2ª VRP/SP: Decisão estabelece inviabilidade da lavratura de escritura pública de inventário e partilha quando o autor da herança houver deixado testamento, o qual deve necessariamente ter reconhecimento de sua caducidade, nulidade ou ineficácia por órgão jurisdicional competente, para então ter acesso ao procedimento extrajudicial.

Processo 100.10.005543-4 – Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – M. A. P. de O.

Vistos.

Marco Antonio Pinheiro de Oliveira, por suas advogadas constituídas, pleiteia a adoção de providências por este Juízo, a fim de que o 23º Tabelionato da Capital possa lavrar escritura pública de inventário e partilha, em virtude do precedente falecimento de seu genitor José Pinheiro de Oliveira, beneficiário da disposição testamentária de sua genitora Aurora Nunes Pinheiro de Oliveira, tornando o testamento ineficaz.

Alega que houve recusa na efetivação do ato notarial, em razão da existência do mencionado testamento, que restou superado, nos termos do artigo 1.939, V, do Código Civil, invalidando o cumprimento da declaração de vontade da testadora, o que permitiria a solução pretendida.

Requer, outrossim, autorização judicial para proceder a lavratura de Escritura de Inventário Extrajudicial, sob a égide da Lei no. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, perante o 23º Tabelionato de Notas da Capital. A inicial veio instruída com documentos (fls. 05/31).

O Tabelião do 23º Tabelionato de Notas, com firme embasamento jurídico, sustentou a necessidade de prévia declaração judicial de ineficácia ou caducidade do testamento, para viabilizar o ato notarial questionado (fls. 36/37).

Solicitada preferência no exame do feito, a ilustrada Promotoria de Registros Públicos, no bem fundamentado parecer de fls. 39/40, manifestou-se pelo indeferimento da pretensão.

É o relatório.

Decido.

O cerne da questão posta nos autos, conforme bem assinalou a digna representante do Ministério Público, é saber se, em face do ordenamento jurídico vigente, é admissível a lavratura de escritura pública de inventário e partilha, não havendo herdeiro incapaz, quando houver testamento ineficaz.

Sem margem de dúvida ou campo para tergiversação, diante de expressa disposição legal, há que se concluir que, “havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial” (art. 982, caput, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei no. 11.441/2007).

A regra legal é clara, taxativa e não comporta interpretação em sentido contrário, nada justificando a alusão à suposta omissão ou lacuna por parte do legislador. O procedimento ficou estabelecido de forma incontroversa, e não permite a inserção de ressalva, a que título for. Existindo testamento, há que se observar compulsoriamente o procedimento sucessório judicial.

A alegação de que, na hipótese em tela, a ineficácia do testamento seria de reconhecimento indeclinável, não altera os dados da questão, por isso que, sem prévia manifestação jurisdicional sobre a nulidade, caducidade ou ineficácia do ato de declaração de vontade, a conclusão não poderia se impor desde logo. Muito menos, essa tarefa não poderia ser atribuída ao Tabelião, em julgamento que usurparia as funções do julgador.

Deixar ao critério do Tabelião essa incumbência seria subverter o sistema constitucional, afrontar o ordenamento legal e criar atribuição jurisdicional fora da área do Poder Judiciário. Somente após a decretação judicial, pela via competente (Vara da Família e das Sucessões), com o título de reconhecimento de testamento caduco, nulo ou ineficaz, poder-se-ia admitir a lavratura de escritura pública, nos moldes pretendidos pela requerente.

Sem essa providência, a pretensão é inteiramente inviável, muito embora a almejada rapidez seja sacrificada nessas circunstâncias. Poder-se-á inferir que, ante a disposição do art. 2.015 do Código Civil, a que se refere o art. 1.031 do Código de Processo Civil, a possibilidade de lavratura de escritura pública, nas condições expostas na inicial, teria respaldo legal ou jurídico, mas a conclusão desse teor decorreria de mera distorção na interpretação das normas que regem a matéria.

Não se desconhece, nesse passo, a orientação defendida por Karin Regina Rick Rosa, nesse sentido (Escrituras Públicas, Francisco José Cahali, Antonio Herance Filho, Paulo Roberto Gaiger Ferreira, e a autora citada, ed. RT 2007, pgs. 61/62), mas o ponto de vista não merece acolhida judicial.

Basta ver que a regra de natureza processual mais recente é explícita na disciplina da questão, e nenhum esforço dialético abala a diretriz fixada pelo legislador (art. 982, CPC), que não é alterada pela interpretação conjunta das regras, pois, mesmo na linha do entendimento sufragado pela Corregedoria Geral da Justiça do Rio Grande do Sul, trazido à colação (Nota 1, op. cit., pg. 62), nessa eventualidade não se abre mão do inventário judicial, de que não se cuidou na espécie.

Por conseguinte, nos termos do valioso parecer da representante do Ministério Público, rejeito a pretensão deduzida pelo requerente.

Comunique-se a decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça e ao Colégio Notarial/SP.

P.R.I.C.

ADV: ANDREA DE LIMA LEHMERT (OAB 187311/SP), FELIPE GOUVEIA VIEIRA (OAB 243216/SP), WANESSA CRISTINA FERNANDES CIRIACO (OAB 264292/SP), TATIANA LUPIANHES PACHECO VIDAL (OAB 204146/SP), CELINA MENDONCA FERNANDES DE OLIVEIRA (OAB 128255/SP), MANUEL GONCALVES PACHECO (OAB 22358/SP), CYBELE LUPIANHES RAGO (OAB 152193/SP), SILVIA MARIA QUAGLIO (OAB 187925/SP)