1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Suscitação de dúvida requerida por escrevente que lavrou a escritura – Ilegitimidade – Não conhecimento do pedido – Contudo, cabe a análise do caso concreto, evitando-se novo procedimento – Expedição de ofício para averiguação da conduta do escrevente.

Processo 1079627-37.2017.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

Décimo Cartório de Registro de Imóveis

XXº Tabelionato de Notas de São Paulo

Municipalidade de São Paulo

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento do XXº Tabelião de Notas de São Paulo, após negativa de registro de escritura de venda e compra relativa ao imóvel de matrícula nº 96.910 da mencionada serventia.

O óbice diz respeito à necessidade de comprovação de recolhimento ou isenção de ITBI, relativo a operação societária na qual a proprietária do bem foi incorporada pela outorgante da escritura.

Aduz o Oficial que, não obstante a possibilidade de registro, foi instaurado procedimento perante a Corregedoria Geral da Justiça, sob iniciativa do Município de São Paulo, em que se apura hipótese semelhante, de modo que não efetuará averbações até solução final.

O suscitado não apresentou impugnação (fl. 58), mas aduziu, na solicitação de suscitação (fl. 6), que o comprador do imóvel o adquiriu por compromisso de compra e venda em 1997, devidamente quitado, de modo que a proprietária tabular não incluiu o imóvel na relação de bens incorporados, solicitando seja feita averbação para constar apenas mudança de nome do proprietário, possibilitando assim o registro da escritura.

O Ministério Público opinou às fls. 62/63 pela procedência da dúvida.

O Município manifestou-se às fls. 67/70, aduzindo pela incidência do imposto na hipótese.

É o relatório. Decido.

A dúvida não pode ser conhecida. Como consta da solicitação de fl. 06, o requerimento de suscitação de dúvida foi feito pelo escrevente do XXº Tabelião de Notas da Capital, “para que o atual comprador não seja prejudicado na obtenção do seu registro”.

Ocorre que, apesar do escrevente ter lavrado a escritura, não tem ele interesse jurídico em seu registro, tampouco na suscitação de dúvida quanto ao óbice apresentado. Sendo assim, é caso de não conhecer do pedido. Não obstante, cabe analisar o óbice imposto, uma vez que os interessados poderão reapresentar o título, dando origem a novo procedimento.

Como apontado pelo Oficial, após realização de registro em caso semelhante sem a exigência do ITBI, foi instaurado procedimento administrativo perante a E. CGJ, dando origem ao Processo 0052991-85.2016.8.26.0100 nesta Corregedoria Permanente.

Em sentença publicada no DJe de 22/11/17 decidiu-se que: ”[P]ara evitar-se a insegurança jurídica de ser realizado um registro sem exigência de recolhimento de tributo, mas com posterior cobrança pelo Fisco, uma vez que não há jurisprudência consolidada pela inexigibilidade do tributo em tais operações, seria prudente que o Oficial solicitasse a comprovação do pagamento do ITBI ou de sua isenção, naqueles atos em que o compromissário vendedor passe por transformações societárias e que, por razão de ter sido o compromisso inteiramente quitado, não incluiu tais imóveis na relação do patrimônio transferido.”

E a hipótese se adequa aquela existente nestes autos. Conforme consta da matrícula do imóvel (fl. 4), seu proprietário tabular é a Construtora Lotux Ltda. Já no título que se pretende registrar (fls. 7/12), o vendedor é Padoca Administradora de Bens Ltda., que teria incorporado a Lotus. Assim, falta um ato para que o princípio da continuidade, previsto nos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/73, seja observado.

E tal ato, na hipótese, é a transferência do bem entre a Lotus e a Padoca. Não se trata de mera averbação de mudança de nomenclatura, uma vez que houve incorporação societária, conforme consta da própria escritura de venda e compra. E, em se tratando de transmissão de bem imóvel, a princípio o ITBI deve ser recolhido. Não se ignora o argumento de que, tratando-se de compromisso de compra e venda quitado, o bem já não estaria mais no patrimônio da incorporada, não se podendo dizer em transferência à incorporadora.

Contudo, como exposto no decisão do procedimento administrativo, não pode tal argumento ser acatado sem jurisprudência prévia que reconheça a não incidência do imposto, uma vez que é dever do registrador verificar o recolhimento de tributos devidos pelos atos realizados perante si. Cito o ali decidido:

”Por óbvio, não é o Oficial autoridade tributária para que decida se um tributo é o não devido. Por outro lado, diariamente lhe são apresentados centenas de títulos para que faça o registro, devendo qualificá-los diante de sua natureza e realizar o ato previsto em lei. Diversos destes títulos representam operações com imóveis que, muitas vezes, escapam da natureza dos negócios jurídicos realizados cotidianamente, cabendo ao Oficial, nestes casos, qualificá-los para que verifique quais suas consequências e quais as exigências a serem cumpridas para que passem a ter efeito perante o Registro Público, como por exemplo o recolhimento de impostos. (…) [Sobre o tema], decidiu o juízo da Fazenda Pública nos autos que discutem a legitimidade do tributo no caso ora em tela, em decisão que analisava pedido liminar (Processo 1003342-47.2017.8.26.0053): ”Em uma primeira abordagem da questão, que me parece complexa, a exigência fiscal não pode ser tida por absurda. O compromisso de venda e compra irretratável e irrevogável,averbado ou não na matrícula do bem imóvel, com quitação do preço, confere ao compromissário comprador direito real, na forma do entendimento dominante do âmbito do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 239). Nesse sentido, em nada ele difere do contrato de venda e compra propriamente dito, já que em ambos a obrigação de transferir a propriedade mostra-se como fato certo e irretratável. Porém, a propriedade continuou em poder da autora, que somente se desvincula da condição de proprietária dos bens imóveis com a transmissão da propriedade a partir da outorga da escritura definitiva de venda e compra e com o registro da matricula de cada bem imóvel. Assim, parece-me que a obrigação do recolhimento do ITBI pela autora em relação a operação de transmissão do patrimônio a partir da cisão da empresa DUETO é certa e não pode ser considerada afastada por conta da celebração prévia de um compromisso de venda e compra com terceiro.”

Portanto, deve ser recolhido o ITBI ou comprovada sua isenção para que se registre a incorporação da Lotus pela Padoca, para após ser registrada a escritura de compra e venda em que a Padoca vende o imóvel a João Henrique Guerine. Se o interessado discorda com tal exigência, deve requerer declaração judicial de que inexistente obrigação tributária na hipótese.

Do exposto, julgo prejudicada, com observação, a dúvida suscitada pelo Oficial do 15º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento do XXº Tabelião de Notas de São Paulo, por falta de interesse do suscitado em realizar o pedido de suscitação.

Expeça-se ofício ao Corregedor Permanente dos Tabelionatos de Notas da Capital, para ciência da conduta do escrevente e apuração sobre a conivência do Tabelião.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

(DJe de 07.12.2017 – SP)

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Processo 1079627-37.2017.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

Décimo Cartório de Registro de Imóveis

XXº Tabelionato de Notas de São Paulo – Municipalidade de São Paulo

Vistos.

Retifica-se, de ofício, o dispositivo da sentença lançada nos autos, em razão de erro material, para constar:

”Do exposto, julgo prejudicada, com observação, a dúvida suscitada pelo Oficial do 10º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento do XXº Tabelião de Notas de São Paulo, por falta de interesse do suscitado em realizar o pedido de suscitação.”

Intime-se.

(DJe de 11.12.2017 – SP)