1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Outorgante e outorgado representados pelos mesmos presentantes – Negócio consigo mesmo (art. 117 do Código Civil) – Anulabilidade – Inviabilidade de reconhecimento de ofício ou na via administrativa – Negócio válido e eficaz – Dúvida improcedente.

Processo 1003451-80.2018.8.26.0100 

Dúvida

REGISTROS PÚBLICOS

G. E. I. SPE LTDA

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de G. E. I. SPE LTDA., após negativa de registro de instrumento particular de compra e venda na matrícula do imóvel de nº 89.421.

Aduz o Oficial que, após diversas prenotações, restou como óbice o fato de que a promitente vendedora, F. E. I. S/A, foi representada pela Comissão de Representantes dos Condôminos, Adquirentes e Demais Titulares de Direito às Frações Ideias e Respectivas Unidades Autônomas do Futuro Condomínio Edilício “Edifício Galhetas” (Comissão), que por sua vez tem como representantes os sócios da promitente compradora, G. E. I. SPE LTDA.

Deste modo, haveria celebração de “contrato consigo mesmo”, tornando o negócio anulável, o que impediria o ingresso do título no fólio registral, por falta de autorização expressa dos representados (art. 117 do Código Civil). Juntou documentos às fls. 05/155.

O suscitado apresentou impugnação às fls. 156/168. Alega que a Comissão consta como promitente vendedora pois representa o interesse dos condôminos em face de condômino inadimplente (FRESA), exercendo o direito de leiloar o bem daquele que não honrou com as obrigações condominiais. Tendo o bem sido levado a hasta pública, foi arrematado Galhetas, que tem como sócios os mesmos membros da Comissão.

Não obstante, alega que os representantes respondem por pessoas jurídicas diferentes, além de que a compra das unidades é do interesse comum do condomínio.

Por fim, aduz que, sendo o negócio anulável, não cabe ao registrador negar seu ingresso, pois considerasse válido e eficaz até que seja declarada sua nulidade.

O Ministério Público opinou às fls. 172/174 pela improcedência da dúvida.

É o relatório. Passo ao voto.

Em que pese a respeitável cautela apresentada pelo Oficial, a dúvida deve ser julgada improcedente. Aduz que o título é anulável, uma vez que outorgante e outorgado são representados pelas mesmas pessoas, com base no art. 117 do Código Civil, que assim dispõe:

”Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.”

Quanto a anulabilidade, dispõe o mesmo Código:

”Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade”

Portanto, a anulabilidade não tem efeito até que sentença a declare, não sendo possível, ao Oficial, negar o registro do título por esta razão. Como bem lembrado pelo D. Promotor, também neste sentido os precedentes do E. Conselho Superior da Magistratura:

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – VENDEDOR REPRESENTADO PELO PROPRIO COMPRADOR – NULIDADE RELATIVA – INVIABILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO. (Ap. Cível nº 3002501-95.2013.8.26.0590, Rel. Des. Elliot Akel, j. 07/10/14)

No mesmo sentido, quanto a impossibilidade de reconhecimento da anulabilidade de ofício:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Compromisso de compra e venda celebrado sem anuência dos demais descendentes – Negócio jurídico anulável – Interesse privado – Inviabilidade do exame da validade do contrato em processo administrativo – Necessidade de processo jurisdicional – Cabimento do registro – Recurso não provido (Apelação 0029136-53.2011.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, j. 31.05.2012).

Do mais, não vislumbro qualquer risco em permitir-se o registro. Isso porque, ainda que haja o “contrato consigo mesmo”, o bem foi levado a hasta pública por leiloeiro autorizado, de modo que diminui-se o risco de conflito de interesses dos representantes, pois qualquer um poderia dar seu lance.

Na hipótese, contudo, o lance vencedor foi dado por empresa em que seus sócios são os mesmos condôminos que representam o condomínio.

Por tais razões, é caso de afastar-se o óbice e permitir o ingresso do título.

Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de G. E. I. SPE LTDA, afastando o óbice apresentado.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 12 de março de 2018.

Tania Mara Ahualli

Juíza de Direito

(DJe de 16.03.2018 – SP)