1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Ausência de outorga do cônjuge – Ato anulável que é valido e eficaz até decisão judicial em sentido contrário – Cessão de direitos hereditários – Lei municipal que prevê a incidência – ITBI devido – Comprovação de recolhimento do ITCMD relativo ao quinhão do herdeiro – Necessidade – Dúvida julgada parcialmente procedente.

Processo 1042837-20.2018.8.26.0100 

Dúvida

REGISTROS PÚBLICOS

Décimo Cartório de Registro de Imóveis

H. P. B.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de H. P. B., após negativa de registro de formal de partilha cujo objeto é o imóvel matriculado sob o nº 58.345 na mencionada serventia.

Foram apresentados 3 óbices. O primeiro diz respeito à necessidade de autorização do cônjuge para a cessão de direitos hereditários. O segundo, também relativo a cessão de direitos, se deu pois a suscitante não comprovou o recolhimento de ITBI sobre a operação. Por fim, exige o Oficial a comprovação de recolhimento de ITCMD sobre a totalidade do imóvel, sendo que apenas foi comprovado o recolhimento sobre os direitos de uma das herdeiras.

O Oficial aduz que a primeira exigência tem respaldo no Art. 1647, I, do Código Civil. Quanto ao ITBI, alega que o imposto é cabível nas hipóteses de cessão de direitos hereditários, conforme art. 2º, X, da Lei Municipal nº 11.154/91; justifica o último óbice, finalmente, no fato do recolhimento do ITCMD só ter sido comprovado com relação a metade ideal do imóvel. Juntou documentos às fls. 04/55.

Houve Impugnação da suscitada às fls. 59/63, com documentos às fls. 64/82. Alega que o cônjuge anuiu com a cessão durante o processo judicial de partilha. Diz que o ITBI só é devido após o registro da transação, sendo inexigível na hipótese, e que o ITCMD não pode ser exigido pelo Oficial, pois a sentença que homologou a partilha já verificou o recolhimento de tributos, que, de qualquer forma, estaria prescrito.

O Ministério Público opinou às fls. 86/90, pela parcial procedência da dúvida, afastando-se o primeiro óbice.

A suscitada manifestou-se às fls. 91/95.

É o relatório. Decido.

Conforme bem exposto pelo Ministério Público, o óbice referente a anuência do cônjuge para validade da cessão de direitos deve ser afastado. Isso porque o Art. 1.649 é expresso no sentido de que a outorga prevista no Art. 1.647 do Código Civil é anulável, sendo o cônjuge a parte que deve arguí-la (art. 1.650). E, conforme art. 177 do mesmo Código, o ato anulável só deixa de ser considerado válido após sentença transitada em julgado, razão pela qual o Oficial não pode negar o registro com base em tal vício.

Neste sentido, os precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura:

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – VENDEDOR REPRESENTADO PELO PROPRIO COMPRADOR – NULIDADE RELATIVA – INVIABILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO. (Ap. Cível nº 3002501-95.2013.8.26.0590, Rel. Des. Elliot Akel, j. 07/10/14)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Compromisso de compra e venda celebrado sem anuência dos demais descendentes – Negócio jurídico anulável – Interesse privado – Inviabilidade do exame da validade do contrato em processo administrativo – Necessidade de processo jurisdicional – Cabimento do registro – Recurso não provido (Apelação 0029136-53.2011.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, j. 31.05.2012).

Ainda que assim não fosse, a homologação judicial do formal de partilha, em que expressamente constou a cessão de direitos, supre eventual vício presente no conteúdo material da partilha, não sendo cabível o impedimento do registro com base neste argumento. (Cf. Proc. 1113669-83.2015.8.26.0100, CGJ, Parecer: Iberê de Castro Dias, aprovado pelo Corregedor Geral Pereira Calças).

