre explicitamente da legislação: LRP

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015)

(…)

3º. O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido. (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015)

4º. O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias. (Incluído pela Lei nº 13.105, de 2015)

No mesmo sentido é o Provimento CNJ nº 65/2017, que estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis: Prov. CNJ 65/2017

Art. 15. Estando o requerimento regularmente instruído com todos os documentos exigidos, o oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestação sobre o pedido no prazo de quinze dias.

1º A inércia dos órgãos públicos diante da notificação de que trata este artigo não impedirá o regular andamento do procedimento nem o eventual reconhecimento extrajudicial da usucapião.

2º Será admitida a manifestação do Poder Público em qualquer fase do procedimento.

3º Apresentada qualquer ressalva, óbice ou oposição dos entes públicos mencionados, o procedimento extrajudicial deverá ser encerrado e enviado ao juízo competente para o rito judicial da usucapião.

Art. 16. Após a notificação prevista no caput do art. 15 deste provimento, o oficial de registro de imóveis expedirá edital, que será publicado pelo requerente e às expensas dele, na forma do art. 257, III, do CPC, para ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão manifestar-se nos quinze dias subsequentes ao da publicação.

1º O edital de que trata o caput conterá:

I – o nome e a qualificação completa do requerente;

II – a identificação do imóvel usucapiendo com o número da matrícula, quando houver, sua área superficial e eventuais acessões ou benfeitorias nele existentes;

III – os nomes dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados e averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes ou confrontantes de fato com expectativa de domínio;

IV – a modalidade de usucapião e o tempo de posse alegado pelo requerente; A primeira exigência, aparentemente incontroversa, consiste na prévia necessidade de se ordenar e concluir toda a documentação, cumprindo-se todos os requisitos procedimentais, para que seja feita a imprescindível notificação dos Entes Públicos e a publicação de edital para conhecimento de terceiros.

V – a advertência de que a não apresentação de impugnação no prazo previsto neste artigo implicará anuência ao pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião.

2º Os terceiros eventualmente interessados poderão manifestar-se no prazo de quinze dias após o decurso do prazo do edital publicado.

3º Estando o imóvel usucapiendo localizado em duas ou mais circunscrições ou em circunscrição que abranja mais de um município, o edital de que trata o caput deste artigo deverá ser publicado em jornal de todas as localidades.

4º O edital poderá ser publicado em meio eletrônico, desde que o procedimento esteja regulamentado pelo órgão jurisdicional local, dispensada a publicação em jornais de grande circulação.

Daí o acerto do decisum, ao assinalar (fls. 730):

A primeira exigência, aparentemente incontroversa, consiste na prévia necessidade de se ordenar e concluir toda a documentação, cumprindo-se todos os requisitos procedimentais, para que seja feita a imprescindível notificação dos Entes Públicos e a publicação de edital para conhecimento de terceiros.

Com efeito, a referida exigência é legal e pertinente, uma vez que expressamente previstos tais requisitos nos parágrafos 3º e 4º do artigo 216-A da Lei 6015/73.

Depreende-se da leitura dos referidos dispositivos que, para a conclusão do procedimento extrajudicial, é impositiva a ciência dos entes públicos e a publicação de edital para conhecimento de terceiros eventualmente interessados.

As medidas, portanto, dependem do prévio saneamento do requerimento e cumprimento das demais exigências, como forma de se evitar desnecessário dispêndio de tempo, esforço e dinheiro.

Somente estando completa toda a instrução do requerimento de usucapião extrajudicial é que deverá o pedido ser levado a conhecimento dos entes federativos e de terceiros.

(…)

Noutro giro, o requerimento levado a registro não foi considerado corretamente instruído porque o Oficial considerou indispensável a apresentação de justificativa idônea quanto ao óbice à correta escrituração da escritura definitiva, bem como ao não ajuizamento da ação de adjudicação compulsória, sendo esta a segunda exigência, que ora se analisa.

Invocando o art. 13, § 2º do Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça, o suscitante argumenta que “o Oficial Registrador deverá avaliar a justificação para o uso da usucapião extrajudicial, de modo a evitar que o mesmo seja utilizado como meio inidôneo, visando burlar o sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários (ITBI)”. Assim, “ao analisar as razões de eleição do procedimento, não julgou suficiente a justificativa do suscitado de que o ajuizamento de ação de adjudicação compulsória não fora feito por ser uma opção mais vagarosa e, por isso tenha optado pela usucapião” (fls. 652).

