1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Registro – Escritura de Inventário e Partilha – Herdeiro com indisponibilidade de bens – Renúncia à herança – Bens da genitora falecida que não ingressaram na esfera patrimonial do herdeiro renunciante – Eventual burla deve ser aventada pelos credores – Dúvida improcedente.

Processo 1079195-18.2017.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

G. P.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de G. P., A. M. P. da S., W. D. da S. e E. J. P., diante da negativa em se proceder ao registro da escritura de partilha e sobrepartilha, nas quais o suscitado, juntamente com sua esposa, renunciaram à herança deixada por sua genitora, srª D. T. R. P., referente aos imóveis matriculados sob nºs 65.431 e 65.432.

O óbice registrário refere-se à existência de indisponibilidade dos bens do suscitado, determinada pelo Banco Central, uma vez que ele foi administrador do Banco Santos S/A, sendo necessário a apresentação do cancelamento de tal ordem, podendo a renúncia encobrir uma alienação disfarçada. Juntou documentos às fls.04/70.

O suscitado Eliseu apresentou impugnação às fls.79/81. Alega que os imóveis em questão foram adquiridos por seus genitores, G. P. e D. T. R. P. e com a abertura de sua sucessão em 06.05.2015, entendeu viável o filho herdeiro Eliseu J. P. renunciar ao seu direito, voltando sua quota parte ao Espólio para que fosse partilhados entre o meeiro e a então única herdeira Ana Maria. Ressalta que com a renúncia, os imóveis jamais fizeram parte dos bens particulares do suscitado ao contrário dos demais que à época foram abrangidos pelo decreto de indisponibilidade e devidamente gravado nas respectivas matrículas perante os órgãos competentes. Foram expedidos ofícios ao MMº Juízo da 2ª Vara de Falência e Recuperação Judicial, solicitando informações acerca da Ação Civil Pública (processo nº 0099371-55.2005.8.26.0100). Foi esclarecido que o cancelamento da constrição decretada pelo Juízo Falimentar se efetivou apenas sobre um dos imóveis de propriedade do suscitado, localizado na Av. Professor Alceu Maybardd Araujo, nº 443, bloco 3, aptº 72 – Vila Cruzeiro, tendo em vista que restou constatada a natureza de bem de família (fls.105/114).

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls.120/121).

Foi juntada cópia do instrumento público de renúncia da herança lavrado em 23.10.2015 pelo 15º Tabelião de Notas da Capital (fl.139/142).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Em que pesem o zelo e diligência do Oficial, entendo que a dúvida é improcedente. Compulsando os presentes autos, verifico que a ordem de indisponibilidade derivou da Ação Civil Pública (processo nº 000.05.099371-2), formulada pelo Ministério Público, para apuração da responsabilidade civil dos administradores, membros do Conselho de Administração e administradores de fato do Banco Santos S/A, que sofreu intervenção do Banco Central do Brasil em 12.11.2004, em virtude da deterioração de sua situação econômico financeira, culminando com a decretação de sua liquidação extrajudicial em 04.05.2005.

Tendo em vista a apuração dos desvios de recursos do banco para país estrangeiro e diante da possibilidade de desaparecimento de bens que poderiam vir a constituir garantia aos diversos credores, foi determinado o arresto de bens dos administradores, dentre os quais o do ora suscitado, em sentença proferida em 2005. Assim, nos termos do mandado de arresto, remoção e citação (fls.109) foram arrestados: a) veículo Fiat Alfa Romeo 166 ano 99/99, placa nº CVC 4862/SP; b) veículo Sport 99/00, placa nº CTB 7533/SP; 50% dos imóveis referente a um apartamento residência própria situado na Av. Professor Alceu Maynard Araujo, nº 443, bloco 03, aptº 72 – Vila Cruzeiro; 02 lotes de terreno situados no loteamento Juréia de São Sebastião/SP; lotes 27 e 28 da Quadra 13; 172.404 do capital da Sociedade Asserção Organizacional LTDA; participação correspondente a 39,96 % do capital total da referida sociedade.

Todavia, de acordo com a decisão de fl.113, foi excluída a constrição do imóvel por se tratar de bem de família. Os imóveis objeto de partilha e sobrepartilha, matriculados sob nºs 65.431 e 65.432 (fls.08/13), foram adquiridos exclusivamente pelos genitores do suscitado, G. P. e D. T. R., tanto é que não foram abarcados pela indisponibilidade decretada na Ação Civil Pública.

Corroborando os fatos expostos, ao lavrar a escritura de renuncia de herança, o 15º Tabelião de Notas da Capital procedeu a consulta na base de dados da “Central de Indisponibilidade de Bens”, obtendo o resultado negativo para os CPFS dos interessados (fl.140).

Nos ensinamentos de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

“A sucessão considera-se aberta no instante mesmo ou no instante presumido da morte de alguém, fazendo nascer o direito hereditário e operando a substituição do falecido por seus sucessores a título universal nas relações jurídicas em que aquele figurava. Não se confundem, todavia. A morte é antecedente lógico, é pressuposto e causa. A transmissão é consequente, é efeito da morte. Por força de ficção legal, coincidem em termos cronológicos, (1) presumindo a lei que o próprio de cujus investiu seus herdeiros, (2) no domínio e na posse indireta, (3) de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo. Esta é a formula do que se convenciona denominar droit de saisine” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões brasileiro: disposições gerais e sucessão legítima. Destaque para dois pontos de irrealização da experiência jurídica à face da previsão contida no novo Código Civil).

Logo, os bens do de cujus são transmitidos automaticamente aos herdeiros no momento de sua morte, dependendo da aceitação ou renuncia a estes direitos, retroagindo seus efeitos à data da abertura da sucessão, ou seja, “ex tunc”.

Na presente hipótese tem-se que os imóveis, objeto das matrículas nºs 65.431 e 65.432 não ingressaram no patrimônio do suscitado, bem como não foram incluídos dentre os bens atingidos pela indisponibilidade.

Entendo que a alegação do registrador de que a renúncia pode encobrir alienação disfarçada, deverá ser aventada pelos credores nos autos da Ação Civil Pública, tratando-se de matéria estranha ao procedimento administrativo.

Logo, o óbice registrário imposto pelo Oficial deverá ser afastado, para que se proceda o registro do título apresentado.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de G. P., A. M. P. da S., W. D. da S. e E. J. P., e consequentemente determino o registro do documento apresentado.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

(DJe de 08.01.2019 – SP)