Veja-se ainda que o juiz da partilha tratou da questão dos cônjuges e da cessão de direitos (fl. 43), o que afasta eventual alegação de que houve omissão quanto a exigência legal. Deste modo, de rigor o afastamento da primeira exigência. Contudo, a mesma sorte não socorre a suscitada quanto aos demais óbices, tendo razão o Oficial e o Ministério Público.

No que diz respeito ao ITBI, o art. 2º, X, da Lei Municipal nº 11.154/91 assim prevê:

“Art. 2º – Estão compreendidos na incidência do imposto: (…)

X – A cessão de direitos à sucessão”

Portanto, a lei é expressa no sentido de que a cessão de direitos é hipótese de incidência tributária, não sendo cabível ao Oficial ou a este juízo administrativo adentrar no mérito da existência ou do momento do fato gerador: havendo previsão legal, o imposto é devido e seu recolhimento deve ser comprovado para fins de registro, sob pena de responsabilização do Oficial, conforme artigos 289, da Lei 6.015/73, 134, VI, do Código Tributário Nacional e inciso XI do art. 30 da Lei 8.935/1994.

Como bem lembrado pela D. Promotora, há precedente específico quanto a hipótese de cessão de direitos e ITBI:

REGISTRO DE IMÓVEIS – CARTA DE ADJUDICAÇÃO EXPEDIDA NOS AUTOS DE AÇÃO DE INVENTÁRIO – TÍTULO NÃO IMUNE À QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – IMPOSSIBILIDADE, PORÉM, DE A QUALIFICAÇÃO INVADIR O MÉRITO DA DECISÃO JUDICIAL – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS HOMOLOGADA NOS AUTOS DO INVENTÁRIO – FALTA DE RECOLHIMENTO DE ITBI RECONHECIDA DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO PARA RECONHECER A IMPROCEDÊNCIA DAS EXIGÊNCIAS FEITAS PELO REGISTRADOR, MANTIDA, PORÉM, A RECUSA DO REGISTRO POR MOTIVO DIVERSO. (Ap. Cível nº 0000418-72.2015.8.26.0531, Rel. Des. Xavier de Aquino, j. em 09/11/2015)

Finalmente, quanto ao ITCMD, este juízo reconhece que não cabe ao Oficial verificar a correção do valor do tributo (Cf. Proc. 1003935-66.2016.8.26.0100), mas apenas seu recolhimento. Na presente hipótese, o Oficial aduz que o valor referente a herdeira Patrícia está incorreto, mas não apresenta qualquer óbice quanto a este fato, com base nos precedentes desta Corregedoria Permanente.

O óbice diz respeito ao não recolhimento do tributo relativo ao montante cabível à herdeira Heloisa. Portanto, o Oficial está a verificar a existência de recolhimento de tributo devido, e não seu valor, o que se demonstra correto, pois a cada herdeiro equivale uma cota da herança, com fatos geradores isolados (art. 2º, §1º da Lei 10.705/00), que demandam a comprovação do recolhimento relativo a cada um deles.

Não consta dos autos homologação do recolhimento do imposto pelo juízo de sucessões ou pela Fazenda Estadual, ou comprovante de pagamento da cota de Heloisa, o que impede o registro pleiteado. Ainda, este juízo não pode reconhecer a prescrição alegada, que demanda processo nas vias ordinárias em que haja participação do órgão fazendário, com contraditório e ampla defesa, mitigados nesta via administrativa. Se a parte postergou o registro da partilha por mais de 20 anos após sua realização, este atraso não justifica eventual falta dos requisitos formais para a realização do registro.

Se a suscitada entende não dever qualquer tributo, deve buscar declaração neste sentido, seja judicial ou do órgão fiscal competente, não sendo possível, como exposto, o afastamento da comprovação do recolhimento por este juízo.

Do exposto, julgo parcialmente procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de H. P. B., para os fins de afastar o óbice nº 1 da nota devolutiva de fls. 54/55 e manter os óbices nºs 2 e 3, mantendo a recusa ao registro do título.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

(DJe de 01.08.2018 – SP)