O Oficial arrematou desta forma seu entendimento (fls. 654):

“Ao julgar insuficiente a justificativa, o Registrador também tem dúvida sobre o possível ânimo do Suscitado em se eximir da obrigação tributária, haja vista que, diferentemente da ação de adjudicação, a usucapião não gera a cobrança de imposto de transmissão (ITBI), por ser uma forma de aquisição originária de propriedade.”

Dispõe o mencionado art. 13, § 2º:

Art. 13. Considera-se outorgado o consentimento mencionado no caput do art. 10 deste provimento, dispensada a notificação, quando for apresentado pelo requerente justo título ou instrumento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, acompanhado de prova da quitação das obrigações e de certidão do distribuidor cível expedida até trinta dias antes do requerimento que demonstre a inexistência de ação judicial contra o requerente ou contra seus cessionários envolvendo o imóvel usucapiendo.

1º São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o caput:

I – compromisso ou recibo de compra e venda;

II – cessão de direitos e promessa de cessão;

III – pré-contrato;

IV – proposta de compra;

V – reserva de lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar;

VI – procuração pública com poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel;

VII – escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel;

VIII – documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.

2º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.

3º A prova de quitação será feita por meio de declaração escrita ou da apresentação da quitação da última parcela do preço avençado ou de recibo assinado pelo proprietário com firma reconhecida.

4º A análise dos documentos citados neste artigo e em seus parágrafos será realizada pelo oficial de registro de imóveis, que proferirá nota fundamentada, conforme seu livre convencimento, acerca da veracidade e idoneidade do conteúdo e da inexistência de lide relativa ao negócio objeto de regularização pela usucapião.

Vale sublinhar que esta foi também a linha adotada pelo Ministério Público de primeiro grau em seu recurso de apelação, entendendo o recorrente que “não houve justificação hábil a autorizar o uso da usucapião extrajudicial em detrimento da correta escrituração das transações com o devido recolhimento do imposto e obediência aos requisitos legais do sistema notarial ” (fls. 785), ressaltando “que o instituto ainda é novo no nosso ordenamento, motivo pelo qual requer maior prudência quanto às consequências práticas, sob pena de haver prejuízo ao erário quanto ao não recolhimento do imposto e substituição do instituto da adjudicação compulsória pelo instituto da usucapião extrajudicial” (fls. 786).

De fato, a novidade do instituto inspira cuidados, entretanto, no estrito âmbito da presente dúvida, que elencara duas exigências não cumpridas, a razão está com o d. sentenciante, senão vejamos.

É, claro, legítima a preocupação do d. Oficial e da d. Promotora de Justiça, cautelosos com o erário, zelosos pelos cofres públicos.

Ocorre que, com todas as vênias, esta tese acaba por desconsiderar a mais importante circunstância que subjaz ao debate: o reles rito – extrajudicial ou judicial – não tem o condão de interferir sequer minimamente na essência do direito material em voga.

É dizer: a faculdade da via extrajudicial dirigida à declaração da usucapião não se sujeita a requisitos diversos àqueles estabelecidos à usucapião buscada judicialmente.

Ora, a usucapião é a mesma, as normas e as hipóteses do Direito Privado são as mesmas.

A propósito, “presentes os requisitos legais, é possível o reconhecimento extrajudicial das diversas modalidades de usucapião, salvo aquelas em que a lei exigir expressamente a manifestação do Ministério Público” (art. 17, Provimento CGJ 23/2016).

Logo, é de plena adequação a fundamentação do magistrado a quo, quando consignou (fls. 731):

(…)

Nesse sentido, ainda que, em tese, seja cabível procedimento de adjudicação compulsória, não poder-se-ia negar ao interessado o reconhecimento da usucapião, pois inexiste previsão legal que erija a impossibilidade daquela via judicial como condição para a prescrição aquisitiva.

A usucapião é instituto de direito civil que consiste em aquisição originária da propriedade por meio do exercício de posse mansa e pacífica de bem, com animus domini, durante prazo legalmente determinado.

Assim, ao contrário do que ocorre nos casos de transmissão de direitos reais, na prescrição aquisitiva, a propriedade é adquirida com o simples adimplemento dos requisitos legais, sendo a posterior sentença meramente declaratória (Artigo 1241 do Código Civil).

(…)

Mais adiante, o trecho que mais bem sintetiza a acertada orientação do sentenciante (fls. 732):

Se não é vedado ao possuidor que ostenta título de promessa de venda registrado intentar ação judicial de usucapião, tampouco lhe pode ser fechada a via extrajudicial para o reconhecimento de seu direito.

Com efeito, se idêntico direito pode ser, em tese, reconhecido pela via judicial, sentido não há em se proscrever sua obtenção extrajudicialmente, na contramão, aliás, do intuito legislativo, que concebeu uma opção à parte, célere e igualmente eficaz, desafogando-se o Judiciário.

Veja-se que não se está a facilitar qualquer fraude nem ações de má-fé.

Simplesmente se reconhece que, ao serem cabalmente comprovados todos os requisitos legais à usucapião almejada (ordinária, extraordinária), descabe – questionar a razão pela qual a parte – insista-se, com os requisitos preenchidos – optara por tal ou qual providência, até porque, como já dito, o reconhecimento da usucapião tem cunho declaratório, conforme remansoso entendimento jurisprudencial.

É oportuna a ilustração:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE PROPRIEDADE. SENTENÇA DE USUCAPIÃO. NATUREZA JURÍDICA (DECLARATÓRIA). FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA. FINALIDADE DO REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PUBLICIDADE E DIREITO DE DISPOR DO USUCAPIENTE. RECURSO DESPROVIDO.

Omissis.

A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade; ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente.

A sentença proferida no processo de usucapião (art. 941 do CPC) possui natureza meramente declaratória (e não constitutiva), pois apenas reconhece, com oponibilidade erga omnes, um direito já existente com a posse ad usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito retroativo da sentença se dá desde a consumação da prescrição aquisitiva.

O registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essencial para a consolidação da propriedade imobiliária, porquanto, ao contrário do que ocorre com as aquisições derivadas de imóveis, o ato registral, em tais casos, não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriunda do processo de usucapião é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916; 1.241, parágrafo único, do CC/2002) – e não título constitutivo do direito do usucapiente, buscando este, com a demanda, atribuir segurança jurídica e efeitos de coisa julgada com a declaração formal de sua condição.

O registro da usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir, mas para dar publicidade à aquisição originária (alertando terceiros), bem como para permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regularizar o próprio registro cartorial.

Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 118.360/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011).

Em palavras outras, no caso dos autos, a parte teria à sua disposição tanto a i) busca pelo reconhecimento da usucapião – desimportante o rito – quanto ii) a via da adjudicação compulsória.

Essa lícita eleição da parte, por si só, não autoriza cogitar de burla fiscal, até porque, tendo, em tese, adquirido originariamente a propriedade, não lhe é mandatório que se valha de mecanismos próprios da aquisição derivada.

Negar-lhe a usucapião ao fundamento de que só lhe seria legítima a adjudicação agrediria frontalmente o Código Civil e, nessa hipótese, seu título seria totalmente irrelevante.

Como se percebe, não pode ser essa a exegese da legislação de regência, sob pena de se ter o novel instituto por natimorto, inócuo; máxime na espécie dos autos, em que a parte interessada sequer logrou localizar a vetusta proprietária registral do imóvel, a qual, aliás, já assentira, no bojo da promessa de compra e venda de 1998 (fls. 446), à imissão imediata da outorgada na posse, o que também foi consignado pela promitente cedente na promessa de cessão do ano 2000, em relação à ora interessada (fls. 456).

Por derradeiro, como bem destacou a douta Procuradoria, “outra justificativa é que constam nos autos documentos que comprovam que o terreno que se pretende usucapir é objeto de Ação Civil Pública n. º 0121978- 43.2017.8.19.0001, na qual consta acordo para a execução de Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD e construção de Conjunto Habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida, nos lotes 02 e 03 (fls. 815/822), sendo concedida Carta de Fiança, cuja validade é de até 20.03.2019, para recuperação ambiental e drenagem pluvial no terreno (fl. 823), havendo, portanto, a necessidade de regularizar a propriedade do imóvel em tempo hábil. ” (fls. 851/852).

Dessa forma, deve ser afastada a segunda exigência inicialmente formulada, porquanto justificado o óbice à correta escrituração da escritura definitiva, bem como o não ajuizamento da ação de adjudicação compulsória.

De mais a mais e conquanto evidente, não é demasiado gizar que este Colegiado ora aprecia as matérias que lhe foram devolvidas assim pela interposição do recurso ministerial como por força do reexame necessário legal, mas exclusivamente no âmbito da dúvida suscitada, de maneira que o julgamento se atém a chancelar uma e refutar outra das duas únicas exigências formuladas e submetidas ao Juízo de Registros Públicos, não se imiscuindo, portanto, na avaliação do cumprimento dos requisitos legais à usucapião sustentada.

Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso, confirmando-se a sentença de procedência parcial da dúvida, em reexame necessário.

Rio de Janeiro, 08 de novembro de 2018.

Desembargadora ELISABETE FILIZZOLA

Relatora