1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Cessão de usufruto – Direito pessoal – Não ingresso no registro de imóveis – Necessidade de instrumentalização de negócio jurídico adequado, com a finalidade de alcançar a extinção do usufruto pela consolidação – Dúvida procedente.

Processo 1003212-76.2018.8.26.0100

Pedido de Providências

Registro de Imóveis

J. F. R. G.

M. I. R. G.

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por J. F. R. G. em face da negativa do Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, em proceder ao registro do instrumento particular de cessão do exercício de usufruto, no qual F. C. G. e C. B. R. cedem ao suscitante e sua esposa M. I. R. G. o exercício do usufruto referente ao imóvel matriculado sob nº 28.509.

O óbice registrário refere-se ao fato de que a relação estabelecida entre os cedentes e os cessionários possui caráter pessoal, logo não possui aptidão para o registro imobiliário. Esclarecem os suscitantes que ingressaram com ação perante o MMº Juízo da 8ª Vara Cível da Capital, solicitando a cessão de direitos com a finalidade de extinguir o usufruto, sendo proferida sentença de extinção sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, I, do CPC, sendo que da decisão foi interposto recurso perante a 2ª Câmara de Justiça, que negou provimento ao recurso, reconhecendo a ausência de interesse jurídico no ajuizamento da ação de jurisdição voluntária, uma vez que deveria buscar a forma idônea para a extinção do usufruto, e eventual irresignação com a nota de devolução ser suprimida pela via judicial. Juntou documentos às fls.09/32.O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.56/60).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão o Registrador bem como a D Promotora de Justiça. De acordo com o artigo 1393 do Código Civil:

“Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.

Da leitura de tal dispositivo conclui-se ser admitida apenas a cessão do exercício do usufruto, ou seja, o terceiro favorecido será titular de um simples direito de crédito, podendo usar ou fruir da coisa, mas não de um direito real. Não se transmite usufruto, mas apenas os poderes derivados da relação jurídica do usufruto.

Na presente hipótese o instrumento entabulado pelos interessados consubstanciou-se na cessão do exercício de usufruto, contudo negócio jurídico não transfere qualquer direito real, ou seja, caracteriza-se por uma obrigação pessoal estabelecida entre as partes envolvidas, sem ingresso no fólio real.

Acerca do tema, o ilustre registrador Ademar Fioranelli expõe:

“…Prosseguindo nesta análise mais aprofundada do disposto no art. 717 do CC , uma questão que tem sido trazida a debata é saber se a cessão do exercício do usufruto, ali mencionado, seria susceptível, ou não, de ingresso no Registro Imobiliário. Em última análise, seria, ou não, um direito real. Creio que a um título dessa natureza não está reservada a menor possibilidade de registro, por tratar-se de uma relação meramente pessoal entre cedente e cessionário, não constituindo-se, assim, o direito real que possibilite o seu registro. Ora, é inquestionável que, ao ceder o exercício do usufruto, o usufrutuário está cedendo a percepção dos frutos advindos do usufruto (direito pessoal) e mantém consigo o direito real, que é intransferível a terceiro….Nesses casos, que busque o interessado, se assim o desejar, os caminhos do Cartório de Registro de Títulos e Documentos a fim de preservar seus direitos contra terceiros” (Doutrinas Essenciais – Direito Registral, Organizadores: Dip, Ricardo e Jacomino, Sérgio, Vol. V, Editora: Revista dos Tribunais, 2012, p.79).

Ressalto que o artigo mencionado pelo nobre Oficial refere-se ao atual 1393 do Código Civil. Contudo, ao que parece, o suscitante não busca a transferência do exercício do usufruto, mas sim a transferência do usufruto em si, com a finalidade de extinção pela consolidação da propriedade, nos termos da ação proposta junto ao MMº Juízo da 8ª Vara Cível da Capital, que resultou na extinção do feito sem apreciação do mérito pelo indeferimento da inicial (fl.36), bem como negativa de provimento ao recurso pela Colenda 2ª Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça da Capital (fls.42/46), devido ao equívoco na forma de instrumentalizar a extinção do usufruto.

Daí que, não havendo a resistência de qualquer das partes, não há que se falar em prestação jurisdicional, bastando que o suscitante faça a adequação necessária no título apresentado a registro, isto porque conforme bem exposto pela Douta Promotora:

“… A vedação à alienação do usufruto constante do citado artigo 1.393 tem com exceção, justamente, os casos em que ela é feita aos nu proprietários, como forma de produzir a consolidação”.

Neste aspecto, mais uma vez menciono a doutrina de Ademar Fioranelli:

“…Foi suprimida, por desnecessária, a expressão o usufruto só se pode transferir, por alienação, ao proprietário da coisa. Mantida a cessão por título gratuito ou oneroso do seu exercício. Por óbvio, a alienação do usufruto ao proprietário do bem, não está vedada, por ser esta a forma, com a renuncia, mais comum, em ato declaratório, da extinção do ususfruto pela consolidação da plena propriedade na pessoa do nu proprietário (art. 1410, VI do CC)….

Como dito, a redação ao art.1393 do Novo Código Civil não contempla qualquer alteração substancial que obrigue modificar o mesmo tratamento doutrinário e jurisprudencial alcançado nos tempos.Única exceção abre o legislador à regra do citado artigo: mediante alienação, o usufruto apenas se transfere ao nu-proprietário. Concordância óbvia, porque visa a consolidar a propriedade, o que corresponde ao interesse social. Consolidar equivale à confusão, ou reunião na mesma pessoa, das duas qualidades do usufrutuário e nu-proprietário. A propriedade retorna à sua plenitude. O que deve ser alertado é que a transferência terá que ser do direito real do usufruto, e não de seu exercício como diz o citado art. 1.393. Se transferido o exercício, o usufrutuário continua com o direito real. Não há direito real do que adquire o exercício, somente é titular de direito pessoal, que não acessa o assento imobiliário, como veremos a seguir, em tópico específico. A realidade do direito fica intacta, se for transferido o exercício e não o direito real do usufruto propriamente dito” (Usufruto e bem de família: estudos de direito registral imobiliário. São Paulo: Quinta Editorial, 2013, p. 62/63).

Neste mesmo sentido afirma Marco Aurélio S. Viana:

“Em que pese a inalienabilidade, nada impede que haja transferência para o proprietário da coisa, porque nessa hipótese, teremos a reintegração da propriedade em sua plenitude. Mesmo no silencio do diploma civil vigente, a regra é a mesma do direito anterior” (Comentários ao Novo Código Civil – Dos direitos reais. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, vol. XVI, p. 703).

No presente caso, o instrumento de alienação do usufruto em nome do nu proprietário poderia ser produzido por instrumento público, caso o imóvel supere a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país (art.108 do CC), ou particular a contrário senso, todavia, foi realizada apenas a cessão do exercício do usufruto que, conforme claramente exposto, tem natureza de direito pessoal.

Logo, mostra-se correto o óbice registrário imposto pelo registrador, devendo o suscitante, na condição de cessionário, e os cedentes entabularem o negócio jurídico adequado, com a finalidade de alcançar a extinção do usufruto pela consolidação.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada por J. F. R. G. em face da negativa do Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, e mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

(DJe de 25.04.2018 – SP)