STJ: Recurso Especial – Ação declaratória de nulidade de testamento público. 1. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. 2. Vício de forma. Contemporização do rigor formal do testamento, reputando-o válido sempre que encerrar a real vontade do testador, manifestada de modo livre e consciente. Exegese perfilhada pela jurisprudência do STJ. 3. Congruência entre o disposto no testamento e o real propósito de seu autor. Reconhecimento, de acordo com os elementos fáticos probatórios reunidos nos autos. 4. Reiterada atuação antijurídica da tabeliã, a quem incumbia, imediatamente, zelar pela observância dos requisitos formais. Verificação. Frustração da manifestação de última vontade encerrada no testamento público, quando esta, a partir dos elementos de prova reunidos nos autos, reflete a real intenção de seu autor. Inviabilidade. 5. Recurso Especial improvido.

Íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 1.419.726 – SC (2013/0176506-1)

RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE   : P. C. P. G.

ADVOGADO: E. DE M. E S. E OUTRO(S)

RECORRIDO: E. G. – ESPÓLIO E OUTROS REPR. POR: A. M. M. DE O. G.

ADVOGADA: A. P. F. DE A. E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TESTAMENTO PÚBLICO. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. VÍCIO DE FORMA. CONTEMPORIZAÇÃO DO RIGOR FORMAL DO TESTAMENTO, REPUTANDO-O VÁLIDO SEMPRE QUE ENCERRAR A REAL VONTADE DO TESTADOR, MANIFESTADA DE MODO LIVRE E CONSCIENTE. EXEGESE PERFILHADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 3. CONGRUÊNCIA ENTRE O DISPOSTO NO TESTAMENTO E O REAL PROPÓSITO DE SEU AUTOR. RECONHECIMENTO, DE ACORDO COM OS ELEMENTOS FÁTICOS PROBATÓRIOS REUNIDOS NOS AUTOS. 4. REITERADA ATUAÇÃO ANTIJURÍDICA DA TABELIÃ, A QUEM INCUMBIA, IMEDIATAMENTE, ZELAR PELA OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FORMAIS. VERIFICAÇÃO. FRUSTRAÇÃO DA MANIFESTAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE ENCERRADA NO TESTAMENTO PÚBLICO, QUANDO ESTA, A PARTIR DOS ELEMENTOS DE PROVA REUNIDOS NOS AUTOS, REFLETE A REAL INTENÇÃO DE SEU AUTOR. INVIABILIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem manifestou-se expressamente sobre a petição apresentada pela demandante após a interposição de seu recurso de apelação, deixando assente que, além de os documentos a ela anexados não serem considerados novos, as circunstâncias que ensejaram a perda da delegação pela Tabeliã não se relacionam ao testamento sob comento, cuja validade se discute na presente ação. É de se constatar que a Corte de origem, no ponto, teceu fundamentação suficiente a lastrear sua convicção, afigurando-se, pois, descabida a tese de negativa de prestação jurisdicional.

2. Especificamente em relação aos testamentos, as formalidades dispostas em lei possuem por finalidade precípua assegurar a higidez da manifestação de última vontade do testador e prevenir o testamento de posterior infirmação por terceiros. Assim, os requisitos formais, no caso dos testamentos, destinam-se a assegurar a veracidade e a espontaneidade das declarações de última vontade.

3. Todavia, se, por outro modo, for possível constatar, suficientemente, que a manifestação externada pelo testador deu-se de forma livre e consciente, correspondendo ao seu verdadeiro propósito, válido o testamento, encontrando-se, nessa hipótese, atendida a função dos requisitos formais, eventualmente inobservados.

4. A jurisprudência desta Corte de Justiça (a partir do julgamento do Resp n. 302.767/PR), em adoção a essa linha de exegese, tem contemporizado o rigor formal do testamento, reputando-o válido sempre que encerrar a real vontade do testador, manifestada de modo livre e consciente.

5. Na hipótese dos autos, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, especialmente porque a lei a admite, é certo que a vontade manifestada pelo autor do testamento de dispor sobre os bens disponíveis da herança, em detrimento da filha reconhecida a posteriori – intuito sobre o qual, como visto, nem mesmo a recorrente controverte -, restou substancialmente demonstrada, cuja verificação deu-se, de modo uníssono, pelas instâncias ordinárias com esteio nos elementos de prova reunidos nos autos.

6. Segundo apurado, o testador, contando com oitenta e oito anos à época da efetuação do testamento, justamente para prevenir posterior e infundada alegação de incapacidade, apresentou laudos médicos que atestavam sua plena sanidade mental. É dizer, o testador, por sua própria iniciativa, deixou comprovado, por ocasião da confecção do documento, que a manifestação acerca da destinação de seus bens, na parte disponível da herança, expressada no testamento público por ele subscrito, representava, de modo livre e consciente, verdadeiramente a sua última vontade.

7. O proceder adotado pelo testador revelou inequívoca preocupação em assegurar que as disposições de última vontade insertas em seu testamento fossem efetivamente observadas. Não há na lei de regência qualquer limitação (máxima) de idade para testar, tampouco exigência de que o autor do testamento comprove sua capacidade para o ato. Não obstante, o testador assim acautelou-se. Há que se pontuar, ainda, não remanescer qualquer dúvida, a considerar o laudo pericial conclusivo, acolhido pelas instâncias precedentes, de que o autor do testamento efetivamente apôs sua assinatura no documento, por ocasião de sua lavratura. Aliás, a própria adoção da forma pública do testamento revela a intenção do testador de valer-se da segurança e seriedade a ela inerente. Todas essas circunstâncias, de fato, deixaram evidenciado a congruência entre o disposto no testamento e o real propósito de seu autor.

8. Em que pese a existência de vício de forma (testemunhas instrumentárias, funcionários do cartório, que não presenciaram a lavratura do testamento, apondo as respectivas assinaturas posteriormente), a confirmar a reiterada atuação antijurídica da Tabeliã, a quem incumbia, imediatamente, zelar pela observância dos requisitos formais, inviável, na hipótese dos autos, frustrar a manifestação de última vontade encerrada no testamento público, quando esta, a partir dos elementos de prova reunidos nos autos, refletiu, indene de dúvidas, a real intenção de seu autor.

9. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Brasília (DF), 09 de dezembro de 2014 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator